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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Ser como eles – mas seletivamente…


130925_mobilidade urbana


Acostumadas a copiar modelos estrangeiros, elites brasileiras poderiam, ao menos, mirar Europa aceitando inovação e superioridade do transporte coletivo

Por Celso Vicenzi

Incorporamos o fracasso. Séculos de maus-tratos à população dão-nos a sensação de que as facilidades da vida cotidiana conquistadas por outras sociedades, sobretudo na Europa, mas também em outros continentes, estão fora do alcance dos brasileiros. Aceitamos uma cidadania capenga, desfigurada, de segunda mão.
Em Florianópolis, uma ilha com três pontes e uma quarta sendo anunciada, com crônicos problemas de mobilidade urbana, soa estranho cada vez que algum especialista – brasileiro ou estrangeiro – sugere soluções combinadas de transporte rodoviário, marítimo e ferroviário – sobretudo este último. Os chamados VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), por exemplo, uma entre tantas possibilidades que demoramos a adotar, reduziriam substancialmente nossos problemas.
Descontadas as características individuais, o que acontece em Florianópolis não difere do que se passa em outras médias ou grandes cidades. Cada vez que se propõe o uso de trens elétricos de superfície ou veículos em trilhos ou monotrilhos há uma sensação de espanto no ar. “Isso é irreal”, ouve-se, com frequência, de uma população acostumada a tantas deficiências. “É muito caro”, antecipam autoridades ignorantes ou de má-fé e gestores que nunca souberam ou quiseram fazer direito as contas.
Quanto custam uma cidade e uma população paralisadas? Trabalhadores que gastam horas engarrafados no trânsito? Pessoas que desistem, muitas vezes, de se locomover a uma determinada área da cidade porque sabem o quanto de sacrifício isso exige? Sem falar na poluição – atmosférica e sonora. E os acidentes? Os feridos, os mortos? Quanto custa acostumar uma população a se deslocar em ônibus precários e superlotados, de forma desumana, como se isso não contribuísse, com o passar do tempo, para desumanizar todas as relações na sociedade?
O Brasil copia ou reinventa quase tudo dos países mais ricos – o way of life –, mas não é capaz de incorporar modelos de mobilidade que interligam todos os modais de transportes, inclusive ciclovias. Em vários países é possível alternar diferentes meios: ir de bicicleta até uma estação de trem e continuar a viagem sobre trilhos; intercalar ônibus, trem e metrô. Não é preciso – nem faz sentido – usar o mesmo tipo de transporte do começo ao fim do deslocamento. As soluções precisam ser integradas.
Em vários países compram-se passagens para trens, metrôs e outros modais em praticamente todas as plataformas de embarque e desembarque. Em muitas delas de forma automática, operada pelo próprio usuário. Em todas as plataformas – inclusive ferroviárias – não faltam informações sobre os destinos dos ônibus que trafegam por ali.
E tudo é pensado em termos de custo-benefício: quem compra bilhetes para um ou dois dias paga mais caro do que quem adquire passes para uma semana, mês ou ano, por exemplo. Os custos são progressivos, em círculos, a partir da área central até os pontos mais distantes servidos pelo transporte urbano. No Brasil, os critérios não têm a mesma clareza. Muito menos as facilidades para operar. Faltam transparência e informações aos usuários, tratados como cidadãos de segunda mão.
Para que tirar o carro da garagem – para quem o tem – no deslocamento diário pela cidade ou entre cidades, quando é possível fazê-lo de modo muito mais tranquilo, rápido e econômico por transporte coletivo? Ao longo dos anos, o custo-benefício mostra-se amplamente compensador, tanto que é adotado por cidades de médio e grande porte.
No Brasil, uma entre as dez maiores economias do planeta, o custo não pode ser a eterna desculpa. A menos que sejam os custos da ignorância, da corrupção e da má gestão.

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