Entre
os múltiplos aspectos relacionados com a administração da Justiça, um
há que, possivelmente, nunca foi discutido: quais os limites entre as
atividades do juiz nas funções administrativas (v.g., presidente do
Tribunal ou diretor do Foro) e as dos servidores encarregados da
administração (v.g., diretor-geral do Tribunal).
Quem se dispuser a
procurar na legislação, pouco ou nada encontrará.
Na Justiça Federal
são omissas a antiga Lei 5.010/66 e a Lei 7.727/89, que dispôs sobre a
instalação dos TRFs. A Justiça do Trabalho não tem lei orgânica própria e
as que criam os tribunais silenciam a respeito (v.g., Lei 8.219/91, que
criou o TRT da 19ª. Região, Alagoas).
Na Justiça Estadual a situação
não é diferente
Na busca de resposta, vai-se aos Regimentos
Internos dos Tribunais.
Não é algo tão simples.
A dificuldade começa por
localizá-los nos sites. Não os encontrei — e é possível que eu tenha
sido inábil — nos sites dos TJs de Goiás e Rio de Janeiro. Às vezes
encontra-se o regimento, mas ele não dispõe sobre tais competências
(v.g., R.I. do TJ de Pernambuco, Resolução 84/96).
Ao contrário,
bem fácil é encontrar o R.I. do TRF da 4ª Região e nele localizar as
atividades do presidente (art. 23, incisos XLI). Idem no R.I. do TJ de
Mato Grosso do Sul, que é dos mais minuciosos (art. 166). Da mesma forma
o do TRT da 1ª Região (RJ), que expõe, com clareza, as atribuições do
presidente (art. 25).
Com certeza, em muitos tribunais as
atribuições do presidente e as do diretor-geral ou secretário estão em
resoluções editadas fora do R.I. Nada há de errado nisto. Porém,
dificulta a pesquisa e o conhecimento por parte de terceiros.
Mas,
afinal, qual o papel do presidente de um tribunal? E do diretor do
Foro? E dos demais magistrados administradores (v.g., diretor da Escola
da Magistratura)?
A meu ver o magistrado, nas funções de
administrador, deve ser um condutor da política institucional do órgão
ou da unidade administrativa que representa.
Assim sendo, nada
mais lógico e natural do que um presidente de Tribunal de Justiça
representar o Poder Judiciário junto aos outros Poderes de Estado,
acompanhar o orçamento de seu tribunal, nomear e promover os seus
juízes. Estas e outras são funções indelegáveis e o presidente deve
dedicar-se a elas com empenho.
Mas, por outro lado, não faz o
menor sentido assumir o presidente (ou o diretor do Foro) funções
típicas de gestão ordinária. Darei um exemplo. Certa feita um presidente
do TRF-4 telefonou-me para perguntar se eu aceitava determinada vaga na
garage. Agradeci a atenção, mas pensei comigo: não tem cabimento um
presidente perder tempo com este tipo de preocupação.
Já sei que
alguns dirão: mas estas pequenas coisas podem criar um problema sério no
relacionamento. Pode ser. Mas nem por isso se deve ceder e amoldar-se
aos caprichos de espíritos menos desenvolvidos. O presidente deve deixar
bem claro, logo ao início de sua administração, que dedicará seu tempo a
questões de interesse público e não privado.
Se o presidente
fraquejar, poderão ocorrer situações de flagrante prejuízo à sociedade.
Darei um exemplo. Uma ocasião, visitando o Foro Federal de uma grande
cidade, notei que as varas não seguiam a ordem numérica. Assim, a 1ª
Vara estava no 5º andar, a 2ª Vara no 14º e a 8ª Vara no 1º. Aquela
anárquica divisão ocorreu porque se deu a cada juiz a oportunidade de
escolha. Não se pensou nas partes (muitas vezes pessoas de pouca
cultura) e seus advogados, que tinham dificultada a possibilidade de
localizar o local que procuravam. Péssimo exemplo de administração.
Bem,
se assim é, fácil é ver que as questões de administração pura devem ser
deixadas ao administrador judicial, ou seja, o secretário,
diretor-geral ou o nome que se lhe atribua. No R.I. do TRF-4 o artigo
432, parágrafo único, dá ao diretor-geral o poder de coordenar e dirigir
as atividades administrativas de acordo com a orientação do presidente e
as deliberações do Tribunal Pleno. A frase é simples, mas diz tudo.
O
presidente ou as decisões do Tribunal Pleno (ou Órgão Especial) dão as
linhas mestras. O gestor não se afastará delas. E deliberará sobre tudo o
que represente agilidade nos serviços, bom atendimento à população,
diminuição de gastos, preservação do meio ambiente e hipóteses
assemelhadas.
Não há razão para que o presidente se preocupe com
tudo, podendo ser atribuição do secretário: a) distribuição de feitos ao
Conselho Superior da Magistratura ou de administração; b) velar pelo
cumprimento das exigências fiscais no tribunal; c) fazer publicar os
dados estatísticos relativos aos trabalhos mensais dos órgãos judicantes
do tribunal; d) firmar contratos e atos de outra natureza pertinentes à
administração do tribunal, cujo valor seja inferior a 20
salários-mínimos; e) constituir comissões processantes para a instrução
dos procedimentos administrativos e decidir casos de pena disciplinar de
advertência; f) regulamentar o uso de veículos pertencentes ao
tribunal, exceto os utilizados pelos desembargadores; g) decidir sobre a
substituição de funcionários em férias ou licença, movimentação do
pessoal das secretarias administrativas do tribunal; h) modernizar as
atividades administrativas da Corte, por exemplo, abolindo por completo a
utilização de papel para uso em procedimentos administrativos.
Em
suma, o presidente — e os demais magistrados administradores, em menor
escala — são os maestros que regem a complexa atividade de administrar a
Justiça. Mas aos servidores da cúpula administrativa cabe lidar com as
questões de mera gestão, pois para isto se preparam e adquirem
experiência.
Evidentemente, isto pode gerar melindres em um ou
outro desembargador que tenha uma visão antiquada do que é a
administração judiciária. Porém isto pode ser superado de forma simples.
Basta o Regimento Interno estabelecer que o secretário será indicado
pelo presidente e aprovado pelo Plenário ou Órgão Especial, por maioria
absoluta. Isto lhe dará legitimidade.
E para terminar, registra-se
que seria oportuna a troca do nome do cargo de direção, secretário ou
diretor, para administrador judicial, muito mais próximo da ideia de uma
administração ágil e moderna.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
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