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domingo, 30 de agosto de 2015

A agonia da educação pública no Brasil

Ilustração de Marlon Anjos
Ilustração de Marlon Anjos
Vânia Motta

Triste “Pátria Educadora” que corta 10,5 bilhões na pasta da Educação neste primeiro semestre de 2015 e início do segundo governo de Dilma Rousseff[1], contradizendo às expectativas daqueles que a imaginaram como trajetória para superar o secular “atraso” da revolução burguesa na educação brasileira. No entanto, as trombetas anunciam a contrarreforma, os cortes são destinados às atividades relacionadas aos estabelecimentos públicos: na mesma semana que noticia o segundo corte, de R$1,1 bilhão, um Decreto aprova a liberação de 5,1 bilhões para as instituições privadas por meio do FIES – Fundo de Financiamento Estudantil; e do montante de recursos do orçamento da União executados nesse período para o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), dito como “carro-chefe do governo” nas políticas públicas de educação, 97% foi para o Sistema S, como veremos com mais detalhes em seguida.[2]

Nesse contexto de ataque frontal à educação pública, o Ministro Janine sonha com os enlatados educacionais americanos para a educação básica – fazendo referência à Lei promulgada em 2001, nos Estados Unidos, “Nenhuma Criança Deixada para Trás” (No Child Left Behind), cujo caráter privatista, meritocrático e de responsabilização individual (gestores, professores e alunos) tem levado, principalmente, ao aumento da segregação socioeconômica e no interior das escolas, à expropriação e precarização do trabalho docente e à destruição do sistema público de ensino.[3] E o Ministro Mangabeira Unger pousa de ‘salvador genial’ da ‘reconstrução da nação’ e construção do ideário da Pátria Educadora[4], por meio de uma “segunda via”.[5] Nestes documentos, incluindo a Carta Programática de 2009[6], Unger vislumbra um “caminho rumo a um modelo de desenvolvimento capaz de fazer da ampliação de oportunidades econômicas e educativas o motor do crescimento” (UNGER, 2009). Eis a “nova” estratégia de desenvolvimento ‘produtivista includente’: abrir possibilidades de “ampliação produtiva” (ampliação de acumulação de capital) com ajuste na capacitação da força de trabalho conforme demanda desses novos setores, criando, nesse sentido, oportunidades também para os trabalhadores ‘ficarem de pé’. Nas palavras do Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE): “O objetivo, mais do que construir novas vantagens comparativas[7] na economia mundial, é dar a cada brasileiro chance melhor para ficar de pé” (SAE, 2015, p. 4; grifos nossos). A Amazônia, o Centro-Oeste e o Nordeste são apontadas por Unger (2011) como áreas com potencial de exploração, ou “vanguardas potenciais” deste novo modelo.

Enquanto isso, isto é, enquanto os ministros se isolam na bolha do enlatado americano e do ideário desenvolvimentista da Pátria Educadora e cumprem suas tarefas de construírem e difundirem ideologias – tendo em vista o “mal-encoberto viés político-ideológico, especialmente seu desvio ocidentalizante ou americanizante”, segundo Miriam Limoeiro Cardoso (Apud. Freire e Becher, 2013, p. 208),[8] – as IFES (Instituições Federais de Educação Superior) estão agonizando. Uma a uma, uma atrás da outra, como numa fileira de dominós, as IFES fecham suas portas e anunciam a impossibilidade de manter suas atividades por questões financeiras.[9]

Como observou Valério Arcary, em entrevista no programa Diálogos da Globonews (30 julho 2015),  estamos chegando aos 30 anos do pós-ditatura empresarial-militar, predominando a alternância de governos ditos socialdemocratas e representantes da classe trabalhadora, sem melhorias, de fato, significativas na escolaridade, na condição de vida, na saúde… dos trabalhadores.

Na Educação, os alardeados “avanços” na média de escolaridade da população de 4 anos para 7,6 anos de escolaridade (isto é, ensino fundamental incompleto) escamoteiam que grande parte dessa elevação (além de ser pouco significativa para 30 anos de “democracia”) deu-se por meio de projetos privados de “aceleração” do ensino. São propostas de ensino dentro da rede escolar pública regular que compacta as séries escolares, aligeirando a conclusão do ensino fundamental ou médio, franquiadas (são consideradas franquias sociais) pelos braços sociais do empresariado brasileiro, Fundação Ayrton Senna e da Fundação Roberto Marinho, em convênio com grande parte das secretarias municipais e estaduais de ensino; são sinônimos de expropriação do conteúdo escolar e do trabalho docente com a imposição, comercializada, de apostilas e de metodologias ditas inovadoras. O carro-chefe da política de educação do governo de Dilma, como declarou inúmeras vezes, é o ensino técnico-tecnológico. Este seria o “motor de desenvolvimento do país” e “obra de construção nacional”, na concepção de Unger. Com o PRONATEC o governo cumpriria suas promessas de expansão das escolas técnicas e de ampliação das matrículas em nível médio. Porém, o PRONATEC tem sido sinônimo de cursos profissionais de curta duração e baixo valor tecnológico agregado, voltado para o trabalho simples, denominados de “formação inicial e continuada” para jovens trabalhadores. E para o “jovem aprendiz” o empreendedorismo é apontado como saída do “mundo da violência” e inserção no “mundo do trabalho”[10] – precarizado, é claro. Todos esses cursos de “formação” são ofertados “gratuitamente” pelo Sistema S.  Dos R$551.413.899,65 executados este ano no orçamento da União para o PRONATEC, conforme Portal da Transparência da União, R$518.393.229,30 foram para o Sistema S.[11] Enquanto isso, em dez anos, foram fechadas mais de 32 mil escolas do campo e mais um tanto de turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Enfim, a educação como “obra de construção nacional” e “motor de desenvolvimento” caminha para consolidar a “República das bananas” – ainda que de soja, carnes e minérios e supostamente “modernizada” –; mantêm o caráter subordinado ao grande capital e os sócios menores que são a burguesia plutocrática local. Hoje, porém, com maiores concentrações de terras e de renda[12] e um processo contínuo, porém mais intenso, de expropriação das conquistas dos trabalhadores e de segregação na educação brasileira.

A classe trabalhadora continua amargando a histórica opressão, superexploração, alienação, em meio a iminência de grandes derrotas políticas. No entanto, ela se mostra cada vez mais forte e organizada para essa batalha; é só verificarmos o número de categorias em greve. O mesmo ocorrem com os movimentos em prol da educação pública. Estamos de punhos cerrados contra os saques na educação pública. Não vamos temer “os covardes que se escudam atrás de seus cães de guarda”. 

Não vamos testemunhar a morte da educação pública!




Notas

[1] No início do ano o governo federal anunciou o corte de R$69,9 bilhões do orçamento de 2015. As três pastas que sofreram os maiores cortes foram: Ministério das Cidades – R$17, 23 bilhões; Ministério da Saúde – R$ 11,77 bilhões; Ministério da Educação – R$ 9, 42 bilhões. Disponível: http://glo.bo/1dpv4EM. Acesso: 22/05/2015.
[2] Fonte: Portal da Transparência da União. Disponível: http://bit.ly/1HierBg. Acesso: 26 junho 2015
[3] Ver: FREITAS, Luiz Carlos. Os reformadores educacionais da educação: da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação. Revista Educação & Sociedade. Campinas: Unicamp. v. 33, n. 119, p. 379-404, abr.-jun. 2012.
[4] Documento da Secretaria de Assuntos Estratégicos, sob sua direção: BRASIL. “Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional”. Brasília: SAE, 2015.
[5] UNGER, Mangabeira. A segunda via: presente e futuro do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001.
[6] Documento-carta de pedido de exoneração escrito à mão por Mangabeira Unger destinado ao, então, Presidente Lula ao final de sua gestão anterior na SAE (2007-2009), onde considerou ter colaborado com a indicação do “caminho nacional”. Referenciado como: UNGER, Mangabeira. “Carta programática: Construir o futuro do Brasil”, 2009. Disponível: http://bit.ly/1Idonjr. Acesso: 17 de junho de 2015.
[7] A expressão “vantagem comparativa” insere uma determinada perspectiva teórica na economia, sobretudo aquela que vislumbra a competitividade no mercado internacional, tendo em vista o que cada país tem de melhor em riqueza para trocar no mercado internacional. No nosso caso seriam as riquezas naturais que potencializam o agronegócio (soja, milho, açúcar, etanol e carnes, bem como os minérios), as possibilidades de investimentos em infraestrutura (além dos incentivos fiscais aos investidores externos e mais as altas taxas de juros) e em setores que despontam como grandes possibilidades de mercado, a exemplo da educação, o potencial de consumo da população, dado o aspecto quantitativo, e o perfil da força de trabalho barata, embora pouco qualificada (diferente da Índia, por exemplo). Na carta de 2009, abrir oportunidades de negócios – ampliar as vantagens comparativas – na Amazônia e no nordeste.
[8] FREIRE, Silene & BECHER, Mariela. Entrevista. A ideologia persistente do desenvolvimento. Miriam Limoeiro Cardoso. Revista em Pauta. Faculdade de Serviço Social. UERJ. Rio de Janeiro. Junho de 2013.
[9] Ver: Mais da metade das federais mineiras adiam início das aulas. Seis das 11 instituições federais de ensino superior de minas adiam aulas por atraso em matrículas – UFMG formaliza decisão até amanhã. falta de dinheiro ameaça outras atividades. Disponível: http://bit.ly/1fWCMGW. Acesso: 31 julho de 2015; UFJF suspende semestre letivo para estudantes da graduação Crise financeira e greve de técnicos são motivos, diz Conselho Superior. Aulas do 2º semestre começariam na próxima segunda-feira (3). Disponível: http://glo.bo/1M5byvQ. Acesso: 31 julho de 2015; a Universidade Federal da Bahia teve corte no fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento. Disponível: http://bit.ly/1D3vKer. Acesso: 31 julho de 2015;entre outras.
[10] Conforme reportagem da Revista Exame online: “Pronatec Jovem Aprendiz prevenirá criminalidade, diz Dilma”, em 17 de junho de 2015. Disponível: http://abr.ai/1IE0KC7. Acesso: 19 de junho de 2015.
[11] Fonte: Portal da Transparência da União. Disponível: http://bit.ly/1HierBg. Acesso: 26 junho 2015.
[12] Ver: GONÇALVES, Reinaldo. Desenvolvimento às avessas: verdade, má-fé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento. Rio de Janeiro: LTC, 2013. LEHER, Roberto e MOTTA, Vânia. Capitalismo dependente reserva um futuro hostil para a juventude: educação, precariado, exército industrial de reserva e a irrupção das Jornadas de Junho no Brasil (no prelo).

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