Se Paulo Maluf fosse de outra terra, já estaria há tempo na cadeia,
ou teria sido trucidado pela turba enfurecida, ou teria sido pendurado
de cabeça para baixo em uma bomba de gasolina. Ou teria sofrido, na
melhor das hipóteses para ele, o ostracismo político. Paulo Maluf é,
porém, brasileiro. E de cadeia para ricos e de turba enfurecida, nem
sombra.
O Brasil é bastante peculiar, como alguns sabem, outros fingem não
saber e outros mais simplesmente ignoram porque vivem no Limbo. A
sociedade nativa não prima pelo caráter e não cultiva a memória.
Refiro-me aos brasileiros que poderiam e deveriam ter a consciência da
cidadania. O Brasil é o país onde uma Lei da Anistia imposta manu militari pela ditadura continua em vigor, embora acreditemos usufruir de uma democracia plena.
É apenas um exemplo do nosso atraso político, cívico, cultural,
moral. O Brasil é o país onde um oligarca como José Sarney, feudatário
do estado mais infeliz da Federação, pode tornar-se presidente da
República. E é o país onde, diante da indiferença geral, 50 mil
conterrâneos são assassinados anualmente e 64% da população não conta
com saneamento básico. E é o país onde a casa-grande e a senzala ainda
estão de pé e, embora dono do sexto PIB do mundo, ombreia-se com as mais
miseráveis nações africanas em matéria de péssima distribuição de
renda.
O Brasil é também o país onde pululam os políticos
corruptos, prontos a entender que o poder lhes entrega o bem público
qual fosse privado, e onde os partidos nunca deixaram de ser clubes
recreativos de grupelhos de senhores dispostos a funcionar como
bandeirolas. Houve, por algum tempo, uma exceção, o Partido dos
Trabalhadores, nascido à sombra do sindicalismo liderado por um certo
Luiz Inácio da Silva, dito Lula. Partia de uma plataforma radical e seu
ideólogo chamava-se, pasmem, Francisco Weffort.
Até aqui, coisas do Brasil. Peculiaridades. A situação evoluiu.
Enquanto Weffort aderia à sua verdadeira natureza e alegremente
tucanava, o PT ganhava contornos mais contemporâneos para assumir a
linha de um partido de esquerda afinado com os tempos. Depois de três
tentativas frustradas de chegar à Presidência, Lula, enfim no sobrenome,
emplacou a quarta. O PT, contudo, revelou outra face e no poder
portou-se como os demais que o precederam. Nos últimos dez anos, o
Brasil deu importantes passos à frente, tanto do ponto de vista social
quanto na independência da sua política exterior, mas não os devemos ao
PT e sim a Lula e agora a Dilma Rousseff.
Nada de surpresas. A atuação de um líder no Brasil sempre foi mais
determinante do que a de um partido ou de uma ideologia. De resto, a
população está acostumada a votar naqueles, autênticos ou falsos, em
lugar deste e muito menos desta. Peculiaridades. Grandes e tradicionais
partidos, obviamente estrangeiros, cuidaram sempre de manter constante
contato com os eleitores para convencê-los, tempo adentro, da qualidade
das suas propostas e da validade da sua linha política. Setores da
Igreja Católica realizaram esse gênero de aproximação em tempos da
ditadura e mostraram em vão o caminho, sem imaginar que viria João Paulo
II. Hoje contamos com a ação capilar e exitosa das confissões
evangélicas, visceralmente desinteressadas em doutrinação política.
Muito bem-sucedidas, no entanto. Nada parecido o PT soube ou quis
realizar.
Isso tudo explica inclusive como e por que o Brasil é ingovernável
sem que alianças de ocasiões sejam seladas ao sabor do oportunismo
contingente. As agremiações políticas lembram-se dos eleitores somente
às vésperas do pleito e a combinação que resulta está longe do ideal,
infinitamente longe. Observem o comportamento mais recente da bandeirola
Maluf. Apoiou Marta Suplicy contra José Serra em 2004 na eleição à
prefeitura paulistana. Apoiou Serra em 2010 contra Dilma na eleição
presidencial e logo bandeou seu PP para a base de sustentação do
governo. Agora posta-se ao lado do candidato Fernando Haddad depois de
ter ameaçado apoiar novamente Serra.
Nefandas peculiaridades, tradicionais. Parece, no
entanto, que outra está em xeque, aquela que periodicamente conclama à
chamada “conciliação das elites”. Claro está que Lula enxerga no pleito
municipal da maior cidade do País um embate decisivo para os destinos da
guerra contra a reação, tão bem representada pela candidatura de José
Serra e pela mídia nativa. Neste sentido, tranca-se a porta da
conciliação, e Lula e Dilma confirmam escapar à regra.
No confronto paulistano, CartaCapital escolhe Haddad.
Entende e louva, entretanto, a atitude de Luiza Erundina, honrada,
coerente, rara personagem em meio às peculiaridades, assim como lamenta o
aperto de mão de Lula com Maluf à sombra da coleção de porcelana da
Companhia das Índias que decora a mansão (esta sim, mansão, prezados
perdigueiros da informação) do único político brasileiro procurado pela
Interpol, com lugar de honra no hall of fame da corrupção, organizado pelo Banco Mundial.
Resta ver qual é o limite do pragmatismo desta nossa peculiar realpolitik.
No caso, dói engoli-la.
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