Num projeto jornalístico financiado por “crowdfunding”, Natália
Garcia volta a viajar o mundo para encontrar caminhos que transformem a
vida urbana
Por Gabriela Leite
Enquanto Brasília era inaugurada, nos anos 60, com suas enormes
avenidas, superquadras e prédios monumentais, seguindo moldes do
urbanismo e arquitetura modernistas, um primeiro passo era dado, na
direção contrária, no Velho Continente. Em Copenhage, capital da
Dinamarca, a prefeitura transformou, em 1962, uma grande rua comercial,
chamada Strøget, em um calçadão apenas para pedestres. A reação inicial
foi de grande crítica, mas com o tempo, comerciantes e habitantes
passaram a perceber os benefícios obtidos. Esse foi apenas o começo de
uma grande mudança que hoje exibe números impressionantes: 89% dos
cidadãos se dizem satisfeitos com a cidade e 35% dos habitantes usa a bicicleta como meio de transporte em seu dia-a-dia.
E como podemos fazer nossas cidades serem mais humanas, também no
Brasil? À procura de respostas, a jornalista paulistana Natália Garcia,
estudiosa do assunto, criou o projeto Cidades para Pessoas.
No próximo 20 de setembro, ela e a ilustradora Juliana Russo embarcam
para uma viagem em busca de projetos urbanísticos e ideias inovadoras
que tornem as cidades mais habitáveis e humanas. San Francisco,
Portland, Nova York (nos EUA), Cidade do México e Barcelona (Espanha)
fazem parte da viagem — a segunda que o projeto realiza. Os lugares
percorridos têm uma característica comum: passaram por reurbanizações
relativamente recentes.São cidades que
cresceram muito após a Segunda Guerra e, como São Paulo,
desenvolveram-se a partir de um modelo guiado pela grande popularização
dos automóveis. Lá, Natália e Juliana irão atrás de projetos de
economia criativa, mobilidade e novos modelos de urbanismo. É o caso do
distrito 22@, antigo bairro de operários que foi reurbanizado em Barcelona; a Critical Mass, exemplo de manifestação popular em busca de melhores condições para o trânsito, em São Francisco; ou o High Line, parque suspenso que foi construído no lugar de uma antiga linha de trem em Manhattan.
Cidades para Pessoas inspira-se no urbanista dinamarquês Jan Gehl,
autor do livro que dá nome ao projeto. Ele foi dividido em três fases. A
primeira começou em 2011, financiada colaborativamente por 285 pessoas,
também pelo Catarse. Ao conseguir pouco mais de 25 mil reais, Natália
embarcou em uma viagem para sete cidades europeias que tiveram projetos
assinados por Gehl. Foram elas: Amsterdã, Copenhague, Londres, Paris, Lyon, Friburgo e Estrasburgo.
Nesta viagem, a jornalista observou e relatou boas características
que tornam as cidade mais humanas. Algumas delas: a sinalização nas
ruas, que não é feita apenas para os carros, mas também para pedestres e
bicicletas poderem se locomover facilmente; a possibilidade de nadar nos rios e canais; a imensa quantidade de parques; a facilidade de locomoção utilizando transporte público.
Nas grandes cidades da Europa Ocidental, considera Natália, as
sociedades conquistaram importantes graus de transparência sobre a
gestão urbana. Em Paris, por exemplo, nos arrondissements – os
vinte grandes setores em que a cidade é dividida — subprefeituras.
funcionam efetivamente e têm espaços de participação popular,
estabelecendo uma distância menor entre os cidadãos e o poder local. Em
uma cidade grande, este é um fator que facilita muito as mudanças e
melhoras locais. Outro aspecto é que, ao contrário do que costuma
acontecer no Brasil, há metas e planos de longo prazo, que não podem ser
substituídos a cada troca de prefeito. A sociedade, que participa de
sua formulação, compromete-se com eles; e cobra ativamente sua
concretização.
Mas os europeus carregam uma cultura clássica e extremamente formal,
tendem a seguir as regras estritamente e têm dificuldade em lidar com o
que está fora das normas. Como adaptar isso a cidades latino-americanas,
que costumam ter boa parte de sua população vivendo informalmente? Em
especial no Brasil, que tem uma cultura reconhecidamente aberta,
múltipla e flexível, não é possível basear-se no modelo europeu
ocidental. Foi por isso que a pesquisa do Cidades para Pessoas não se
restringiu a esta tradição. Enquanto a primeira do projeto tratou do
planejamento e urbanismo clássicos, a segunda abordará os novos
paradigmas das cidades do futuro.
Uma terceira e última etapa baseia-se exatamente na informalidade, na
lógica do improviso e da criatividade. Ela começará no primeiro
semestre de 2013 e as viagens, dessa vez, serão para lugares do
Hemisfério Sul. Em países como Gana, Quênia, Índia, Butão, Coreia do Sul
e Austrália, Natália e Juliana irão deparar-se com o improviso e a
criatividade na solução de problemas urbanos. Natália destaca que não é
possível levar em conta apenas a lógica formal, em cidades nas quais a
informalidade é tão presente. “Aqui serão estudados projetos como a
revitalização do centro de Melbourne, que teve a massiva presença dos
artistas plásticos locais; o projeto de despoluição de um rio central em
Seul; a política de Felicidade Interna Bruta de Thimphu, no Butão; a
relação urbanística e religiosa que se tem com o rio Ganges, em
Rishikesh; a favela Kibera mapeada colaborativamente por moradores
locais, em Nairobi, e os projetos de agricultura urbana feitos apenas
por camponeses do entorno de Acra, em Gana (que abastecem quase 100% de
frutas e vegetais da cidade).”
O resultado final, após as três viagens, será um livro, além de
vídeos e do site, que será alimentado diariamente com desenhos e textos.
No livro, haverá também algo como um diário de viagem, com impressões e
dicas para viajantes que querem conhecer os lugares gastando pouco.
No novo esforço de levantamento de fundos aberto e coletivo, via
Catarse, o Cidades para Pessoas está arrecadando espera arrecadar 15 mil
reais em doações em um mês. Oferecerão aos doadores, além do prazer de
participar de um projeto voltado à transformação social, recompensas
como cartazes, adesivos, um guia de dicas de viagem e até o livro que
será escrito no fim da viagem. Para contribuir e saber mais, o link está aqui.
Não há apenas uma solução para que as cidades sejam melhores para
pessoas, explica Natália. Não é possível que acreditemos que só o metrô é
a solução para o trânsito, assim como não há apenas um caminho para
reduzir o lixo ou para a ocupação do solo. Por isso, as viagens do
Cidades para Pessoas são tão necessárias.
Sua equipe completa é formada, além de Natália e Juliana, pela
designer Marina Chevrand a jornalista Ana Catarina Pinheiro. Em sintonia
com os objetivos éticos e o trabalho editorial do projeto, Outras Palavras começa a republicar uma seleção de textos do site do projeto. O primeiro já está aqui.
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