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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A mobilização social, o cinegrafista e as artimanhas da direita



A massa foi para as ruas em 2013 e a elite se assustou. Passados alguns meses, com a poeira baixa, mas às vésperas de eventos nacionais que prometem aumentar a fervura do caldo das reivindicações - as eleições gerais no segundo semestre e a Copa do Mundo em junho-, a expectativa é de gente nas ruas, brilho nos olhos e vontade de mudar. E a direita nacional está ouriçada...
Junho de 2013 foi emblemático na história política nacional. A explosão repentina das manifestações de rua depois de décadas de relativa calmaria, a redução dos R$ 0,20 centavos nas passagens de ônibus como motivo detonador, o também relativo distanciamento dos órgãos clássicos representativos da sociedade, como sindicatos, centrais sindicais, partidos políticos, etc. enfim, uma nova disposição política tomava corpo no cenário nacional.

A primeira e esperada reação da grande mídia foi de condenação. Destaque para os estragos nas lojas e bens públicos, gritaria nervosa dos comentaristas e repúdio aos manifestantes. Até o governo, mais acostumado a este ambiente, deu seu recado de reprovação.

Ambos recuaram ao perceberem a profundidade das questões que envolviam os protestos que ganhavam as ruas do Brasil, turbinados por décadas de confinamento, segregação social, distanciamento das decisões políticas centrais e carente de serviços públicos de qualidade. Até cidades médias e pequenas - normalmente mais distantes destas mobilizações que tem as grandes cidades como espaço privilegiado -, foram tomadas por gente nas ruas cantando palavras de ordem.

A velha e persistente luta de classes se fazia sentir para uma geração que não sabia direito o que era se mobilizar em favor de seus próprios interesses. O distanciamento dos partidos políticos mais velhos e estruturados e de pautas mais ou menos definidas criou uma sopa de reivindicações, justas e necessárias, diga-se de passagem, em sua grande maioria.

Diante do cenário que se configurava a disputa das mobilizações, sua pauta, calendário, liderança e tarefas estavam a plenos pulmões. Evidente que a direita, historicamente distante das camadas populares, tinha maior dificuldade em dar a linha, o que se tentou (e tenta) insistentemente via grande mídia. O caso do Jabor foi bisonho: atacou ferozmente para apenas dias depois tecer graciosos elogios ao povo na rua.

Destaque-se que a grande mídia diante de uma moldura política de septicemia ideológica e burocratização dos partidos mais robustos, da carência de líderes políticos nacionais que servissem de referência aos movimentos, diante do esfacelamento programático e estrutural que acomete o PSDB, além do crescimento do fisiologismo e da corrupção, acabou por se colocar na condição de representante da sociedade, fazendo às vezes do partido da direita, buscando aglutinar segmentos da sociedade em defesa de bandeiras que interessam à reprodução do capital.

Isto pode ser observado pela condução raivosa do mensalão e pela maciez com que trata os escândalos tucanos, em especial os de Minas Gerais e de São Paulo, tão grotescos e maledicentes quanto o outro. Em suma, o grande partido da direita no Brasil hoje é a grande mídia, e a revista Veja busca disputar a condição de rainha neste carnaval de horrores.

E os Black Blocks aparecem

No transcorrer do ano a violência policial aconteceu sem tréguas, ora mais incidente, ora menos, mas com a virulência de sempre. A resposta veio na forma de grupos de enfrentamento. O terreno era propicio, uma vez que os movimentos caminhavam com certa autonomia, alheio a líderes de expressão e representatividade nacionais e que extravasavam um ódio contido de décadas em resposta a viver mal, ganhar pouco, trabalhar muito e carente de serviços básicos de qualidade.

O quebrar tem este sentido: o de descontar em algo os problemas com os quais as pessoas de menor poder aquisitivo tropicam todo o dia. Não se trata de defender ou atacar, mas de entender.

Quebradeiras e destruições eram largamente utilizadas como condenação das mobilizações. Os mais incautos bradavam que protestar sim, mas sem violência.  Diria que é impossível, na prática, o pacifismo, pela conjuntura que trouxe a turba às ruas. A crítica mais consistente aos Black Blocks vem da preocupação com o movimento como um todo, a partir da constatação que ações particularizadas tinham um efeito negativo sobre o coletivo muito significativo, além da constatação óbvia de que a luta tem um sentido reivindicatório e os meios para alcançar os objetivos não passam pela destruição, ao contrário, a discussão suscita a compreensão de que aquilo foi construído pelos trabalhadores, mas é privado. Um bom debate.

A rigor a massa apoiava as mobilizações mesmo com a insistente campanha contrária da grande mídia e mesmo que alguns atos mais violentos ocorressem. José Datena que o diga.

O advogado dos milicianos vira vestal

Eis que na esteira da mobilização um trabalhador cinegrafista acaba morrendo atingido por um rojão no Rio de Janeiro, quando da cobertura dos protestos contra a Copa do Mundo. O episódio, lamentável e condenável sob todos os aspectos, ganhou notoriedade no mundo da política pelos seus desdobramentos.
Um advogado ilustre desconhecido faz a defesa do garoto acusado de acender o rojão que causou a morte do cinegrafista e aproveita seus minutos de fama para disparar contra as mobilizações. Seu discurso é velho e conhecido, mas foi tomado pela grande mídia como novo e original: gente profissionalizada paga protestante para provocar quebradeira e criar confusão.

O Sr. Jonas Tadeu é tratado pela grande mídia como um simples defensor de um jovem assustado e no exercício de sua profissão. As atenções às suas palavras o colocam numa posição de independência e autonomia critica com relação à sociedade. Mas não é. Ele é um reacionário com pedigree e certificado. Seu perfil no facebook tem postagens de ódios contra Fidel Castro e Che Guevara, colou ainda uma foto acompanhada de um pensamento do indefectível Roberto Campos (mentor da direita raivosa) e curte as ideias de Lobão.

Sua denúncia de que partidos estão envolvidos em violência e na manutenção de esquemas de profissionalização de manifestantes cai como luva numa mídia que projeta 2014 e teme até a raiz com a presença do povo nas ruas. Seu papel está definido e ele o está cumprindo com talento. No site UOL acabo de ler “Suspeito ganhou R$ 150 para promover confusão no protesto, diz advogado”.  O jornal O Globo está espumando e o alvo é claro: combater os movimentos sociais e suas reivindicações.

O que a grande mídia não revela é que o Sr. Jonas Tadeu foi advogado do ex-deputado estadual Natalino José Guimarães, acusado de chefiar uma milícia do Rio de Janeiro. O presidente da CPI que cassou o mandato do deputado e colocou dezenas na cadeia, deputado Marcelo Freixo do Psol-RJ, esta sendo acusado de ter ligações com os responsáveis pela morte do cinegrafista. Diz o advogado ao fazer a acusação: “Eu ouvi que os dois rapazes são conhecidos do Marcelo Freixo”, no jornal O Globo. Está é a acusação.

A credibilidade deste Sr. é simplesmente zero neste caso, mas a grande mídia multiplica o volume de sua fala com alvos definidos: no atacado incriminar as manifestações e a esquerda autêntica e no varejo destruir a figura de Marcelo Freixo que fez grande votação na disputa no Rio de Janeiro nas últimas eleições para prefeito. E não é novidade para ninguém: a Rede Globo trata o Rio de Janeiro como extensão de sua sede. E também não podemos nos esquecer de que esta emissora gastou muitos milhões e espera apetitoso retorno com a Copa do Mundo. 

O que fica muito claro é a utilização da tragédia ocorrida com o cinegrafista para disparar rojões de grosso calibre na possibilidade de ganho de consciência das massas exploradas. A operação de descrédito das mobilizações está em pleno curso.

Veja o que postou Marcelo Freixo em seu perfil no Facebook: “Eis a peça que faltava no quebra cabeça destas acusações absurdas. Natalino foi preso em 2008 graças às investigações da CPI das Milícias, presidida por mim na Assembleia Legislativa. À época, mais de 200 pessoas, entre elas várias autoridades, foram indiciadas. Natalino e seu irmão, Jerominho, que dividiam o poder, cumprem pena em presídios federais.” Bingo, precisa mais?

Não podemos deixar contaminar nossa opinião sobre o momento que o Brasil vive apoiar Leis Antiterrorismo e outras bobagens afins, em função da tragédia ocorrida com o cinegrafista Santiago Andrade, morto de forma estúpida e cujo crime deve ser desvendado e seus culpados devem pagar pelo que fizeram.

A luta por um outro Brasil é possível e necessária e ela passa obrigatoriamente pela presença do povo na rua, organizado, com pautas definidas e distante da direita, cujo propósito é viabilizar o capitalismo, a exploração e os negócios da Copa do Mundo.

Ricardo Alvarez
Geógrafo, é professor e editor do site Controvérsia

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