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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Por que Washington odiava a Hugo Chávez. Entrevista com a investigadora e revolucionária Eva Golinger

Mike Whitney
Adital



Tradução: ADITAL

Entrevista com a ensaísta e revolucionária Eva Golinger, ganhadora do Prêmio Internacional de Jornalismo do México (2009) e chamada a "Namorada da Venezuela” pelo presidente Hugo Chávez.

Eva é advogada e escritora novayorquina, que vive em Caracas desde 2005; é autora do best-seller "El Código Chávez: Descifrando la intervención de EE.UU. en Venezuela” (2006, Olive Branch Press: traduzido para oito idiomas) e de "Bush vs Chávez: La guerra de Washington contra Venezuela" (2007, Monthly Review Press), entre outros.

Desde 2003, Eva vem investigando, analisando e escrevendo acerca da intervenção dos Estados Unidos na Venezuela, utilizando a Acta de Libertad de Información (Foia) para obter informação sobre os esforços do governo estadunidense para socavar os movimentos progressistas na América Latina.

- Mike Whitney: A cobertura da morte de Hugo Chávez nos Estados Unidos foi muito limitada. Podes descrever brevemente a reação do povo venezuelano?

- Eva Golinger: O falecimento de Chávez foi devastador. Apesar de saber de sua enfermidade, a maioria dos venezuelanos acreditava que ele ganharia a batalha contra o câncer, da mesma forma que, antes, havia ganhado outras. A reação foi um grito coletivo de profundo desespero e tristeza; porém, também de amor, profundo amor por essa pessoa, esse homem que deu até seu último alento para fazer de seu país um lugar melhor para todos. Oficialmente, foram declarados dez dias de luto em todo o país, e foi autorizado o acesso ao féretro de Chávez a fim de que milhões de pessoas pudessem apresentar-lhe seus respeitos antes de, finalmente, ser enterrado. Houve gente que fez fila por até 36 horas para despedir-se de Chávez na Academia Militar, lugar onde surgiu sua consciência política e onde seu ataúde foi colocado provisoriamente depois de sua trágica morte. Após os dez dias, um cortejo massivo de pessoas acompanhou o féretro até o topo da colina onde se encontra o Quartel de la Montaña, em frente ao Palácio presidencial de Miraflores, em Caracas, onde foi enterrado em uma surpreendente e bonita tumba, chamada "Os quatro elementos”.

O Quartel de la Montaña é onde Chávez iniciou sua carreira política, em fevereiro de 1992, com uma tentativa de rebelião militar contra um presidente neoliberal corrupto e assassino. Fracassou nessa tentativa e foi à prisão; porém, sua mensagem e seu carisma chegaram a milhões de pessoas que se uniram ao movimento que mais tarde levaria à sua eleição como presidente, em 1998. O lugar da tumba de Chávez, "Os quatro elementos”, consta do ataúde, que descansa sobre um nenúfar belamente esculpido sobre água doce e terra limpa. Encontra-se ao ar livre com uma chama eterna. Ainda hoje, centenas de venezuelanos visitam esse lugar para ter a oportunidade de aproximar-se a seu amado presidente.

- M. W.: Chávez foi um líder inspirador e carismático, capaz de levar adiante políticas progressistas que beneficiaram à maioria das pessoas. A Revolução Bolivariana continua sob a atual presidência de Nicolás Maduro, ou aconteceu alguma mudança na direção?

- E.G.: A Revolução Bolivariana continua com o presidente Maduro; não houve nenhuma mudança na direção. Apesar de ganhar as eleições presidenciais em abril, com uma margem estreita, Maduro não modificou as políticas de Chávez de maneira significativa; acaso tentou consolidá-las ainda mais. Vários membros de seu gabinete foram trocados; porém, isso foi considerado como positivo, sobretudo porque trouxe muitos jovens, pessoas pouco ortodoxas, em vez de continuar com os que fizeram parte da administração de Chávez durante anos. No entanto, manteve também muitas pessoas próximas a Chávez porque, claro, Maduro também era um deles. Mas, trouxe sangue novo para demonstrar que estava disposto a fazer as mudanças necessárias.

Por exemplo, nomeou a um crítico frequente das políticas comunitárias de Chávez, Reinaldo Iturriza, como Ministro do Poder Popular para as Comunas, que é um Ministério dedicado a ajudar às comunidades organizadas mediante a gestão de recursos e o desenvolvimento de projetos. O próprio Iturriza é um organizador de base que substituiu um burocrata. Até agora, Maduro manteve as políticas econômicas do governo de Chávez; no entanto, mudou os membros do gabinete a cargo daquelas. Tomou medidas mais drásticas em matéria de corrupção governamental e delinquência. Dezenas de funcionários públicos foram detidos por corrupção; e militarizou as zonas de alta criminalidade a fim de colocar sob controle a violência e a insegurança. Eu diria que recolheu o legado de Chávez e o acelerou.

- M.W.: Poderia resumir algumas realizações mais importantes de Chávez como presidente?

- E.G.: As realizações de Chávez como presidente são amplas e inúmeras. Transformou a Venezuela, de uma nação dependente e covarde, sem identidade nacional, com pobreza generalizada e uma acentuada apatia, em um país soberano, independente e digno, cheio de orgulho nacional e satisfeito de sua rica diversidade cultural. Também reduziu a pobreza em mais de 50% e instituiu com êxito a assistência sanitária universal, gratuita e de qualidade e programas de educação e diversificação da economia, com a criação de novas indústrias nacionais e milhares de novos proprietários de pequenas empresas e cooperativas.

Um de suas maiores realizações foi o despertar coletivo da consciência do país. A Venezuela era tão apática antes que Chávez assumisse a presidência, pior do que os Estados Unidos. Hoje em dia, é um lugar onde as eleições contam com mais de 80% de participação voluntária. Todo mundo fala de política e dos assuntos de importância para a nação. Os jovens querem participar na construção de seu país, de seu futuro. Nos últimos anos, foram eleitos os membros do Congresso (Assembleia Nacional) mais jovens da história, com legisladores de somente 25 anos de idade. A metade dos membros do novo gabinete executivo de Maduro é composta por pessoas menores de 45 anos. Há novos movimentos juvenis, movimentos estudantis –tanto de oposição, quanto chavistas- que são ativos e participam na vida política.

E não resta dúvida de que as políticas sociais de Chávez e o investimento em programas sociais, de mais de 60% do orçamento nacional, fazem uma enorme diferença nas vidas cotidianas dos venezuelanos. Hoje em dia, há mais capacidade de consumo; os venezuelanos desfrutam de uma melhor nutrição e habitação mais dignas. Chávez também impulsionou leis a favor dos trabalhadores que garantem um salário digno (o salário mínimo mais alto da América Latina) e importantes benefícios para os trabalhadores. Há muitas coisas que não pode concluir, mas o que conseguiu realizar é extraordinário em apenas um pouco mais de uma década no poder, levando em consideração que também houve que transformar umas instituições estatais corruptas, ineficientes e arruinadas, ao mesmo tempo que teve que enfrentar uma oposição respaldada pelos Estados Unidos com um imenso poder econômico.

- M.W.: Escreveste muito sobre as atividades secretas dos organismos de inteligência dos Estados Unidos e as organizações não governamentais na Venezuela. Vês algum sinal de que a intromissão tenha diminuído após a morte de Chávez?

- E.G.: Não. A intervenção dos EUA na Venezuela aumentou progressivamente a cada ano desde a primeira eleição de Chávez, em 1998. Durante o golpe de Estado contra Chávez, em abril de 2002, derrotado pelo povo e pelas forças armadas leais, os EUA estavam apoiando a oposição; porém, com uma ajuda moderada em comparação ao que estão fazendo na atualidade.

A cada ano, o financiamento dos grupos antiChávez aumentou em milhões de dólares, provenientes da Usaid, da National Endowment for Democracy (Fundação Nacional para a Democracia – NED, em inglês), do Departamento de Estado e de outros organismos financiados pelos Estados Unidos, como Freedom House, o Instituto Republicano Internacional (IRI) e o Instituto Nacional Democrata para Assuntos Internacionais (NDI). De fato, Obama não só aumentou o financiamento aos grupos antichavistas, como também tornou ainda mais oficial, ao incluir abertamente dito financiamento no orçamento anual de Operações Estrangeiras (Foreign Operations Budget).

Há um apartado especial dedicado ao financiamento dos grupos da oposição venezuelana, ou como eles chamam, para a "promoção da democracia”. Demonstrei detalhadamente em meus estudos que esse financiamento tem sido destinado a fomentar a desestabilização e a determinadas organizações e atividades venezuelanas muito pouco democráticas. Sabemos, através dos documentos publicados por WikiLeaks, e mais recentemente por Edward Snowden, que a espionagem dos EUA na Venezuela aumentou de maneira exponencial este ano, com a piora do estado de saúde de Chávez.

OS EUA utilizaram uma enorme quantidade de meios econômicos e políticos a favor do candidato presidencial perdedor, Henrique Capriles, e é o único país que ainda se nega a reconhecer oficialmente a vitória eleitoral do presidente Nicolás Maduro, em abril 2013. Washington continuará apoiando à oposição com a esperança de que o mandato de Maduro possa ser objeto de um referendo revogatório em três anos, quando tenha alcançado a metade de seu mandato de seis anos e, constitucionalmente, possa ser objeto desse tipo de referendo.

Os EUA confiam em conseguir sua destituição nesse momento, ou talvez antes, através de outros meios não democráticos. Recentemente, vários membros da oposição foram descobertos conspirando para tentar um golpe de Estado contra Maduro, bem como fazendo planos para seu assassinato. Todos eles viajam com frequência para Washington para realizar "reuniões”. E também recentemente, o governo da Venezuela pôs fim ao diálogo com Washington a partir de janeiro, por conta de algumas expressões ofensivas da nova embaixadora estadunidense ante as Nações Unidas, Samantha Power. O governo de Maduro, da mesma forma que o de Chávez, espera ter uma relação respeitosa com o governo dos EUA.

Porém, não suportarão agressões, ingerências ou condutas, de um ou outro modo, intervencionistas. Os Estados Unidos parecem incapazes de comprometer-se em uma relação respeitosa e madura com a Venezuela.

- M.W.: Barack Obama, em uma entrevista a Univisión, quando Chávez estava em seu leito de norte, afirmou: "O mais importante é recordar que o futuro da Venezuela deve estar nas mãos do povo venezuelano. No passado, vimos Chávez desenvolver políticas autoritárias e suprimir a dissidência". Na Venezuela, houve alguma reação aos comentários de Obama?

- E.G.: Definitivamente, houve uma reação muito forte. Em primeiro lugar, os comentários foram considerados como totalmente desrespeitosos para com o país e seu governo, em um momento em que a saúde de Chávez se estava deteriorando. Indicavam claramente que o governo de Obama era ignorante sobre a Venezuela e não levava em consideração os sentimentos coletivos de milhões de pessoas no país devido ao delicado estado de saúde de Chávez.

O objetivo número um do presidente Chávez –e o alcançou em grande medida- foi a transferência de poder para o povo. A hipocrisia de Obama, com sua declaração eclipsa seu próprio fracasso para compreender a realidade venezuelana. O número de pessoas que na Venezuela participaram na vida política é muito maior do que em nenhum outro momento de sua história e muito maior do que a existente nos Estados Unidos, porcentualmente. Em uma época de espionagem massiva, assassinatos seletivos, drones, cárceres secretas, violações graves dos direitos humanos e outras políticas repressivas dirigidas pelos EUA, Obama deveria pensar duas vezes antes de expressar essas opiniões contra o governo de outra nação que conhece somente através das opiniões preparadas que seus desinformados analistas lhe proporcionam. Em resumo, os venezuelanos se indignaram com os comentários insensíveis e desrespeitosos de Obama; porém, não se surpreenderam. Esses comentários são típicos da posição hostil de Washington para com a Venezuela durante o governo de Chávez.

- M.W.: Por que Washington odiava a Chávez?

- E.G.: Suponho que Washington odiava a Chávez por muitas razões. É claro que o petróleo é uma fonte primária da atitude agressiva de Washington para com Chávez. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do planeta, e antes que Hugo Chávez fosse eleito, os governos estavam subordinados aos interesses estadunidenses. De fato, a Venezuela estava à beira da privatização da indústria petroleira, junto com outros bens e recursos no país, justamente quando Chávez foi eleito. O fato de que um chefe de Estado que detém as maiores reservas de petróleo do mundo –que os EUA necessitam para manter seu exagerado modelo de consumo em largo prazo- não esteja subordinado às consignas dos EUA era exasperante para Washington.

Chávez não só se recuperou e transformou a indústria petroleira para redistribuir a riqueza e assegurar-se de que as corporações estrangeiras acatassem as leis (o pagamento de impostos e regalias, por exemplo), como também nacionalizou outros recursos estratégicos do país que EUA tinha em suas mãos, como o ouro, a energia elétrica e as telecomunicações. É evidente que Chávez era uma espinha de grande tamanho nos interesses econômicos de Washington na região. Uma vez que Chávez encabeçou a criação da integração e cooperação da América Latina, que conduziu a organizações como a União de Nações Sul-americanas (Unasul), a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), a Comunidade de Estados Americanos e Caribenhos (Celac), bem como Petrocaribe, Telesul (primeira cadeia de televisão da região), e muitas iniciativas mais, Washington rapidamente começou a perder influência na região.
Isso também atraiu uma hostilidade ainda maior para com Chávez, já que ele era o principal líder e impulsionador da independência e da soberania da América Latina no século XXI. Washington e a elite venezuelana tampouco podiam suportar as maneiras de Chávez e sua forma direta de contar as coisas como são. Não tinha medo de nada e nem de ninguém, e nunca deu um passo atrás; sempre se manteve firme e falou o que acreditava, mesmo sem ser diplomaticamente correto. E Washington o odiava por trazer de volta o "mal” conceito de socialismo ao mundo de hoje. Washington havia tentado por todos os meios livrar o planeta de qualquer coisa remotamente relacionada com o comunismo do século XX, pelo que "o socialismo do século XXI” de Chávez era uma bofetada na cara da velha guarda estadunidense que ainda mantém as rédeas do poder nos EUA.

- M.W.: Gostarias de agregar alguma reflexão pessoal sobre a norte de Chávez?

- E.G.: A morte de Chávez é impossível de aceitar. Era uma força vibrante, motivadora, cheia de amor e afeto genuíno para com as pessoas e a vida. Tinha uma extraordinária capacidade de comunicação e podia conectar com qualquer pessoa em um abraço sincero cheio de humanidade. Foi um visionário brilhante e um fazedor de sonhos. Ajudou as pessoas a ver seu próprio potencial; a percebermos nossas capacidades. Adorava seu país, sua rica cultura, música, diversidade, e realmente deu tudo de si mesmo para a construção de uma Venezuela digna, forte e bela.

Eu fui uma das afortunadas de ser sua amiga e partilhar muitos momentos excepcionais com ele. Tinha debilidades e imperfeições como todo mundo; porém, sua capacidade de amar e de preocupar-se com todas as pessoas o levou a superar muitos obstáculos difíceis, para não dizer quase impossíveis. Realmente acredita que derrotaria o câncer e, com certeza, todos esperávamos que ele conseguisse. Sua morte deixa um vazio profundo e uma grande tristeza em milhões de pessoas. Sua energia era tão infinita que é difícil não senti-la mesmo agora por todas as partes ao nosso redor, dirigindo e orientando a revolução que ele ajudou a construir. Por isso, é tão difícil aceitar sua partida, porque ainda está tão presente em nossas vidas e, claro, em cada pedacinho da Venezuela.

Chávez converteu-se em Venezuela, a pátria querida; e seu legado continuará crescendo e prosperando à medida que na Venezuela florescer todo seu potencial.

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=76900

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