Julgamento
do Mensalão. Entrevista concedida por Wálter Fanganiello Maierovitch,
65 anos, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo
CartaCapital: Ao
menos o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, um dos advogados de defesa,
informou que pretende arguir a incompetência do Supremo para julgar os
réus não alcançados pelo foro privilegiado. Dos 38 acusados, 35 estariam
nesta condição. Quais as chances da estratégia dar certo? Não há o
precedente do Valerioduto mineiro?
Walter
Fanganiello Maierovitch: A tese jurídica de Thomaz Bastos foi rechaçada
pelo ministro-relator Joaquim Barbosa, mas não foi examinada pelos
outros dez ministros da Corte. Para o advogado, apenas os três deputados
federais acusados, Valdemar Costa Neto, Pedro Henry e João Paulo Cunha,
possuem foro privilegiado justificado, segundo a lei, pela prerrogativa
de função. No caso de colar a tese de Thomaz Bastos, e existem
precedentes no STF, os 35 réus serão julgados por instâncias inferiores
e, se condenados, podem recorrer para graus superiores de jurisdição até
chegar ao Supremo. Os deputados federais, na hipótese de condenados
definitivamente pelo STF, ficarão inelegíveis enquanto durarem os
efeitos da condenação (art15,III, da Constituição). Mas os mandatos em
curso de deputados federais não são afetados em razão de condenação
definitiva no STF.
CC: Por quê?
WFM:
Apenas ao Poder Legislativo compete cassar mandatos em curso. Para
Norberto Bobbio, ao tratar do Legislativo, a representação (o poder é do
povo e a democracia é representativa) só pode ser tirada pelos
parlamentares, como representantes do povo. A respeito, a Constituição,
no artigo 55, inciso VI, parágrafo segundo, é clara. E para a perda do
mandato exige votação secreta e maioria absoluta na Câmara Federal. A
tese de Thomaz Bastos de “desplugar” (ligação decorrente de conexão)
pode ser recusada porque a lei processual penal permite a “vis-atrativa”
para manter a unidade processual e evitar decisões judiciárias
conflitantes. Essa será uma dificuldade para a defesa, apesar de, em
outros casos, ter o STF determinado a separação dos processos. Um
exemplo ajuda a entender. O Supremo tem determinado a separação dos
processos “quando excessivo número de acusados” e com base no artigo 80
do Código de Processo Penal.
CC:
Não existem razões suficientes para o ministro Dias Tofolli se declarar
impedido? E o ministro Gilmar Mendes? Expectativa. O Ministério Público
vai pôr em dúvida a isenção de Toffoli?
WFM:
Como já escrevi na minha coluna Linha de Frente, os ministros Toffoli e
Mendes deveriam se afastar voluntariamente. A lei prevê, por motivo de
foro íntimo, o afastamento do processo criminal. Como ambos os
ministros mencionados não irão se afastar voluntariamente, competirá às
partes arguirem e comprovarem as causas que os coloca como suspeitos de
parcialidade. Se o julgador arguido insistir em não se afastar, a
exceção será decidida pelos demais ministros, ou seja, pelos próprios
pares.
CC: E o que diz o Código de Processo Penal?
WFM:
Que o juiz deve, no interesse da Justiça, abster-se quando houver (1)
incompatibilidade (suspeição) ou ocorrer (2) impedimento. O ministro
Toffoli, que, em viagem na faixa, já espantou ao comparecer em
casamento cinematográfico, com o cantor Pepino de Capri a animar as
bodas com as suas canções, de advogado atuante no STF. A propósito, a
incompatibilidade é sempre com a parte e não com o advogado que a
representa. Mas quando o advogado é amigo do julgador, é de boa cautela o
afastamento, por motivo de foro íntimo. O ministro Mendes tem viagens
internacionais e desfruta de apartamento, fora do Brasil, de advogado e
jurista atuante no STF e para o qual já trabalhou a sua esposa. Não acha
nada de mais, da mesma forma que, em desobediência à Lei Orgânica da
Magistratura, mantém e obtém vantagens econômicas com um Instituto de
Ensino. Toffoli, como até as águas do mar Tirreno que banham Capri
sabem, sempre esteve umbilicalmente ligado ao Partido dos Trabalhadores e
ao réu José Dirceu. Hipocrisia à parte, Toffoli não seria nunca
escolhido para ministro do STF não fosse o vínculo ao PT, a Lula e a
Dirceu, de quem já foi advogado. Por isso, é de clareza solar a
parcialidade de Toffoli. A assessoria do ministro em questão espalhou
que o presidente da corte, Carlos Ayres Britto, já foi filiado ao
Partido dos Trabalhadores, mas, por evidente, não teve a militância de
Toffoli, que é um novato que começou muito mal no STF. No Tribunal
Superior do Trabalho, não se fez de rogado e, em uma representação do
Partido dos Trabalhadores, colocou uma pá de cal no chamado e conhecido
caso dos “contas-sujas”. No que toca ao impedimento, Toffoli parece, por
lhe convir, entrado no túnel do tempo e parado em 1941. Tempo em que
namorada não dormia com namorado, não havia união estável e a mulher era
discriminada e reprimida. A lei processual penal, que é de 1941, fala
em impedimento pela atuação de cônjuge. Lógico, a interpretação dessa
lei deve ser adequada aos tempos atuais. Não deve a interpretação ser
literal, ao pé da letra, como entende Toffoli a respeito de sua
namorada. Uma namorada com a qual viaja, se apresenta em solenidades e
que é advogada do réu conhecido por professor Luizinho. Aquele que é
acusado de levar uns trocados do mensalão e diz haver recebido para
saldar dívida de campanha.
CC: E quanto a Gilmar Mendes?
WFM:
Este dispensa comentários. Já se enfiou em gigantescas,
pantagruélicas, atrapalhadas. Já revelou partidarismo. Exagerou nas
inconveniências e antecipações de decisões e juízos sobre o mensalão. E
até falta de distanciamento houve, a incluir reuniões com políticos do
partido dos Democratas. Como afirmei acima, se o julgador arguido não
reconhecer a suspeição ou o impedimento, cabe às partes a arguição da
exceção: o procurador-geral, desmoralizado com o engavetamento ilegal do
inquérito Vegas onde existiam suspeitas a respeito de Cachoeira e
Demóstenes Torres, senador cassado, deverá excepcionar Toffoli. Os
defensores, certamente, vão pesar sobre o afastamento de Mendes que, no
caso do mensalão tucano, votou pela rejeição da acusação contra Eduardo
Azeredo. A decisão dos ministros do STF e sobre os afastamentos de
Toffoli e Mendes, poderá ser corporativa e, aí, perderá a sociedade e os
que desejam um julgamento imparcial, técnico e à luz das provas. Tudo
de modo a não deixar impunes os crimes e não punir os inocentes.
CC:
O procurador-geral, Roberto Gurgel, entregou um novo documento ao STF,
aparentemente um resumo das acusações, às vésperas do julgamento. Os
advogados de defesa não precisam antes ter acesso a esse documento, o
que necessariamente adiaria o início das sessões?
WFM:
A Constituição e o Código de Processo Penal estabelecem, como garantia,
o contraditório. Como ensinava um saudoso professor italiano, o
contraditório é a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a
possibilidade de contrariá-los. Assim, quando um documento ou razões
chegam aos autos, a parte contrária deve ter a oportunidade de realizar o
exame e, se quiser, impugnar. Os ministros supremos entendem que o
memorial de Gurgel é apenas um resumo das alegações finais apresentadas e
contrariadas pelos defensores. Por não haver novidade, não haverá
abertura de vista aos advogados constituídos pelos réus.
CC: Quais os riscos do julgamento ser adiado?
WFM:
Nesta semana o advogado Thomaz Bastos renunciou aos poderes que lhe
foram conferidos para atuar em juízo por Cachoeira. Nos autos do
mensalão, se algum advogado constituído renunciar, o processo fica
suspenso e se assina prazo de três dias para a constituição de outro,
sob pena de ser nomeado um defensor dativo. Lógico, trata-se de um
incidente a quebrar a agenda elaborada pelo STF e que prevê o término do
julgamento para setembro. Vários outros incidentes poderão ocorrer e
prejudicar a agenda. Acima falei da arguição de incompetência do STF
para julgar 35 dos 38 réus. Existe a possibilidade de se voltar ao tema
da conveniência de adiamento para depois das eleições e para que o
julgamento não prejudique o princípio da igualdade entre os disputantes
das eleições administrativas municipais. Como já escrevi em
CartaCapital, há a possibilidade de antecipação do voto do ministro
Cezar Peluso que cairá na compulsória em 3 de setembro. Em um regime
democrático, o magistrado tem a possibilidade, em razão dos votos dos
colegas, de se retratar e mudar o voto antes do final do julgamento. Se
Peluso se aposentar, não estará presente e, assim, a retratação eventual
ficará prejudicada. Até agora, Peluso não apresentou seu pedido de
aposentadoria. Existe a possibilidade de inúmeros outros incidentes, até
o não comparecimento do defensor constituído, no dia da sustentação
oral, por problema de saúde, atestado por médico.
CC:
A mídia noticia que o Supremo estaria disposto a começar o julgamento
pelo caso do ex-ministro José Dirceu. O que o senhor acha da decisão?
WFM:
Os ministros do STF em sessão administrativa e secreta acertaram
algumas regras procedimentais. Não foram divulgadas e, por evidente,
quando anunciados poderão resultar em protestos dos defensores. O certo é
que no julgamento cada conduta deve ser analisada e a decisão motivada.
Existe a garantia constitucional da individualização das penas, em caso
de condenação. É bom lembrar que ninguém pode ser condenado por
presunções. A condenação exige certeza, prova suficiente. Muitas vezes, o
julgamento não revela a verdade real. Aí, fica-se com a verdade formal,
também chamada de processual. O ônus da prova acusatória competirá ao
procurador-geral. Não é à defesa que incumbe demonstrar que o acusado
não cometeu crime. A autoria, a materialidade (prova da existência do
crime) e a responsabilidade do acusado devem ser provadas pelo órgão
acusador. Na mesma linha da ministra Eliana Calmon, o ex-presidente
Fernando Henrique falou em atenção por parte da opinião pública. Calmon
chegou a afirmar que a opinião pública julgaria o STF, numa infeliz
manifestação. A opinião pública vai acompanhar e julgar a atuação do
órgão acusador, que é a Procuradoria-geral da República. Ela é que tem
de provar e convencer os julgadores.
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