Por Deborah Ouchana, na Revista Educação
No caminho de volta da escola, um garoto olha para o pequeno lápis
que está em suas mãos, já gasto pelo tempo de uso, e pensa: “eu preciso
de um lápis melhor; se eu jogar esse fora, meu avô pode me dar um
novo”.
Ao chegar em casa, no entanto, o avô responde ao seu pedido com
uma série de perguntas, entre as quais “como o lápis tinha ficado
pequeno?” e “por que ele tinha jogado o material fora?”. Em seguida,
fala para o jovem estudante procurar o lápis e trazê-lo de volta.
Décadas depois, já com 78 anos, Arun Gandhi se lembra da lição que
aprendeu naquele dia com seu avô, o líder pacifista indiano Mahatma
Gandhi. Mesmo a confecção de algo tão simples como um lápis exige o uso
de recursos naturais, e o desperdício é uma violência contra a
sociedade.
A história acima foi contada pelo próprio Arun Gandhi a um grupo de
jovens e educadores de São Miguel Paulista, na zona leste da capital
paulista, em um diálogo promovido pelo Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), pela Fundação Tide
Setubal e pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), cujo tema
foi “Educar para a não violência e a sustentabilidade: é possível?”. O
ativista dá continuidade ao trabalho de seu avô por meio da fundação
Gandhi Worldwide Education Institute, organização que busca a
transformação social por meio da educação.
Nascido na África do Sul, Arun sofreu com a discriminação racial que
oprimia e segregava milhares de pessoas no país. “Eu era agredido pelos
brancos por ter a pele muito escura, ao mesmo tempo em que era
hostilizado pelos negros por ter a pele muito clara”, conta. Certo dia,
seu avô sugeriu que ele montasse uma árvore genealógica da violência.
Ele deveria analisar suas atitudes e as das pessoas com quem convivia,
dividindo-as entre violência física e violência passiva. Aos poucos, ele
percebeu que o ramo da violência passiva era o que mais crescia.
Silêncios do medo
Discriminação, provocações e xingamentos são atos que se enquadram nesse tipo de violência e que permeiam o cotidiano da maioria dos educadores e estudantes presentes no encontro. O termo da moda, o bullying, não se encaixa aqui. Não se trata apenas de uma criança cometendo um ato de violência contra a outra, mas sim de um grupo de jovens que enfrenta, no seu dia a dia, situações adversas, como a falta de acesso a recursos básicos.
Discriminação, provocações e xingamentos são atos que se enquadram nesse tipo de violência e que permeiam o cotidiano da maioria dos educadores e estudantes presentes no encontro. O termo da moda, o bullying, não se encaixa aqui. Não se trata apenas de uma criança cometendo um ato de violência contra a outra, mas sim de um grupo de jovens que enfrenta, no seu dia a dia, situações adversas, como a falta de acesso a recursos básicos.
Os educadores presentes no debate foram convidados a refletir sobre a
fala de Arun Gandhi e a partir dela formular respostas para a violência
na escola. Para Joseli Perezine, coordenadora pedagógica da EMEF
Armando Cridey Righetti, a escola onde trabalha é um centro de violência
passiva. “Vemos muitas crianças sendo silenciadas pelo medo. Nós
educadores, como agentes de transformação, temos de pensar estratégias
para que os alunos reconheçam a violência e falem sobre ela”, diz.
A coordenadora ressalta, entretanto, que a resposta do professor não é
sempre serena e reflexiva. Alguns deles preferem mudar de escola para
não ter de lidar com as situações de violência. Para combater esse
problema, a escola criou o projeto Além dos muros da escola, cujo
objetivo é levar os professores à casa dos alunos para conhecer e
entender o contexto em que eles vivem, além de articular ações conjuntas
entre a família e a escola.
O encontro teve um significado especial para as coordenadoras
pedagógicas Marli Viana e Maria Cristina Antoniak, da EMEF José Honório
Rodrigues. “Nós temos alguns alunos que tiveram ocorrências sérias de
violência contra professores e colegas e hoje estão aqui representando
muito bem a escola”, conta Marli. Acompanhadas de 20 de jovens do ensino
fundamental II, as professoras ouviram emocionadas o aluno Alexandre
Almeida Lima, do 6° ano, ler a frase elaborada pelo grupo: “devemos
praticar a não violência e respeitar o próximo como a si mesmo”. O
estudante Juan dos Santos Amador conta que as brigas na escola são
constantes, mas garante que aprendeu a lição: a violência não leva a
nada.
Apesar de reconhecer a importância da educação formal, Gandhi
considera que a família tem papel fundamental não só na formação pessoal
das crianças, mas também na formação profissional. Sua instituição se
baseia em um provérbio que diz “é preciso uma aldeia para educar uma
criança”. A partir dessa premissa, seus projetos incluem a participação e
o envolvimento das famílias e de toda a comunidade. Em sua fala final, o
ativista afirmou enfático: “a educação não começa nem termina na
escola; ela é um processo contínuo na vida que acontece por meio de
nossas experiências e interações sociais”.
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