Nestas últimas semanas, tenho sido convidado para vários debates
na USP sobre a proposta do governo de São Paulo de “inclusão” de alunos
de escolas públicas e negros e indígenas chamado de PIMESP (Programa de
Inclusão com Mérito do Estado de São Paulo). Um dos itens desta proposta
que mais tem sido questionado é o tal ICES (Instituto Comunitário de
Ensino Superior), um curso à distância que os alunos “cotistas” teriam
que fazer e ter desempenho igual ou superior a 70% antes de entrar nas
universidades estaduais. O curso do tal ICES seria a distância e é
chamado de “college”.
Diante disto, surgiram entre os defensores da proposta do governo
muitas falas, algumas estranhas defendendo a “universalização do
college”, outros elogiando a iniciativa por “preparar” alunos com
deficiência de formação para enfrentar a dureza das exigências de
universidades de ponta, entre outros. Como manda as regras do bom
jornalismo, antes de opinar sobre a proposta do “college” paulista, é
preciso esclarecer o que se trata exatamente a experiência dos colleges
em outros países, particularmente os EUA.
A primeira coisa importante a ser destacada é a diferença existente
entre o sistema de ensino superior dos EUA e o nosso. Conforme afirma o
professor Leandro Tessller,
não existe propriamente um sistema de ensino superior nos Estados
Unidos – as universidades e faculdades de lá possuem quase que total
autonomia para definir seus sistemas internos de ensino. Em geral, os
alunos tem liberdade para montar os seus percursos – as disciplinas são
quase que todas eletivas – tendo apenas que cumprir um número mínimo de
créditos. E, ao contrário do que muita gente pensa, o ensino superior
nos EUA é bancado com verbas públicas – muitas instituições são públicas
(ainda que cobrem mensalidades) e mesmo as privadas são bancadas por
bolsas de fundos públicos. Em suma: é um “sistema” totalmente
desregulamentado.
Neste contexto, além das universidades, há os “community colleges”
(faculdades comunitárias) que oferecem cursos superiores de dois anos,
de formação profissionalizante e, normalmente, voltados para atender
demandas locais. Os alunos formados por estas instituições recebem um
certificado equivalente aos de tecnólogo ou sequencial no Brasil. Alguns
destes community colleges são articulados com universidades e podem
carregar os seus créditos dos cursos de dois anos para, com mais dois
anos na universidade, conseguirem o bacharelado.
O termo “college” designa, na Austrália, instituições que tem este
perfil e foram edificadas para ações comunitárias e atender demandas de
profissionalização em nível superior de determinados grupos sociais. No
Canadá, como o sistema de ensino superior se organiza em universidades,
os “colleges” se assemelham a faculdades isoladas.
A proposta do “college” brasileiro decorre, primeiramente, de uma
visão de que o aluno negro e indígena e vindo de escola pública
necessita de uma “preparação prévia” para ingressar na universidade e
combina isto com um modelo de “profissionalização” estranha que junta
disciplinas como “Princípios de Economia”, “Profissionalização, Inovação
e Empreendedorismo”, “Liderança e Trabalho em Equipe”, “Matemática
Financeira”que sinaliza para uma formação básica na área de gestão e
administração. Lembra muito a reforma do ensino realizada pela ditadura
militar em 1971, com a Lei 5692, que instituiu a formação
profissionalizante básica no ensino médio, com os alunos divididos em
“exatas”, “humanas” e “biológicas” a partir do segundo ano do ciclo.
Eu, por exemplo, fiz o ensino médio na escola estadual Rui Bloem (no
bairro do Planalto Paulista, em São Paulo), optei pela área de humanas e
tive disciplinas como “Relações Humanas”, “Organização e Métodos”,
“Mercadologia” e “Contabilidade Básica”. Ao final, recebi um certificado
de “Formação Profissionalizante Básica- Setor Terciário” que não
significa absolutamente nada além de sequer preparar para os processos
seletivos (unificados no conteúdo) das grandes universidades. Só
consegui entrar na USP sem ter que fazer cursinho porque eu e alguns
amigos meus fizemos um grupo de estudos, arrumamos algumas apostilas de
cursinhos e estudamos por conta, além de entrarmos de bicões em plantões
de dúvidas aos domingos no antigo cursinho MED,
Em outras palavras, o tal “college” do governo paulista é um tremendo
engodo – não recuperará conteúdos e nem tampouco será uma formação
profissional de qualidade, Será mais uma demagogia do governo para
atender a demanda de jovens pobres, negros e indígenas pela educação
superior pública, criando um outro sistema de ensino de segunda mão,
dando um alento para a polêmica Univesp e seu ensino à distância e dando
uma resposta a reivindicação por cotas. A importação do nome ” college”
é só para dar um ar de sofisticação ao projeto, mas além do nome, nada
tem a ver com a experiência dos community colleges estadunidenses.
Blog QUILOMBO - Dennis de Oliveira
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