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domingo, 27 de abril de 2014

Carta Magna global para uma internet livre


140424-Arena2Após aprovação do Marco Civil, Gilberto Gil e o criador da web sustentam, em São Paulo: resgate da democracia, no século 21, exige rede aberta e de todos ...
Por Maurício Ayer* | Fotos: Eduardo Aigner e Hans Georg
Um encontro como este não acontece todos os dias. E a primeira fala proferida soube dar o sentido compartilhado ali por tantos que o assistiram, em presença ou remotamente. “É uma alegria e uma honra estar aqui, pois este é um encontro histórico!” A circunstância explica o teor do que disse Frank La Rue, relator especial da ONU para o direito à liberdade de expressão e opinião, durante a mesa “#WEB25 e uma carta global para a internet”, que encerrou os debates no segundo dia de #ArenaNETmundial.
Todos os olhos naquela Arena brilhavam de alegria depois que o Marco Civil da internet fora aprovado no Congresso no dia anterior, o que tornou o evento verdadeiramente uma festa de proporções planetárias. E não haveria quem discordasse que era uma honra estar ali junto com figuras que foram essenciais para que a Web existisse tal como é. A começar pelo engenheiro britânico Tim Berners-Lee, o inventor da World Wide Web, passando por Demi Getschko, considerado o “pai da internet no Brasil”, Gilberto Gil (que cantou a novidade da Internet em 1996, quando a rede não tinha nem 10 anos ainda e, como ministro da Cultura, tornou-se o principal ativista pela cultura digital no governo brasileiro) e o deputado federal Alessandro Molon, que assumiu a relatoria do Marco Civil da Internet e conduziu o seu caminho na Câmara dos Deputados.
Quem abriu a conversa foi Frank La Rue. Relembrou que em junho de 2011 ele produziu seu primeiro relatório sobre a Internet, em que a defendeu como um recurso essencial para se garantir a liberdade de expressão. “A internet não pode ser um privilégio de uma minoria, pois isso acentuaria a fratura entre os ricos e pobres”, declarou. “Todos os direitos que reconhecemos offline devem valer online”. Agora, a luta tem que ter um foco no acesso: ao conteúdo, sem censura e limitação, mas também o acesso à infraestrutura, à conexão.
Frank indicou três tópicos que mais lhe chamaram a atenção no Brasil. Primeiro, o seu Comitê Gestor da Internet, cuja estrutura multiparcerias é um modelo de inclusão e democracia. Segundo, o movimento todo da sociedade em torno do Marco Civil. Finalmente, o discurso da Dilma no plenário da ONU. “Dilma levou os princípios de governança da Internet do CGI.br e apresentou algo muito simples: que a internet deveria ter um foco em direitos humanos. Disso decorria a necessidade de se garantir a universalidade. Garantir a universalidade significava garantir a diversidade cultural. E para isso precisaríamos garantir a neutralidade. A rede não pode ser feita em função de quaisquer interesses de grupos econômicos ou de países. Ela tem que ser para uso de toda a humanidade.”
Tim Berners-Lee fez sua entrada no debate respondendo a uma pergunta que chegou pelo Twitter: quais os riscos que a falta de uma Carta Magna traz para a internet? “Há toda uma lista de riscos”, salientou Tim. Na verdade, ele se declarou impressionado, pois sempre achou que seria difícil ter tantos políticos interessados na internet. Mas, efetivamente, o caso de espionagem global da NSA acabou demonstrando que os perigos são reais.
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“O perigo é não termos um conjunto de princípios fortes, que garantam que a Internet seja como deve ser. O Brasil iniciou esse processo, mas vai ser muito mais difícil ter essa conversa em outros países”, avaliou Tim. “O que é específico da Internet brasileira no Marco Civil? O que é universal? Então poderemos levar essa discussão internacionalmente.” E finalmente definiu cabalmente: “Eu vejo a Internet como uma coisa não-nacional”.
O mediador da conversa, Ricardo Poppi, Coordenador-Geral de Novas Mídias e outras Linguagens de Participação da Secretaria-Geral da Presidência da República lançou então a pergunta a Gilberto Gil: “você foi considerado um visionário ao defender a Internet e a cultura digital dentro do governo brasileiro. O que tem a dizer sobre isso?”
“Eu talvez tenha sido um visionário”, refletiu Gil, “não por saber tudo sobre a Internet, mas porque, como poucos, eu admitia que não entendia nada! Então tive que buscar, com toda generosidade, esse conhecimento. E trouxe para dentro do governo essas questões, esse debate”, reconheceu Gil. “E tudo isso começou lá atrás, com o governo Lula, que estimulou o surgimento de um Marco Civil”.
Alessandro Molon destacou o papel dos membros da mesa na construção do Marco Civil. Tim Berners-Lee, por exemplo, acompanhou de perto todo o processo e deu declarações fundamentais em momentos importantes, manifestando o seu apoio à lei e mostrando a todos o quanto ela colocava o Brasil na vanguarda do movimento por uma Internet livre.
Sobre Gil, Molon recordou que ele foi o grande incentivador da cultura digital no governo federal, e que, para a elaboração do texto da lei, o Ministério da Justiça utilizou uma plataforma de colaboração desenvolvida pelo Ministério da Cultura. Já Demi Getschko foi, segundo Molon, o grande professor. Como membro honorário do CGI.br, foi ele que esclareceu os congressistas quanto às muitas questões técnicas e humanísticas envolvidas no Marco Civil, permitindo que tivessem uma compreensão mais clara do seu verdadeiro significado.
Molon arrancou um entusiástico aplauso do público ao mencionar a necessidade de se lutar por políticas que estimulem a cultura do software livre. E finalizou dizendo que “foi um longo caminho para chegarmos até aqui, mas devemos entender o Marco Civil como um primeiro passo para a Internet que queremos”.
Na condição de iniciador dessa história no Brasil, Demi Getschko tem toda a autoridade para iniciar sua fala afirmando: “Todos nos surpreendemos com o que a internet trouxe para nós”. E não foram poucas as rupturas que ancoraram a existência da Internet. “Ela é basicamente uma rede em que todos concordam em trocar informações. Pois para ela existir todos decidem usar o mesmo protocolo.” Outra ruptura fundamental é a ausência de barreiras entre países.
Demi destacou a capacidade da Internet em se defender a si própria. Por exemplo, a censura, quando ela surge, é identificada como um problema e rapidamente a rede busca soluções para se desviar desse problema. Isso em todo caso, não nos isenta da necessidade de protegê-la contra os ataques que possam surgir, e é nesse sentido que vem o Marco Civil.
“O consenso não é a unanimidade. 80% concordam, 10% têm ressalvas, e outros 10% discordam, mas acham que não vão morrer se aquela decisão for tomada dessa forma. Então o consenso é uma decisão contra a qual não há uma oposição forte demais”.
Hackeando o debate
Emocionante pelo seu significado, rica e interessante por seu conteúdo, essa mesa de diálogo não poderia passar impune num mundo hacker. Foi também hackeada de dentro e de fora. Primeiro, com uma participação remota direto do Rio de Janeiro: Anápuáka Muniz Tupinambá Hã-hã-hãe infiltrou na pauta o debate sobre a diversidade cultural e a possibilidade de hackear como um meio de encontrar caminhos para a reinvenção de culturas, buscar meios de inclusão, pela resistência ou pela afirmação. E concluiu afirmando que “uma internet que não é livre não permite que a gente seja livre”.
A seguir, Renata Ávila, da fundação WebWeWant pediu para fazer uma fala, e acabou subindo ao palco e juntando-se à mesa. “Como não tinha mulher nesta mesa, eu posso capturar o microfone e ocupar o espaço. Acho que a gente deve fazer sempre isso”. Sob aplausos, ela chamou sua parceira de de fundação, Anne Jellema, para reforçar a bancada feminina.
“O que acontece aqui no Brasil é um verdadeiro milagre de participação”, avaliou Renata. “É incrível que as pessoas estejam conversando com o governo e construindo essa história.” Ela chamou a atenção ao fato de que neste momento, no México, as pessoas estão indo para a rua para combater um projeto de lei que pretende ser extremamente cerceador das liberdades na Internet e que o exemplo brasileiro pode ter um impacto importante na luta mexicana.
A discussão foi novamente hackeada, agora pela ativista nigeriana Nnenna Nwakanma, que também tomou assento no palco. “Essa é minha casa. Não vou falar para governos, vou falar para a minha gente!”, disse, plena de alegria.
“Por que Magna Carta é importante?”, perguntou Nnenna. E respondeu: “Porque Marco Civil não é suficiente. Ele é ótimo para o Brasil, mas o Brasil não está sozinho!” Segundo ela, o Marco Civil é “jogo em casa”, agora é preciso jogar o jogo internacional.
Sobrou para Demi dar as palavras finais. “É muito importante saber escutar as críticas que somam, que vêm com o objetivo de tornar a Internet melhor. Mas também existem as críticas que são destrutivas, baseadas em mentiras e cujo único objetivo é desviar-nos do nosso verdadeiro objetivo. Então, não podemos cair numa armadilha e ser pegos por uma crítica de viés. Senão a gente nem percebe e quando se dá conta está jogando o jogo errado.”
* Publicado originalmente no site Participa.br

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