Na França, assistência social aos pobres, imigração e exílio fiscal
suscitam cada vez mais reações de retorno à ordem, celebração da
autoridade e justificativa para as desigualdades. Da extrema direita à
extrema esquerda do espectro político, o diagnóstico da “direitização”
parece ser unanimidade, seja para contentar-se, adaptar-se com ou sem
complexos, acomodar-se com resignação ou peso na consciência, ou
revoltar-se. Em 2007, na eleição de Nicolas Sarkozy, o tempero desse
diagnóstico foi a resistência dos “valores humanistas”.
Hoje, seria a aprovação de reformas sociais como o casamento para todos.
Nos âmbitos econômico, social e político, a coisa seria clara. Restaria
apenas medir a amplitude e a velocidade desse processo. Seria melhor,
contudo, compreender a direitização em vez de repetir explicações
feitas.
Há pelo menos cinco anos fala-se muito da “desconfiança” dos franceses,
associando esse vocábulo à velha concepção de uma crise da democracia
representativa – segundo a qual os eleitos representariam mal seus
cidadãos – e também à impressão do aumento do “populismo”, uma visão
acusatória que coloca os extremistas de direita e esquerda em um mesmo
patamar. A primeira ideia retoma os temas do antiparlamentarismo de há
mais de um século e as explicações do progresso da Frente Nacional e da
abstenção eleitoral, em voga há vinte anos. A segunda, ao substituir a
crítica obsoleta do totalitarismo, ressuscita a retórica do “nem-nem”
(nem Partido Socialista nem Frente Nacional), enésima ressurgência da
“terceira via” centrista, que abre caminho entre os dois extremos desde
1930.
A surpreendente unanimidade e a pobreza desses diagnósticos se originam
talvez da falta de preocupação em saber de fato do que se fala. Para
alguns, a direitização expressa o deslizamento da opinião pública em
direção à extrema direita, tradução de uma radicalização. Para outros,
seria um movimento para a direita de todas as instâncias em que se tomam
posições políticas, incluídas as socialistas. Dessa forma, é possível
chegar a conclusões opostas. No primeiro caso, significaria a
focalização em temas da extrema direita, em particular xenófobos ou
racistas, manifestados com agressividade. E, no segundo caso, um acordo
amplo, espécie de consenso liberal ou de “fim das ideologias”. Ora, os
indícios dessas duas tendências coexistem. De um lado está o reforço
eleitoral e a normalização da Frente Nacional, e a concorrência entre
diversas formações políticas sobre temas desse partido, como
insegurança, ameaça islâmica, confisco fiscal, abuso de prestações
sociais, preferência nacional. Do outro, um consenso dos partidos
alinhados ao governo sobre o mercado, o livre-comércio, o setor privado e
a redução dos gastos públicos.
A direitização concebida como uma radicalização política chama mais a
atenção porque é mais perturbadora. Mudanças tão profundas como a
globalização, a crise da dívida, a explosão do desemprego, o
fortalecimento de países emergentes, o enriquecimento dos ricos, a
pauperização das classes médias e o empobrecimento dos pobres − para
citar apenas alguns elementos de um inventário interminável − acarretam
efeitos políticos importantes. A angústia se agudiza com a lembrança da
crise de 1930, que desestabilizou o século XX e engendrou catástrofes
políticas, de regimes fascistas a guerras.
Há não muito tempo, o crescimento dos partidos de extrema direita na
França, Bélgica, Hungria e Holanda alarmava. Atualmente, contudo, esse
processo parece menos amplo e mais lento, pois esses setores raramente
chegaram ao poder – salvo em posições marginais, como o partido do
falecido Jörg Haider na Áustria, ou em instituições locais, como o
Vlaams Blok na Bélgica. Outros movimentos que se desenharam nesse
cenário – como o Tea Party nos Estados Unidos – visam fazer pressão
sobre formações políticas institucionais, como é o caso do Partido
Republicano. Como pano de fundo, o temor obsessivo de rebaixamento da
qualidade de vida por parte de uma população principalmente branca, às
vezes modesta, mais sensível à ameaça vinda de baixo (representada pelos
mais pobres, pelos estrangeiros) do que a advinda do enriquecimento dos
mais ricos. Em outras palavras, sensível à “raça”, mas não à classe.
Ainda assim, esse cenário não permitiu que o candidato republicano – com
matizes de extrema direita – ganhasse, e há suspeitas de que essas
nuances radicais tiveram papel preponderante em sua derrota.
Se em 2007 a inflexão à direita do discurso de Sarkozy favoreceu a
captação de votos da extrema direita, a mesma estratégia não permitiu
sua reeleição cinco anos depois. Contudo, ao mostrar-se mais curta do
que o previsto, a União por um Movimento Popular (UMP) parece ter se
convencido da necessidade de se radicalizar. Seus militantes são hoje
muito próximos aos da Frente Nacional no que se refere aos temas da
imigração e da segurança, mas também – dessa vez, contra a visão de seus
dirigentes – às questões econômicas e financeiras do protecionismo do
euro.
É preciso acreditar que a questão da radicalização possui um caráter de
urgência porque nada menos que três pesquisas recentes, de janeiro de
2013, atestam a escalada dos valores de extrema direita. Uma delas
chegou até a concluir que 87% dos franceses desejariam um “verdadeiro
chefe que pudesse recompor a ordem” (Le Monde, 25 jan. 2013).
Esse tipo de formulação dá consistência a discursos violentos cada vez
mais frequentes e descomprometidos contra imigrantes, delinquentes,
assistidos, funcionários públicos etc. O estilo paranoico do qual falava
Richard Hofstadter – que une a mentalidade conspiradora e a raiva
contra a fiscalização, a burocracia, os intelectuais e sobretudo os
estrangeiros – tem adeptos não apenas nos Estados Unidos.
Nessas pesquisas, a maioria menciona uma ou mais opiniões favoráveis à
pena de morte, à privatização do Estado, ao aumento da jornada de
trabalho etc.
Existe um ponto em comum entre as duas concepções de direitização: o
fato de o eixo médio do debate político estar deslocado para a direita e
mover-se mecanicamente para a extrema direita, mas as lutas partidárias
conduzirem obrigatoriamente ao aumento da busca de diferenças. Os
políticos praticam a arte da lítotes para expressar pensamentos limites
que evocam, como Jean-François Copé, presidente da UMP e adepto de uma
“direita descomplexada”, “esses pais traumatizados porque um de seus
filhos, que tomava seu lanche na saída da escola, foi atacado e teve sua
merenda roubada por um bando de jovens que atuava como uma brigada
iraniana de promoção da virtude”; ou “um racismo antibranco [que] se
desenvolve nos bairros de nossas cidades”; ou “os sem documentos [que]
são os únicos a poder se beneficiar de um sistema de subsídio 100%”; ou
ainda “os empresários, artesãos e comerciantes [...] aterrorizados pela
ideia de um controle fiscal ou, pior, pelo possível encontro com um
fiscal do trabalho”. Os discursos ultrapassam fronteiras: o espaço do politicamente pensável se amplia com o do politicamente dizível.
Mencionada cotidianamente por meios de comunicação influentes, como a
Fox News, a dimensão conspiratória é mais pronunciada nos Estados Unidos
do que na Europa. Nas sociedades europeias, há menos convencimento em
relação à legitimação puritana de enriquecimento e mais interesse nos
benefícios reais do Estado de bem-estar social, o que limita a crítica
aos supostos abusos cometidos pelos “estrangeiros”, “preguiçosos” e
“assistidos”.
Magnificar o egoísmo
Dessa forma, a direitização toma contornos mais suaves no Velho
Continente. Contudo, quando revistas que supostamente não possuem a
mesma linha editorial publicam na mesma semana matérias sobre os
francomaçons – “Os francomaçons que nos governam” (Le Nouvel Observateur, 3 jan. 2013); “Hollande e seus francomaçons” (Le Point, 7 jan. 2013) –, elas conformam uma visão conspiratória velada.4 E como é preciso mudar de assunto, a matéria “Nossos inimigos islâmicos” exibe a cabeça de alguns chefes terroristas (Le Point, 24 jan. 2013) à maneira das exposições de retratos antissemitas de outrora.
Essas capas sensacionalistas não são motivadas por objetivos
comerciais, asseguram os barões da imprensa. Se é assim, o que elas
expressam? As novas visões de uma profissão jornalística afetada pela
crise que traduz o medo compartilhado do rebaixamento da qualidade de
vida entre os leitores? As qualidades críticas elementares do trabalho
intelectual parecem se resumir à revelação de “segredos” e “complôs”.
Mas onde está a virtude crítica quando questões mais apelativas e menos
generosas se alinham sem que ninguém preste atenção ou, pior, sem que
ninguém se alarme?
Também não seria necessário mencionar que as sondagens (Ipsos-Le Monde,
25 jan. 2013) solicitam voluntários previamente selecionados mais à
direita e oferecem pequenas gratificações pela participação. Tudo isso
com o objetivo de perguntar sobre o “racismo antibrancos” (cuja
existência é dada como certa) ou sobre o “esforço de integração” dos
imigrantes na França (obrigatoriamente uma questão de “esforço”). E de
oferecer alternativas tão tergiversadas quanto a “confiança” que alguns
atribuem à “maioria das pessoas”, em oposição ao incremento de
“prudência” que deveriam suscitar os “outros” (quem são os outros?). E,
por último, o de propor que digam se “se sentem em casa como antes” (na
França, mas antes do quê?). Quanto a essas artimanhas de pesquisa, que
ingenuamente sugerem que talvez “a autoridade seja um valor muito
criticado na França”, como profissionais podem cometer esse descuido
metodológico flagrante que consiste em fomentar o consentimento?
O baile de ideias que mistura preconceitos neoliberais e um bom senso
grosseiro contribui à direitização dos espíritos quando magnifica o
egoísmo. Como é possível esperar dos cidadãos que acreditem que os
dirigentes políticos servem ao interesse geral? Seria no mínimo uma
aberração esperar dos políticos um comportamento altruísta, que eles
seriam os únicos a demonstrar. Difundida há tempos no espaço público, a
predicação do “cada um por si” é tão poderosa que ganha a forma de um
temor popular, essa disposição das pessoas modestas de não serem
“passadas para trás”.
Esse cinismo generalizado é o insumo mais ordinário dos discursos
públicos atrás dos quais se esconde sempre a disputa de cargos, de
votos, dinheiro ou petróleo. Menos conservadores e tradicionalistas do
que eles pensam, os ideólogos midiáticos encorajam uma fascinação pelo
momento dedicado unicamente aos espíritos, pois o princípio do cada um
por si não permite, por definição, qualquer mobilização das massas. Isso
deveria nos confortar?
Alain Garrigou é professor de ciências políticas na universidade Paris X-Nanterre. Autor de Histoire sociale du suffrage universel en France [História social do sufrágio universal na França], Paris, Seuil, 2002.
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Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
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segunda-feira, 25 de março de 2013
Alerta aos brasileiros - TODOS À DIREITA ...
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