Todos os presentes naquele respeitável
recinto, exceto o magistrado, riram à beça do inusitado comentário feito
pelo réu. A atitude seria mesmo muito risível, não fosse aquele um
julgamento da maior relevância, envolvendo um palhaço de bufê para
festas infantis que, supostamente, matara de susto uma velhota de
oitenta e nove anos, ao estourar um balão de aniversário ao seu pé de
ouvido.
— Mas aquela senhora nem escutava mesmo muito bem.
O juiz ficou mais rubro que a escarlate
bandeira do MST e ameaçou retirar o acusado imediatamente do tribunal,
caso ele se manifestasse novamente sem a sua devida autorização.
— O juiz é mulherzinha!
Olhem a saia dele! (na verdade, a indumentária, apesar de lembrar muito
uma saia, era uma toga). O réu comediante cantarolou aquelas bobagens
levando o público a quase se urinar de tanto dar gargalhadas. Parecia um
bando de pastores dividindo o dízimo dos fiéis.
— O senhor respeite este tribunal! Isto aqui não é um circo, seu palhaço!
Percebendo que Sua Divindade, ou melhor,
o magistrado já perdia as estribeiras, o rapaz sentiu-se ainda mais
confiante e emendou o bizarro falatório.
— Vocês sabem como é que um juiz diz “Bom dia, Excelência” para outro? “Louvado seja”.
Daí o outro responde “Amém”.
Daí o outro responde “Amém”.
Neste momento a algazarra tomou conta da
sala. O juiz Divino (aqui não faço qualquer trocadilho; o nome do
meritíssimo era mesmo Divino) ordenou aos policiais que levassem embora
aquele bagunceiro, mas não foi atendido, pois os fardados homenzarrões
rolavam no chão, contorcendo-se em dolorosas cólicas abdominais de riso.
Os jurados gargalhavam como se
estivessem sentados num auditório da Câmara dos Deputados acompanhando o
depoimento de um parlamentar acusado de honestidade pelos seus pares.
Quanto mais o povo ria, mais o palhaço matador de velhinhas semi-surdas
continuava a sua leréia.
Naquele momento, como se fora o
Presidente Lula nos velhos tempos de Sindicato dos Metalúrgicos, ele
dominava completamente a massa, inclusive os parentes da falecida, os
quais, no fundo, no fundo, acreditavam que a decrépita anciã carecia ter
morrido há mais tempo, o que propiciaria a divisão antecipada, em
partes iguais, de todo aquele maravilhoso patrimônio material. Àquela
altura da situação, o patrimônio moral já tinha ido para as cucuias.
— Hoje tem goiabada?
— Tem sim, senhor!
— Hoje tem julgamento?
— Tem não, senhor!
— E o juiz o que é?
— É ladrão de mulher!
A surreal interação dos presentes com o
réu palhaço (o palhaço réu) parecia um daqueles estranhos filmes do
cineasta mexicano Luis Buñuel, e finalmente contagiou o todo poderoso
baluarte da justiça, que não conteve o próprio riso quando o comediante — que estava maquiado a caráter, palhaço que era, ao contrário dos demais desavisados — molhou
o paletó xadrez do advogado de acusação, pessoa que ele odiava do fundo
de sua toga, utilizando o velho golpe da flor artificial grudada na
lapela, que esguicha água sempre que alguém é convidado a cheirá-la.
Ora, e vejam: este chiste é mais antigo que agentes públicos cobrando
propina...
— Querem saber de uma
coisa? Aquela pobre senhora estava mesmo com um pé na cova e o outro na
porta de um Pronto-Socorro do SUS. Que se dane! Caro palhaço, você é
inocente. Vá e não peque mais, meu filho! — ordenou o
magistrado, em tom professoral, imitando Jesus Cristo, fazendo-me
lembrar de Irmã Amarilis, uma remota professora de Educação Moral e
Cívica que me condenava rispidamente por eu ter me masturbado aos doze
anos de idade.
Terminava assim o quase julgamento do
palhaço animador de festas infantis que matara de susto uma mulher muito
velha, praticamente surda, conforme já foi aqui frisado, um verdadeiro
estorvo, como habitualmente se diz daqueles cidadãos que sobrevivem às
agruras da vida e atingem a senectude neste país.
Então, acordei no sofá. O não-depoimento
na CPMI daqueles bacanas capturados pela Operação Monte Carlo da
Polícia Federal já tinha acabado. Desliguei a TV, liguei o computador e
escrevi esta palhaçada.
Assim como fizeram aqueles calhordas,
espero que vocês, leitores, reservem-se no direito constitucional de
permanecerem calados e só falarem em juízo. Eu prefiro a falta de
juízo.
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