A realidade é plural. Num país cada vez mais conectado, perdeu todo sentido opor lutas “de rua” às “da rede”
Por Marília Moschkovich, editora de Mulher Alternativa
Há algum tempo que me declaro cyberativista. Participo
de coletivos, mantenho blogs, escrevo para sites e projetos coletivos
como o Outras Palavras. Produzo conteúdo, espalho informação, opiniões e tento disponibilizar uma visão crítica sobre algumas coisas. Em meu blog, Mulher Alternativa,
uso como estratégia falar de questões bem concretas na vida das pessoas
(“Posso engravidar tomando anticoncepcional?” por exemplo). Mas sempre
insiro criticidade e tento não reproduzir os discursos dominantes sobres
estes temas. Como resultado, percebo um alcance razoável (ainda longe
do ideal) destas ideias entre pessoas que jamais discutiriam comigo,
caso meu blog tivesse “feminista” no nome, ou “gênero” (que raios é isso
de gênero, aliás? – dirá a maioria dos leitores e leitoras na internet e
no mundo). Recebo alguns e-mails e mensagens incríveis, encorajando-me a
continuar escrevendo e produzindo conteúdo; outras contando que
utilizaram meus textos como porta de entrada para um interesse maior em
questões ligadas aos direitos das mulheres e desigualdades da nossa
sociedade; algumas contando que essa incursão em pontos de vista
renovados, da qual meu blog fez parte, transformou suas vidas de alguma
forma.
Abro este post trazendo estas informações muito pequenas, quase
insignificantes, numa blogosfera tão vasta quanto a brasileira, numa
internet tão gigantesca, porque foi a partir dele que entendi que esse
“pequeno” da internet não é tão pequeno assim. Esse “pequeno” importa.
Muito.
Duas coisas aconteceram na última década que tornaram esta e outras
experiências “pequenas” ainda mais relevantes. Primeiro, o acesso da
população brasileira à internet aumentou muito, ainda que a maior parte
das pessoas não acesse de casa. Em segundo lugar, o espaço para disputa
de ideias e visões de mundo entre o restrito grupo de pessoas ligado a
espaços de poder como a mídia de massa ou o Estado, cresceu quando a
blogosfera passou a desempenhar um papel mais forte nestas disputas. O
caso das últimas eleições presidenciais mostra o ápice deste processo
que já começava antes. Ficou claro que a mídia de massa se pautava
muitas vezes pelas discussões que aconteciam na rede e que a rede, por
sua vez, conseguia desmascarar e desconstruir falsas informações ou
distorções veiculadas (de propósito ou não) nestes veículos. Num país
onde a ONG Intervozes conta apenas nove famílias que controlam as
concessões de comunicação, uma blogosfera forte não parece pouca coisa.
Entre usuários da internet, que talvez nem percebam que atuam como
cyberativistas, muitos me dizem que a “militância real” se faz “nas
ruas”. Que a internet seria apenas um complemento. Faz-se uma
hierarquização das estratégias de atuação política.
Ora, é preciso enxergar, sem preconceitos, que cada
estratégia de luta funciona dentro de limites. Escrever na internet tem
um alcance limitado: atinjo apenas quem domina o português escrito e tem
o hábito de se informar pela rede. Isso exclui uma parte razoável da
população brasileira e me deixa com um público muito específico, de uma
classe social específica, que tem a pele de uma cor específica
(geralmente), que ocupa profissões e posições sociais específicas. Esta
limitação só é um problema, porém, se não a reconhecermos.
Reconhecendo-a, é possível potencializar a estratégia para este grupo de
pessoas.
Ao mesmo tempo, estratégias mais “tradicionais” de luta
“na rua” (como dizem por aí) também são cheias de limitações. Uma greve
de professores universitários não consegue mobilizar nem discutir
educação pública com a classe trabalhadora. Não passa, em geral, nem
perto disso. Um jornal vendido entre operários numa fábrica não atingirá
desempregados, moradores de rua ou analfabetos na zona rural. Uma
manifestação de dez mil pessoas parando a cidade de São Paulo num dia de
semana, em horário de pico, sempre excluirá trabalhadores que voltam
para suas casas e precisam buscar três filhos em três escolas diferentes
em três bairros distintos da cidade, usando o capenga transporte
público do município. Tampouco trará para o debate quem não vê, nem
nunca viu, sentido em ocupar as ruas.
O ponto em que desejo chegar é este: nenhuma destas
estratégias de luta – seja “nas ruas” ou seja “na internet” – é menos
válida do que a outra por ter limitações. Todas sempre terão limitações.
Elas precisam é ser vistas como uma forma de escolher estratégias de
acordo com a fatia da sociedade ou grupo específico que se quer atingir,
em determinada ação. Não é possível dizermos que certa estratégia é
mais ou menos eficaz que a outra sem nos perguntarmos: eficaz para quê?
As decisões do Estado, dos movimentos sociais, da
sociedade civil (organizada ou não), das instituições, são todas feitas
por pessoas. A mudança é sempre feita por pessoas. Todo movimento de
transformação precisa ter como objetivo atingir pessoas e isso pode ser
feito entregando panfletos, marchando com os seios à mostra ou
escrevendo blogs. Depende de quem buscamos atingir. Não adianta
mobilizar apenas operários, ou apenas políticos, ou apenas a elite
intelectual. Taí a beleza da diversidade de estratégias, que nos permite
promover, em paralelo, mudanças com toda esta gente ao mesmo tempo.
Pessoalmente, só consigo achar incrível que haja gente
inserida em grupos que minha luta é incapaz de alcançar, com estratégias
diferentes das que eu utilizo. Ao mesmo tempo, tenho uma certeza muito
concreta de que meu trabalho aqui, na rede, faz alguma diferença nos
grupos que esta outra militância não consegue atingir. Assim seguimos
juntas, juntos, juntes; caminhando e cantando e seguindo a canção.
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