Frederico de Almeida
No dia 28 de maio último, a Diretoria do Conselho Federal da OAB (Ordem
dos Advogados do Brasil) tomou a decisão de incluir questões de
Filosofia na avaliação que realiza por meio do Exame de Ordem. O
objetivo alegado pela OAB — que acatou recomendações do Colégio de
Presidentes de Comissões de Exame de Ordem e de uma comissão de
especialistas — é o de avaliar competências relacionadas à reflexão
crítica e à ética dos candidatos ao exercício da advocacia.
O objetivo é certamente louvável, daqueles que dificilmente encontra
opositores — tanto é que, mesmo entre críticos do Exame de Ordem, a
decisão encontrou apoio, talvez por indicar uma possível modificação no
modelo de avaliação adotado pela OAB para selecionar os candidatos aptos
ao exercício da advocacia.
Tenho minhas dúvidas, porém, em relação à adequação da medida aos
objetivos esperados. A função das disciplinas incluídas no chamado Eixo
de Formação Fundamental do curso de Direito — dentre as quais está a
Filosofia, conforme definição das Diretrizes Curriculares Nacionais — é a
de fornecer os fundamentos gerais, humanísticos e axiológicos para a
formação crítica, reflexiva e contextualizada do futuro bacharel em
Direito. Essa formação será desenvolvida, ainda de acordo com as
Diretrizes Curriculares Nacionais, por meio dos conteúdos relacionados
ao Eixo de Formação Profissional (os conhecimentos específicos dos
diversos ramos do Direito) e ao Eixo de Formação Prática (que objetiva a
integração entre prática e conhecimentos teóricos, por meio de estágios
supervisionados, trabalho de conclusão de curso e atividades
complementares). Ao longo de todo o texto das Diretrizes Curriculares
Nacionais e da descrição dos três eixos de formação está claro o
objetivo de articulação entre eles, e o de integração entre os
conhecimentos específicos e a formação geral, entre a teoria, a prática e
a realidade social.
Ao se ensinar Filosofia (ou Sociologia, Economia, Psicologia) em um
curso de Direito, não se pretende, portanto, formar um filósofo (ou um
sociólogo, economista, psicólogo). Não que não se possa formar um
desses — e dentre outros tantos exemplos certamente melhores, cito a mim
mesmo como um cientista político formado por um curso de Direito, ainda
que eu só considere minha formação completa após a pós-graduação
específica em Ciência Política, e muita prática e leitura em teoria e
pesquisa sociológica.
Acredito que o objetivo dos especialistas que ajudaram o Conselho
Nacional de Educação a redigir as Diretrizes Curriculares Nacionais de
2004 era o de formar bons bacharéis em Direito, advogados ou não, com
conhecimentos suficientes e necessários a uma compreensão crítica e
rigorosa da realidade, para além das leis e das práticas profissionais
propriamente jurídicas.
Por essa razão, suspeito que a mera inclusão de duas questões
específicas de Filosofia do Direito, mesmo que restritas a ramos da
Filosofia essencialmente ligados à aplicação do Direito como são a
Hermenêutica e a Ética, não cumpra o objetivo esperado de se avaliar a
capacidade crítica e a carga ética do futuro advogado. Assim como o
ensino e a aprendizagem da Filosofia, em um curso de Direito, servem
para fundamentar o desenvolvimento do estudante em sua área de
conhecimento específico, teórico e prático, a avaliação de competências
hermenêuticas e éticas do futuro advogado deveria se dar de forma
intrinsecamente ligada à avaliação de suas competências jurídicas,
práticas e profissionais.
Isso não será possível, contudo, por meio do acréscimo de duas questões
de Filosofia do Direito ao Exame de Ordem, ao lado de outras tantas
questões de conhecimentos específicos. Seria preciso, ao contrário, que
as questões de conhecimentos específicos, voltadas para a avaliação de
competências práticas e profissionais, fossem também capazes de avaliar a
formação geral, humanista e axiológica do futuro advogado, colocando-o
diante de situações hipotéticas nas quais a compreensão rigorosa,
científica e crítica do mundo, e a capacidade de atuação prática de
acordo com valores fossem tão importantes quanto o conhecimento
"técnico" necessário à solução de um problema jurídico.
O problema é que já há algum tempo o Exame de Ordem — dogmático,
conteudista e baseado em memorização — perdeu sua capacidade de avaliar
efetivamente competências e habilidades profissionais de futuros
advogados, para se tornar uma avaliação mal disfarçada de cursos e
instituições de ensino jurídico, um recurso de defesa de um mercado
profissional saturado e empobrecido pela massificação. Sem uma
reformulação ampla do Exame de Ordem, que passa necessariamente por uma
reflexão sobre seus objetivos, introduzir a Filosofia do Direito na
prova objetiva apenas reproduz a tradição bacharelesca e de falsa
erudição do Direito brasileiro. A novidade não vai levar necessariamente
os cursos e os estudantes de Direito a uma formação crítica,
interdisciplinar e reflexiva, mas talvez dê bons retornos aos redatores
de resumos e apostilas
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