Não se assuste por favor com alguns números, pois não são
complicados.
Trata-se mais ou menos das mesmas contas que fazemos em
casa, só que alguns zeros a mais. Mas a lógica é a mesma, não há muito
mistério.
O PIB do Brasil é, arredondando, de 5 trilhões de reais.
O que
significa que para aumentarmos o PIB em 1%, precisamos aumentá-lo em 50
bilhões.
Como somos 200 milhões de brasileiros, isto significa que
produzimos algo como 25 mil reais por ano por pessoa, cerca de 2.100
reais por mês.
Ou seja, com o que produzimos hoje podemos viver com
cerca de 8.400 reais por mês por família de 4 pessoas.
Em outros termos,
o que produzimos hoje dá para todos vivermos de maneira digna e
confortável.
Por quê então tanta gente pobre?
Naturalmente porque há uma imensa
concentração de renda (o que ganhamos a cada ano), e de patrimônio
(casa, carro, aplicações financeiras e outras formas de acumulação de
riqueza). Basicamente, o 1% das famílias mais ricas detém dois terços da
riqueza acumulada no país. E os 10% mais ricos recebem anualmente quase
a metade da renda, que transformam em mais patrimônio. Este mecanismo
gerador de desigualdade constitui o principal desafio que temos pela
frente.
A partir de 2003, gerou-se uma política econômica inovadora, no
sentido de um mecanismo bem comprovado na economia: ao se redistribuir a
renda, aumentando os salários, os empregos formais, a cobertura da
previdência, o acesso à eletricidade e generalizando o bolsa família
para as faixas mais pobres, aumentou-se o consumo do andar de baixo da
sociedade, o que por sua vez estimulou os produtores de bens e serviços,
resultando numa dinâmica de desenvolvimento da economia e de geração de
empregos. Quase 40 milhões de pessoas saíram da miséria. Melhor para a
sociedade, melhor para a economia.
Mas o processo gerou os seus aproveitadores. Milhões de pessoas
passaram a comprar, por exemplo, a sua primeira geladeira, a televisão e
outros bens e serviços. Como passaram a ter mais renda, mas a partir de
um patamar muito baixo, são pessoas que iriam comprar a prazo, buscando
a prestação que “cabe no bolso”. Aproveitando a ocasião e o pouco
conhecimento do mecanismo de juros por parte da população, grandes
intermediários financeiros passaram a enxugar esta nova capacidade de
compra, travando o processo.
Vejam o exemplo prático de uma casa que tem total dedicação a você:
ao aplicar uma taxa de juros de 100%, apropriam-se de metade do valor da
compra, sem ter produzido nada. Um produto que seria vendido a 600
reais a vista exige um desembolso efetivo, somando as prestações, de
1200 reais. Sem ter produzido nada, além de esperar o cliente e entregar
o produto. A família compra pouco no total do ano, mas se endivida
muito.
Estão facilitando? Sem dúvida, pois a família não teria como pagar a
vista. Mas precisa cobrar 100%, ganhando muito mais inclusive de quem
produziu o produto, o empresário produtor? Nada como comparar as coisas.
A rede MediaMarkt que se estende por toda Europa, com produtos
semelhantes ao exemplo brasileiro, cobra cerca de 13% ao ano numa compra
a prazo. Ou seja, um produto de 600 euros, por exemplo, é vendido a
prazo, em 18 meses, por um valor total de 699,38 euros, com 18
prestações de 38,85 euros. Arredondando, 700 euros, e não 1200. E estão
ganhando bem. Os ganhos com juros dos crediários no Brasil estão gerando
bilionários, mas absorvem a capacidade de compra da população, e travam
a economia, pois nem a família pode comprar muito, nem o produtor pode
investir mais.
Aqui, vimos os juros dos crediários. Se acrescentarmos o cartão de
crédito (238% ao ano contra cerca de 16% ao ano nos EUA), o cheque
especial na faixa de 160%, o crédito para pessoa física, o crédito para
pessoa jurídica e outros números semelhantes, no conjunto temos uma
imensa sangria da economia através dos juros, que a maioria das pessoas
não entende. Inclusive, para confundir, apresenta-se o juro mensal
porque as pessoas não sabem calcular o juro efetivo anual.
O resultado prático é que todo o esforço de se dinamizar a economia
brasileira pela base, pelo consumo de massa, restabelecendo um mínimo de
justiça econômica e social, está sendo travado pela captação, por
intermediários que não produzem nada, mas enriquecem de maneira
impressionante. Basta considerar que o crédito representa quase 60% do
PIB no Brasil, para se ter ideia da dimensão do entrave.
E assim temos um PIB travado, mas uma taxa de emprego muito alta.
Porque os brasileiros estão trabalhando muito, mas o resultado é drenado
por intermediários financeiros que em vez de fomentar investimentos,
aplicam na dívida pública, sendo remunerados pela taxa Selic, ou em
paraísos fiscais no exterior, e neste caso não só não estão fomentando a
economia, como se colocam ao abrigo dos impostos que deveriam pagar,
como é o caso por exemplo do Itaú e do Bradesco com as suas contas em
Luxemburgo.
Resumindo, trata-se aqui de um dos principais mecanismos econômicos, e
que explica grande parte da redução da dinâmica econômica. Na versão da
mídia, trata-se de um excesso de gastos do governo. Na versão real,
trata-se da praga da financeirização da economia que está travando não
só o Brasil como grande parte da economia mundial.
O texto anexo tem 10 páginas, não mata ninguém, não faz contas mais
complicadas do que os que toda dona de casa faz para equilibrar o
orçamento familiar. Como se trata do nosso dinheiro, das nossas contas
públicas, e como temos de assegurar que o país funcione, da mesma forma
com que tomamos conta do dinheiro da nossa família, é importante que
você entenda o mecanismo. E passe a pressionar para que economia volte a
funcionar de maneira equilibrada. Tem de ser bem remunerado quem
contribui para a economia do país, e não quem vive cobrando pedágio
sobre o trabalho dos outros.
Ladilau Dowbor é professor
titular do departamento de pós-graduação em economia e adminitração da
PUC – São Paulo. Dutorou-se em Lausanne na Suiça e em Varsóvia na
Polônia. É um conselheiro apreciado em muitas instituições nacionais e
internacionais como a ONU. É autor de uns 40 livros e inumeráveis
artigos. Dos livros ressalto “A formação do capialismo brasileiro”,
Brasiliense 2010 e “Democracia econômica”Vozes 2008. Publico este
artigo, por ser orientador em questões econômicas que tem a ver também
com o cotidiano de nossas vidas. Não deixem de consultar seu artigo mais
longo ,mas muito esclarecedor.
http://dowbor.org/2014/12/ladislau-dowbor-o-sistema-financeiro-atual-trava-o-desenvolvimento-economico-do-pais-setembro-2014-11p.html/
Visitem também a rica “biblioteca científica virtual”, cujo link é http://dowbor.org
e-mail do autor: ldowbor@gmail.com
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