Pesquisar este blog

segunda-feira, 18 de março de 2013

A difícil transição ao socialismo

13.03.11_A difícil transição ao socialismo_João Alexandre Peschanski 



























Por João Alexandre Peschanski.


Definimos aqui o capitalismo como um sistema econômico em que o proprietário dos meios de produção explora a força de trabalho de indivíduos destituídos dos meios de produção. Por um lado, a desigualdade fundamental da relação entre o capitalista e o trabalhador é indesejável, na medida em que, na sua forma extremada, nega o acesso mínimo aos bens de subsistência a uma parcela da população, refém das estratégias de lucro dos detentores dos meios de produção, o que é moralmente injustificável, e instaura geralmente um conjunto de mecanismos que recria e agrava as posições desiguais dos capitalistas e dos trabalhadores em relação à satisfação das necessidades básicas e à possibilidade de viver vidas dignas. Por outro lado, os mecanismos básicos do capitalismo – a propriedade privada dos meios de produção, o mercado de trabalho e a troca de produtos num mercado visando ao lucro – são em geral relativamente funcionais e criam as condições para que o capitalismo se reproduza. Por mais que haja déficit ético e notórias ineficiências, o capitalismo é uma maneira razoavelmente previsível e estável de organizar a produção e a troca de bens e serviços: tanto os capitalistas quanto os trabalhadores têm incentivos, variados e variáveis, para, no dia seguinte, manter o sistema funcionando; existem mecanismos para estimular a inovação tecnológica etc.

Agora, num exercício de imaginação, assumamos que haja um projeto de economia ou estejamos racionalmente convencidos de uma simulação de instituições econômicas mais justa e eficiente, que seja robusto e sustentável. Ou seja, aceitemos a proposta do socialismo como uma alternativa de organização econômica que, com base em instituições diferentes das que existem no capitalismo, seja possível, viável e atingível. 

 Aceitemos hipoteticamente que há uma forma racional e qualitativamente melhor do que o capitalismo para organizar a economia.

Uma primeira dedução dessa hipótese é que, para os trabalhadores, é melhor estar no socialismo do que no capitalismo. É de seu interesse objetivo estar numa sociedade onde a satisfação social das necessidades se dá sem a exploração de sua força de trabalho. Vimos aqui que a posição na estrutura de classe determina em teoria os interesses objetivos; é racional para o trabalhador acabar com a exploração de sua força de trabalho, se uma alternativa melhor existir.

Uma segunda dedução dessa hipótese é que, sem as condições apropriadas para uma transição de baixo custo do capitalismo ao socialismo, é racional para os trabalhadores preferirem lutar para “melhorar” o capitalismo do que para “criar” o socialismo. (Especifico que, nesse exercício de abstração, capitalismo e socialismo são definidos como modos de organizar a economia qualitativamente diversos – isto é, para funcionar de maneira estável, o socialismo depende da construção de novas instituições.) Geralmente, transições são custosas: elevam o nível de incerteza, desorganizam o funcionamento estável de instituições (mesmo que diagnostiquemos essas instituições como injustas e ineficientes). Os capitalistas têm, potencialmente, a capacidade real de tornar muito custosa a transição do capitalismo para o socialismo, especialmente porque controlam ainda no capitalismo o fluxo de investimentos, a condição da produção futura. O desinvestimento leva possivelmente a uma desorganização real da economia, em que a taxa de satisfação social das necessidades é negativa, isto é, em que a população, que se emancipa da exploração, está pelo menos por um tempo com um acesso às condições de sua sobrevivência inferior ao que tinha enquanto era explorada. O horizonte de que, no futuro, a situação vai efetivamente melhorar não é necessariamente alentador para as pessoas que, no presente, não conseguem sobreviver.

Uma terceira dedução é que, de toda maneira, a existência de uma alternativa real ao capitalismo empodera os trabalhadores. No capitalismo – sem a existência de uma alternativa –, é mais provável que o trabalhador esteja numa posição mais vulnerável na relação de força com o capitalista do que o contrário, especialmente se não se está numa situação de pleno emprego, numa sociedade onde a mediana da população tenha acesso a uma qualificação profissional de bom nível e num espaço em que haja alta densidade organizacional do trabalho. A alternativa real permite ao trabalhador aumentar seu poder de barganha e, portanto, melhorar no presente a qualidade de sua vida, claro que nos limites da reprodução da exploração. O capitalista tem interesse em estabelecer um compromisso com os trabalhadores, se ele tiver acesso a informações que sinalizem que estes vão cumprir com o combinado, isto é, limitar-se a exigir melhorias no contexto em que aceitam as regras necessárias para a reprodução do capitalismo.

Na medida em que estabelecemos que capitalismo e socialismo são sistemas qualitativamente diversos, o melhor dos capitalismos nunca será tão eficiente e tão justo quanto o socialismo. Por conseguinte, a existência de uma alternativa real ao capitalismo não é suficiente para a criação do socialismo, por mais que, como argumentei com Calnitsky no artigo supracitado, a teorização da alternativa seja absolutamente necessária. Nessa perspectiva, uma tarefa principal dos socialistas no capitalismo é criar as condições reais para reduzir os custos da transição de um modo de organizar a economia para outro, tema sobre o qual espero voltar em um post futuro.

***
ETAPA 2_ENVIO
***
João Alexandre Peschanski é sociólogo, coorganizador da coletânea de textos As utopias de Michael Löwy (Boitempo, 2007) e integrante do comitê de redação da revista Margem Esquerda: Ensaios Marxistas.

Nenhum comentário: