A
comunicação alternativa e contra-hegemônica em rede refere-se a um
processo participativo na rede mundial de computadores que envolve
indivíduos e grupos afinados com uma visão politizadora do jornalismo, a
partir do reconhecimento do campo informativo como uma arena marcada
por disputas de sentidos pela hegemonia política e cultural. O fato de a
internet não estar submetida a centros controladores e crivos
midiáticos proporciona uma margem acentuada de liberdade de expressão,
além de favorecer a convergência em torno de ideias, valores e
mobilizações por afinidades eletivas. O ecossistema virtual,
descentralizado e interativo, torna possíveis práticas comunicacionais
que questionam formas de dominação impostas pelas classes e instituições
hegemônicas, sustentadas ideologicamente pela mídia corporativa. Sob
tal prisma, a comunicação é alternativa porque se estrutura para o
trabalho político-ideológico, contrapropõe conteúdos críticos e tem
métodos colaborativos de gestão e formas não mercantis de financiamento.
Essa
concepção põe em relevo a necessidade de se imprimir à produção
jornalística uma direção antagônica à dos grupos midiáticos. O que
significa assumir a opção preferencial pela difusão de informações e
análises que contemplem temas de interesse coletivo e comunitário, numa
perspectiva favorável à expressão de anseios geralmente subestimados ou
interditados nas pautas e coberturas de veículos tradicionais.
Quatro
características distinguem a comunicação alternativa em rede: a)
compromisso com a universalização dos direitos humanos; b) não se impõem
óticas interpretativas únicas na apreciação dos fatos e acontecimentos,
rompendo com a cadeia de subordinação aos crivos ideológicos e
idiossincrasias das corporações midiáticas; c) a dinâmica virtual
estimula trocas e interações; d) seguem-se os princípios inclusivos da
publicação aberta (leitores podem adicionar comentários, textos e fotos)
e do copyleft (permissão para reproduzir informações, desde que
citada a fonte e sem fins lucrativos, evitando as barreiras impostas
pela propriedade intelectual).
Uma
variedade imprevista de modos de criação e veiculação manifesta-se
através da teia multimídia, permitindo transmissões autônomas de
conteúdos em diferentes formatos e linguagens. Incluem-se aí projetos,
experiências e veículos ligados a movimentos sociais, populares e
comunitários, organizações políticas e grupos militantes que se dispõem
ao enfrentamento do sistema capitalista e à construção de modelos de
desenvolvimento inclusivos e socializantes. Portanto, não há caminhos
únicos, e sim percursos a serem explorados conforme peculiaridades
socioculturais, habilidades técnicas, especializações, focos variáveis e
correlações de forças específicas. Para isso, os meios alternativos
utilizam-se de redes sociais, blogs, listas de discussão e correio
eletrônico para disseminação de ideias, convocatórias de eventos e
campanhas, interações e permutas de dados, imagens e arquivos sonoros.
Tudo isso facilitado por conexões infoeletrônicas e tecnologias móveis
que desfazem barreiras geográficas e instituem formas mais ágeis de
contato, entrosamento e articulação.
Tais
projetos comunicacionais não se esgotam no plano informativo em sentido
estrito e estabelecem vínculos com o ativismo contra-hegemônico, visto
que esse tipo de elaboração informativa tem afinidades programáticas e
entrecruzamentos com o conjunto mais amplo dos organismos reivindicantes
da sociedade civil. Trata-se de transcender o âmbito comunicacional
para associar-se a projetos de transformação da sociedade, o que só se
revelará viável se os protagonistas envolvidos – os veículos e seus
jornalistas e colaboradores – adotarem padrões informativos capazes de
traduzir coerentemente os pressupostos editoriais.
Nessa
vertente, as ações comunicacionais contra-hegemônicas atuam como
ferramentas para a comunicação no campo popular, sem deixar de lado a
militância social, ficando implícito que jornalistas e/ou comunicadores
devem estar alinhados com forças sociais empenhadas nas batalhas pela
democratização da palavra e da informação. A ampla variedade de
iniciativas de comunicação alternativa em rede expressa a
heterogeneidade de movimentos, organismos, grupos e coletivos
provenientes de diferentes lugares e contextos, com singulares
acumulações de experiências e leques de propósitos. Mas os participantes
compõem, com ritmos e ênfases peculiares, o mesmo campo: o da oposição
ao domínio dos conglomerados midiáticos e à mercantilização da vida e da
informação. Repõem, ainda que com raio de abrangência muito inferior à
dos meios massivos, a circulação social de conteúdos críticos, com o
intuito de fecundar contrassentidos e reinterpretações de fatos e
acontecimentos.
A despeito
de tais potencialidades, cabe problematizar algumas questões. O
aprofundamento da comunicação contra-hegemônica em rede vai depender de
plataformas tecnológicas mais evoluídas, de maior compartilhamento de
ações convergentes e de sustentabilidade econômica. São pilares de
sustentação para que se possa diversificar e intensificar a distribuição
e o intercâmbio de conteúdos em múltiplos e simultâneos pontos da rede.
Admitamos
ser relativamente reduzida a ressonância da comunicação alternativa em
rede no conjunto da sociedade. Seria o caso, desde logo, de perguntar:
como concorrer com as infernais máquinas de produção simbólica que se
fundamentam na alarmante concentração monopólica da mídia? De modo
geral, a penetração dos meios contra-hegemônicos que vicejam na internet
é expressiva em setores mais organizados, formadores de opinião e
segmentos politizados. Prováveis motivos: inadequação de linguagens ou
de formatos, discursos excessivamente ideológicos, baixa penetração da
internet em zonas populacionais carentes, etc. Daí ser necessário
debater, definir e tentar executar políticas de comunicação eletrônica
mais eficientes e incisivas, com o aproveitamento de todos os meios e
metodologias de divulgação disponíveis, como, por exemplo, boletins
eletrônicos, eventos que atraiam a atenção de novas audiências,
estratégias ousadas para redes sociais e maior integração das
experiências dispersas ou concomitantes em plataformas comuns de
difusão.
Outro
obstáculo a superar é a infoexclusão de populações de baixa renda. O
universo de usuários, por mais que venha aumentando exponencialmente,
não corresponde à totalidade social, que é contraditória e desigual. Há
grave assimetria entre o crescimento das fontes tecnológicas de
informação e a capacidade de inclusão da base da sociedade nos novos
cenários. A universalização dos acessos depende de políticas públicas
que expandam os usos sociais, culturais, educativos e políticos das
tecnologias; do desenvolvimento de infra-estruturas de rede em banda
larga; de investimentos e fomentos públicos permanentes; do barateamento
de custos teleinformáticos; de formação educacional condizente, entre
outros quesitos.
Por fim,
mesmo considerando promissor o alargamento dos espaços para a
disseminação de informações veraz e plurais, em bases não
mercantilizadas, seria uma ilusão crer que a internet possa suplantar o
poderio midiático. É uma variante a mais na intrincada batalha das
ideias na arena da comunicação. Sabemos que a rede não escapa de
ambiguidades e ambivalências. Basta verificar os contrastes entre o
ativismo anticapitalista, a explosão de blogs e páginas em redes sociais
e a obsessão por ganhos dos mercados financeiros on line e do comércio eletrônico.
É importante
realçar ainda que a valorização da comunicação alternativa em rede não
significa, em absoluto, substituir o mundo vivido pela realidade
virtual. Imaginar o contrário seria aceitar ou convalidar impulsos
voluntaristas que subestimam mediações sociais e mecanismos consagrados
de representação política. As mobilizações presenciais seguem sendo
insubstituíveis, porém podem ser reforçadas pelas ferramentas virtuais,
como parte da longa luta por direitos sociais, políticos e culturais da
cidadania.
* Este texto baseia-se em reflexões que desenvolvo no meu livro Mídia, poder e contrapoder, a ser lançado brevemente pela Boitempo Editorial.
***
Dênis de Moraes é
professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF
e pesquisador do CNPq e da FAPERJ. Autor de mais de 20 livros
publicados no Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba, entre os
quais Vozes abertas da América Latina (2011), La cruzada de los medios en América Latina (2011), Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital (2010), A batalha da mídia (2009), Cultura mediática y poder mundial (2006), Sociedade midiatizada (2006) e Por uma outra comunicação (2003).
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