Durante anos, o senador Demóstenes Torres colocou-se em panos de Varão de Plutarco na defesa da ética, da probidade, do aumento das penas e contra a criminalidade organizada. O passar do tempo incumbiu-se de demonstrar que Demóstenes não era um Varão de Plutarco, mas um farsante.
Na realidade, era o “tartufo” da consagrada obra do francês Molière.
Em duas operações da Polícia
Federal — uma delas engavetada por mais de dois anos pelo
procurador-geral da República, Roberto Gurgel– comprovou-se a ligação do
senador Demóstenes com a organização criminosa cujo chefe era Carlinhos
Cachoeira.
Hoje, perante a Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) voltada a apurar os tentáculos da
organização delinquencial de Cachoeira, o senador Demóstenes mostrou,
como já havia ocorrido no seu depoimento longo, mentiroso e
inconsistente, à Comissão de Ética do Senado, mais uma das suas facetas.
Demóstenes adota o comportamento de capo (chefe) mafioso.
Um mafioso à siciliana. Sem o
terno listrado, o par de sapatos bicolor nem o charuto cubano. O mafioso
siciliano se veste discretamente e, no máximo, calça o anel de família.
Demóstenes estava com vestes discretas e, pelo misticismo apresentado
em pronunciamento estudado, parecia pronto para a primeira comunhão.
Todo o capo da Cosa Nostra,
quer da siciliana quer da máfia sículo-norte-americana, apresenta-se em
audiências públicas, perante a Justiça ou no Parlamento, como homem que
observa com rigor os preceitos bíblicos e os do Novo Testamento.
No maxiprocesso decorrente do
trabalho do juiz Giovanni Falcone, dinamitado pela Cosa Nostra, vários
capi-mafia (chefões da Máfia) foram ouvidos. Todos, sem exceção,
portavam e expunham para que todos vissem um exemplar da Bíblia ou
exagerados rosários, com um enorme crucifixo pendurado.
Antes de mergulhar em profundo
silêncio e de modo a não responder às perguntas acusatórias, os
supracitados capi mafiosos falavam sobre Deus e faziam ecoar nas salas
das audiências dos Tribunais colocações místicas. Demóstenes, no
depoimento à CPMI, quis passar a imagem de místico e valoroso:
“Aproximei-me muito dos homens e afastei-me de Deus”.
Numa síntese apertada,
Demóstenes apresentou um novo personagem, uma vez que já despojado das
vestes de Varão de Virago. Fez o tipo papa-hóstia, rato de
sacristia, dono de franchising evangélica ou de um falso demiurgo
enquadrável no Código Penal.
Demóstenes não quis ajudar na
apuração da CPMI. Protegeu Cachoeira, que disse não saber que comandava a
jogatina organizada na Goiás onde Demóstenes foi delegado de polícia,
secretário de segurança pública, promotor criminal e procurador da
Justiça. Tudo antes de chegar ao Senado.
Como desculpa esfarrapada,
Demóstenes ofertou aos membros da CPMI, como se não pudessem requisitar,
o relato dado à Comissão de Ética onde é acusado de faltar com a
verdade em manifestação no Parlamento sobre a legalização dos jogos
eletrônicos de azar.
Em outras palavras, Demóstenes
não engana mais ninguém. Agora, comporta-se como um mafioso. Um capo
silencioso, religioso e de valores supremos.
Certa vez, acompanhei o
depoimento de um capo-mafia. Ele já havia integrado o órgão de cúpula, a
comissão de governo, da Cosa Nostra siciliana. Esse capo-mafia,
Antonino Salamone, levou um exemplar da Bíblia, disse que era muito
religioso e se recusava, pelos seus valores morais, a responder
acusações infundadas. Não respondeu a nenhuma pergunta formulada pelo
juiz em depoimento numa carta-rogatória da Justiça italiana.
Outro, Bernardo
Provenzano, ex-chefe-dos-chefes (capo dei capi) da Cosa Nostra
siciliana, mandava ordens por meio de bilhetes. E cada destinatário era
identificado pelo número de um versículo bíblico. Num exemplo da
classificação de Provenzano, Demóstenes poderia ser o versículo 171.
Pano rápido. Demóstenes tem a
esperança de não será cassado. Aposta no voto secreto e já se aproximou
de Renan Calheiros, que antes reprovava.
Wálter Fanganiello Maierovitch-
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