Nos primeiros quinhentos metros encontramos crianças brincando na
rua: vôlei por cima de um elástico, uma ponta presa na veneziana da
esquerda e a outra num ferro que sobrou no muro inacabado, à direita;
amarelinha no asfalto, riscada com caco de telha, terminando em um céu
todo estrelado, onde as crianças pisavam mesmo sem conhecer o Orestes
Barbosa; um par de tênis servindo de traves para a pelada; meninas e
meninos correndo uns atrás dos outros numa brincadeira que não cheguei a
entender. E lá íamos nós, singrando aquele mar de crianças até sairmos
na outra margem.
Duzentos metros à frente deparamos com um jovem de terno surrado e
gravata berrante. Tinha a testa enrugada, coberta de suor, e um olhar
atônito, como costumam ser as pessoas que vão prestar contas de sua
semana. Levava um livro grosso e preto na mão. Quem sabe um varal cheio
de pecados, na consciência.
Na avenida das Sibipirunas, uma avenida que já visitou esta coluna,
nossa marcha foi interrompida por um velho Opala que saiu do nada, em
alta velocidade, e sumiu em poucos segundos. Em seu interior, um menino
de boné com a aba virada para as costas, provavelmente surdo, porque o
barulho do escapamento aberto não conseguia suplantar o volume de seu
aparelho de som. Você sabe como é o barulho de uma bate-estaca? Assim
mesmo. O garoto ia com pressa de chegar e, chegando, teria pressa de
fazer; começando, viria a pressa de terminar e, terminando, sentiria a
pressa de viver, que é a mesma pressa de morrer. É a isso que eles dão o
nome de “curtir”.
Em um dos quarteirões da avenida, existem apenas três casas. Duas,
separadas apenas por um muro, ficam perto da esquina. A outra, no meio
do quarteirão, vive isolada entre terrenos baldios. Lembro-me vagamente
de que havia um casal sentado no piso da varanda com os pés na calçada. É
uma casinha simples, como simples me pareceram seus moradores, quando
ali passamos pela segunda vez e aquelas presenças me chamaram a atenção.
Domingo à tarde, o almoço digerido, aproveitavam aquela sombra
nebulosa, pois isso não é coisa que se desperdice por aqui. De vez em
quando moviam os lábios, parecendo falar. Uma vez o velhinho coçou o
braço. O domingo se escoava lentamente, e a sensação de que o prazer vai
chegando ao fim parecia não afetá-los. Esperavam, apenas, o fim do dia,
da semana, o fim. Não estavam preocupados com o efeito estufa tampouco
com a crise econômica da Europa. Desfrutavam fisicamente a passagem da
brisa e do tempo.
Cada um, a seu modo, ia em busca de alguma coisa que a gente pode
chamar de felicidade. Quanto a mim, encontrei a minha chegando ao fim
desta crônica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário