Na Europa, na Ásia, na América, gerações inteiras se desenraizam, engajam-se profundamente nas lutas coletivas, aprendem a violência e o grande risco, experimentam cativeiros, constatam que o egoísmo do ‘cada um por si’ está caduco, que o enriquecimento pessoal não é a finalidade da vida, que os conservadorismos de ontem só levam às catástrofes, sentem a necessidade de uma nova tomada de consciência para a reorganização do mundo”
( Victor
Serge, Memórias de um revolucionário ).
É hora de reinvenção, não se pode mais
negar. Em 2013, os ventos de Junho abalaram certezas e revelaram a força
das ruas. Nelas, o continuum do tempo foi interrompido e a
evolução linear da esquerda convulsionada. O impossível, no qual poucas
pessoas teimavam em acreditar, repentinamente tornou-se realidade.
Nas ruas diferentes forças entraram em
choque. O Junho dos movimentos e da revolta por direitos sociais logo se
defrontou com um outro, verde-amarelo de ocasião, da grande mídia e da
reivindicação de privilégios. O único que merece ser reivindicado é
aquele dos movimentos e da revolta. É a ele que estamos associados.
Nem todos compreenderam essa diferença
ou conseguiram navegar nas águas da revolta social. No horizonte era
possível ver grandes naus castigadas pela tempestade e outras indo a
pique. O vento forte de Junho empurrou as embarcações da esquerda, mais
uma vez, em direção ao corporativismo sindical, ao possibilismo
parlamentar e às manobras burocráticas, as colunas de Hércules contra as
quais têm se chocado. Não foram poucos os que acharam que era
necessário voltar a defender o indefensável.
Assustados com a novidade,
sindicalistas, deputados e burocratas partidários reagiram como de
hábito: os primeiros, lançaram-se no mar das reivindicações econômicas
imediatas; os segundos, içaram as velas esperando chegar a uma reforma
política que lhes favorecesse nas próximas eleições; os últimos tentaram
enquadrar a realidade aos seus herméticos modelos interpretativos.
Enquanto a nave dos primeiros não conseguiu ir além das fronteiras de
cada categoria, a nau dos segundos encalhou na esmagadora maioria
conservadora no Congresso Nacional e as embarcações dos burocratas, como
era de se esperar, ficaram à deriva, condenando as correntezas por não
estarem se movendo no sentido por eles esperado.
Sindicalistas corporativistas, deputados
possibilistas e burocratas autoproclamatórios partilham entre si uma
especial predileção pela pequena política, o sectarismo e o dogmatismo.
Com medo de perder as posições que já conquistaram reduzem suas práticas
a uma sucessão de manobras de curto alcance, fecham-se sobre si
próprios e repetem as velhas e gastas ideias. Renunciaram à estratégia.
Acreditam piamente que algum dia, sabe-se lá por que razão, os ventos
lhes serão favoráveis e conseguirão chegar a seus destinos. Esquecem que
quando estes sopraram na direção certa suas pesadas embarcações não
conseguiram se mover.
Em uma conjuntura política e social
agitada é preciso manter o leme firme, mas também é preciso procurar
novos caminhos evitando as rotas nas quais a esquerda tem naufragado. O
predomínio da pequena política deixou o caminho livre para a direita
avançar. Incapaz de fundir a prática à teoria em uma concepção de mundo
própria, a esquerda não conseguiu enfrentar uma ofensiva conservadora
que se manifesta em todos os âmbitos da vida social. Os valores do
coletivismo e da solidariedade têm perdido os confrontos para o
individualismo e a competição. As políticas da autonomia e da
emancipação cedem terreno todo dia para a heteronomia e a sujeição.
Para reconquistar os mares da revolta
social a esquerda precisa se reinventar deixando para trás o
corporativismo sindical, o possibilismo parlamentar, o sectarismo e o
dogmatismo. Necessita reencontrar a estratégia, aceitar o desafio da
grande política e reconhecer a cultura como um campo de batalha.
Acomodar-se é uma possibilidade, mas para isso é preciso renunciar ao
espírito de Junho e aceitar o inverno das ilusões. Para manter-se fiel a
Junho, ao junho dos movimentos e da revolta, é preciso se reconstruir,
procurar quadros organizativos menos estreitos, reunir mais forças,
ampliar nosso alcance.
Confiantes de que vivemos o prenúncio da primavera do inconformismo,
intelectuais críticos, artistas engajados e ativistas sociais lançamos
hoje um novo espaço virtual para a difusão e o debate das ideias
socialistas. Queremos movimentar o pensamento crítico, difundir as
ideias e valores socialistas, divulgar uma nova estética da contestação,
estarmos abertos à melhor análise política e social. Para contribuir
com a reinvenção da esquerda, é necessário compreender os dilemas que o
socialismo enfrenta.
Publicado em 28 de Junho de 2015
Blog JUNHO
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