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quinta-feira, 12 de junho de 2014

Alckmin, a Folha e a privatização da USP: vocês estão fazendo isso errado



Mais uma vez a privatização da USP ganha as manchetes de um jornalão de São Paulo; mais uma vez o assunto tem destaque pautado pelos interesses ideológicos e não pela verdade dos fatos; mais uma vez se tenta iludir as pessoas para a ideia que a privatização abrirá as portas ao público e trará justiça social.

Ricardo Alvarez
Desde o nascedouro, os tucanos louvam o livre mercado e idolatram o capital. FHC foi o pai e a mãe das políticas neoliberais aplicadas no Brasil nos anos 90, importadas dos EUA e da Europa ocidental e que acalentavam o sonho de edificar no planeta um único bloco de comércio, sem freios, taxas, tarifas e regulamentações.
A globalização aterrissou nestas paragens acompanhada de acessórios explosivos e timer de contagem regressiva. As privatizações compuseram este quadro, assim como a desregulamentação do mercado de trabalho, a derrubada das barreiras no comércio externo, a abertura ao capital financeiro/especulativo internacional, dentre outras. 
Diziam os louvadores do mantra do livre mercado que tudo que era público não funcionava e, por óbvio, eficientes eram os resultados da produção privada. Passaram a régua em centenas de estatais, venderam como latão empresas que valiam ouro e os capitalistas fizeram suas escolhas nas bacias de ofertas de liquidação da loja Brasil.Uma espoliação de grande porte!
O tempo passou, as privatizações se consolidaram e os efeitos colaterais não tardaram a se aprofundar: fome, miséria, concentração de renda, periferização das cidades, precarização dos empregos e, claro, explosão da violência urbana diante dos abismos sociais abertos.
Áreas de forte interesse social, como saúde e educação, por exemplo, se ressentem de investimento público e a retomada do comando pelo estado. Os investimentos privados provocaram tamanha deformação nestas áreas que faltam médicos no interior e professores doutores escondem a titulação para conseguir emprego nas faculdades privadas. A crise na oferta de serviços públicos de qualidade combinada com o recrudescimento da miserabilidade teve seus reflexos nas urnas.
Pouco afetos aos problemas sociais e bastante sensibilizados em saciar os desejos dos capitais, os tucanos foram apeados do poder central bem antes dos 20 anos previstos pelo guru Sérgio Motta em 1995, no início do primeiro mandato de FHC à frente da presidência da República.
Em 2006 o “bom mocinho” Geraldo Alckmin, tentando dar concretude à profecia de Motta e então candidato à presidente da República, foi bombardeado sumariamente nos debates como legítimo herdeiro das privatizações implantada por FHC. Tentou em vão se esquivar, mas sua candidatura naufragou.
Como governador do estado de São Paulo, Alckmin se oferece aos eleitores como opção novamente, num momento em que a crise do sistema de educação, a violência policial, a crise de abastecimento de água, colocam o projeto da reeleição em xeque. Porém, a "cultura" da privatização continua a ser a lição da cartilha tucana e, neste momento, a USP e outras universidades estaduais paulistas são as vítimas.
Os leitores podem argumentar que a matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo não é a política do governo do estado. É verdade, mas somente com uma dose cavalar de ingenuidade pode-se acreditar que ambos não estão mancomunados em torno da proposta de precarizar a universidade pública e de privatizá-la.
Há uma orquestração combinada de notícias ruins sobre uma das maiores Universidades públicas da América Latina, a USP, além da valorização e superexposição na mídia. Lembremos apenas alguns fatos recentes:
a) Em 2012 a grande mídia deu imensa cobertura aos jovens que foram presos fumando maconha no campus, numa ação desproporcional da polícia e com desdobramentos que envolveu greve, ocupações, cujas reivindicações foram simplesmente esfumaçadas pela grande imprensa. Interessava mostrar a USP e particularmente a Faculdade de Filosofia como um bando de “cheiradores e fumadores” irresponsáveis. Para a grande imprensa, não havia pauta, não havia reivindicações e muito menos uma discussão séria sobre o que acontece na Universidade. Todos viraram foras da lei;
b) Depois, o assassinato trágico de um estudante ao sair do banco. Uma situação lamentável e triste, mas com uma superexploração midiática, que ajudou a justificar a presença mais ostensiva da PM no campus;
c) A publicação sistemática dos rankings em que USP aparece perdendo posições, sem que se discuta o papel e o sentido destes números e o que representam de fato, para a produção do conhecimento. Por exemplo,não dar aulas na graduação em inglês é mesmo importante? 
d) A gestão do reitor anterior, João Grandino Rodas, foi um caos completo. Façam uma busca na internet para observar os destaques. Não poderia ser diferente. Apesar de ser o terceiro colocado na consulta à comunidade, foi escolhido por Serra (então governador), fato este inédito até então. Quem da grande mídia coloca na conta do ex-governador parcela da responsabilidade de ter escolhido um reitor desastre? Resta observar que a gestão calamitosa fazia parte deste processo de debilitação programada, não era simplesmente um caso de incompetência pessoal;
e) A política de abrir cursos pagos, ampliar o poder das fundações privadas, governar distante das práticas democráticas subjugando a participação da comunidade, da criação de cargos sem função e de altos salários, do apadrinhamento e da promoção pessoal, está sendo aplicada há décadas, com maior ou menor grau;
f) O novo reitor vem a público e afirma que há uma crise financeira na universidade. Corta contratações, obras e afirma que os salários consomem toda a receita, como se as contas da universidade fossem totalmente estranhas à sua pessoa. Ironia maior é que o atual reitor Marco Antonio Zago era Pró-Reitor e apareceu na lista dos supersalários recentemente divulgada.
Não é, portanto, extemporâneo que a Folha de S. Paulo publique matéria mostrando que muitos estudantes poderiam pagar mensalidades, caso a USP as cobrasse. Segundo o jornal, 60% estão nesta categoria e estudam de graça.
O raciocínio mais imediato a circular na classe média é: que paguem. Mas o que está em jogo é exatamente a derrubada deste paradigma, o da gratuidade, o que afastaria de vez qualquer chance das pessoas de menor poder aquisitivo de frequentarem seus cursos.
Sob outra ótica se coloca o questionamento do porquê 60% dos estudantes podem pagar. É simples: depois de décadas sem aplicar uma política efetiva de crescimento da oferta de vagas nas públicas estaduais, associada a uma política de precarização da educação básica pública em São Paulo, os vestibulares foram ficando cada vez mais seletivos. O resultado só pode ser a elitização, especialmente nos cursos mais concorridos.
Os tucanos são superprotegidos pela grande mídia paulista e isto não é novidade. O que chama a atenção é a total insensibilidade em dar respostas aos desafios colocados pelas manifestações que se abriram no Brasil a partir de meados do ano passado. Enquanto a massa nas ruas apela por serviços públicos de qualidade, ou seja, mais estado, o tucanato em São Paulo aponta para a privatização da USP, que começa com cobrança de mensalidades. Simples assim.
A turma do palácio dos Bandeirantes acredita que, nas eleições, o escudo dos barões da mídia será suficiente para esconder os graves problemas que os 20 anos da democracia neoliberal acumulou.
A privatização da USP será mais um elemento desta comédia bizarra que será exposta com todas as cores no debate eleitoral. As ruas darão o tom da intensidade da crítica.
Chegou a hora da mudança. A USP precisa sim ratificar sua condição de pública e ampliar seus vínculos com a sociedade. Nada justifica esta ideia de ser picotada e vendida em lotes justamente quando o mundo vive a grave crise da ressaca neoliberal e exige medidas que apontem para um outro caminho.
Ricardo AlvarezGeógrafo, é professor e editor do site Controvérsiawww.controversia.com.br |www.controversia.com.br/blog

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