No texto As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem,
redigido por György Lukács no início de 1968, o filósofo marxista
húngaro observou que “o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do trabalho é
uma de suas características ontológicas; disso resulta que, ao se
constituir, o trabalho chama à vida produtos sociais de ordem mais
elevada”. E, salienta ele, “talvez a mais importante dessas
diferenciações seja a crescente autonomização das atividades preparatórias,
ou seja, a separação – sempre relativa – que, no próprio trabalho
concreto, tem lugar entre o conhecimento, por um lado, e, por outro, as
finalidades e os meios”. [o grifo é nosso]
Na verdade,
com o desenvolvimento da divisão social do trabalho, processo que torna a
sociedade cada vez mais social, temos o aperfeiçoamento e diferenciação
da divisão do trabalho numa escala ampliada, acarretando não apenas na
separação de campos autônomos de conhecimento (por exemplo, a
matemática, a geometria, a física, a química, etc. eram originariamente
partes, momentos desse processo preparatório do trabalho), mas no
surgimento de uma nova modalidade de trabalho humano; ou seja, o
trabalho humano não trata apenas de elaborar fragmentos da natureza de
acordo com finalidades humanas, mas ao contrário, como diz Lukács, “um
homem (ou vários homens) é induzido a realizar algumas posições teleológicas segundo um modo pré-determinado” [o grifo é nosso].
Portanto,
surge o que denominamos “trabalho ideológico”, uma modalidade de
trabalho humano constituído, em seu momento predominante [übergreifendes Moment], por posições teleológicas secundárias,
isto é, ação social que visa induzir um homem (ou vários homens) a
realizar algumas posições teleológicas segundo um modo pré-determinado,
encontrando, deste modo, meios que garantam a unitariedade finalística
por mais que possa ser diferenciada a sua divisão do trabalho. Como
observou Lukács, a partir do momento em que surgiu a divisão do
trabalho, essas novas posições teleológicas tornam-se “um meio
indispensável em todo trabalho que se funda sobre a divisão do
trabalho”. (Lukács observa que essa nova forma de posição teleológica se
manifestava originariamente, por exemplo, na caça, portanto mesmo antes
que o trabalho houvesse atingido sua explicitação plena e intensiva).
Com a
diferenciação social de nível superior, com o nascimento das classes
sociais com interesses antagônicos, esse tipo de posição teleológica –
as posições teleológicas secundárias – tornam-se a base
espiritual-estruturante do que o marxismo chama de ideologia; e ao mesmo
tempo, sua função social autonomiza-se do próprio trabalho produtivo,
tornando-se atividades sociais ou “profissões” imprescindíveis à
reprodução social. A natureza do “trabalho ideológico” incorpora como
sua base espiritual-estruturante, a ideologia como posição teleológica secundária, isto é, a
ação dos homens sobre outros homens, sobre suas consciências, para pôr
em movimento posições teleológicas desses mesmos homens, seja no sentido
de conservar, seja no sentido de transformar a realidade existente.
Com o “recuo
dos limites naturais” que caracteriza o processo civilizatório, isto é,
com a diminuição do tempo de trabalho socialmente necessário à
reprodução dos homens e um processo de reprodução cada vez mais
nitidamente social, crescem as modalidades de “trabalho ideológico” na
esfera da reprodução social e inclusive da própria produção social.
Vejamos por exemplo, a importância da gestão como meio capaz de garantir
a unitariedade finalística na preparação e execução do trabalho produtivo. Com a maquinofatura,
a nova forma social da produção do capital no século XXI, o “trabalho
ideológico”, a ação dos homens sobre os próprios homens, tornou-se
imprescindível não apenas para a reprodução social, mas também para a
organização da produção de mercadorias. Por exemplo, o espírito do
toyotismo implica a formação de agentes sociais internos e externos à
produção do capital, verdadeiros “profissionais” da manipulação, capazes
de exercer uma ação sobre outros homens visando estimular o engajamento
nas equipes de trabalho e consecução das metas de produção. Para isto,
mobilizam-se sistemas de signos adequados para a “captura” da
subjetividade do homem-que-trabalha. Esta ação social orientada à
transformação de outros homens visando o “engajamento estimulado” na
produção do capital é o trabalho da gestão e controle, uma modalidade de
“trabalho ideológico” cada vez mais imprescindível na produção do
capital.
Portanto, a
natureza do “trabalho ideológico” implica ação do homem sobre outros
homens, caracterizando hoje o traço essencial e momento predominante de
uma série de trabalhos humanos e ocupações profissionais que constituem o
mundo do trabalho. Temos, por exemplo, o trabalho do professor, o
trabalho do vendedor, o trabalho do médico, o trabalho do assistente
social, e inclusive o trabalho do juiz, etc., modalidades profissionais
do “trabalho ideológico” que constitui a “sociedades de serviços”.
O “trabalho
ideológico” como trabalho concreto se distingue do trabalho produtivo,
embora o trabalho produtivo esteja, hoje, cada vez mais impregnado de
trabalho ideológico, tendo em vista que tornou-se fundamental na
produção não apenas a ação dos homens sobre os objetos de trabalho mas a
ação dos homens sobre outros homens (no caso da produção de
mercadorias, temos a “captura” da subjetividade do trabalho pelo
capital). Mesmo o trabalho do bancário e o trabalho do comerciário, por
exemplo, exigem cada vez mais a incorporação do “trabalho ideológico”
como ação do homem sobre outros homens capaz de garantir a eficácia nos
resultados da produção.
Uma
concepção empirista de trabalho tende a reduzi-lo meramente a trabalho
produtivo, isto é, o trabalho voltado para a transformação da natureza
pelo homem. De Bacon a Marx, as definições de trabalho põem em destaque a
transformação da natureza pelo homem. Diz Georges Friedman: “A
transformação da natureza é orientada para uma finalidade essencial: o
seu domínio pelo homem, seu “senhor e possuidor” (Descartes), a
assimilação da sua matéria (transformada em objetos e depois em
produtos) para servir a necessidades humanas.” Em Marx, o conceito
empirista de trabalho aparece quando ele diz mais ou menos textualmente a
propósito do processo de transformação dos objetos em produtos do
trabalho: “O processo se extingue no produto, isto é, num valor de uso,
matéria natural assimilada às necessidades humanas por uma mudança de
forma”.
O trabalho produtivo é formado predominantemente por posições teleológicas primárias,
com o homem criando um novo objeto e, ao mesmo tempo, se reconhecendo
como sujeito frente ao objeto por ele criado, dando início ao próprio
processo de exteriorização. Neste sentido, o trabalho produtivo não só
cria um novo ser como cria a si mesmo como ente humano genérico.
É importante
esclarecer que o conceito de trabalho produtivo que utilizamos aqui
está numa perspectiva sócio ontológica: o trabalho produtivo que se
distingue do “trabalho ideológico” diz respeito, nesse caso, à forma material da atividade laborativa e não propriamente à sua forma social,
isto é, trabalho produtivo na perspectiva sócio ontológica é o trabalho
concreto que produz valores de uso. Por outro lado, na perspectiva
sócio histórica, sob o modo de produção capitalista, trabalho produtivo é
todo trabalho que produz mais-valia, não importando sua forma material;
isso porque, como iremos verificar mais adiante, atividades
profissionais que têm como base espiritual estruturante o “trabalho
ideológico” – como, por exemplo, o trabalho do professor – podem ser
consideradas, sob determinadas condições, trabalho produtivo, na medida
em que produzem mais-valia.
Entretanto,
numa perspectiva sócio ontológica, podemos conceber historicamente o
trabalho humano para além da concepção empirista que o reduz a trabalho
produtivo. A atividade social caracterizada pelo agir sobre os próprios
homens, sobre suas consciências, para pôr em movimento posições
teleológicas desses mesmos homens, seja no sentido de conservar, seja no
sentido de transformar a realidade existente, também é trabalho – é o
que denominamos de “trabalho ideológico”, o trabalho que tem como base
espiritual estruturante posições teleológicas secundárias que articulam, por meio da ideologia, as funções da reprodução dos indivíduos e da sociabilidade.
Enquanto a posição teleológica primária, que caracteriza a natureza do trabalho produtivo, trata do intercâmbio com a natureza, a posição teleológica secundária,
que caracteriza a natureza do “trabalho ideológico”, diz respeito à
influência sobre as posições teleológicas de outros homens, pondo em
movimento homens, forças etc.; o que significa que a posição teleológica
não pode jamais ter um caráter puramente ideal. Nas posições teleológicas secundárias
– e aqui convém esclarecer que o fato de serem secundárias significa
atos fundados, derivados do trabalho produtivo propriamente dito,
essenciais para a reprodução social e, portanto, de modo nenhum menos
importantes – o objeto da posição do fim é o homem, suas relações, suas ideias, seus sentimentos, sua vontade, suas aptidões.
Assim, o “trabalho ideológico”, no sentido lukacsiano, trata-se de um
campo “qualitativamente mais oscilante, ‘doce’, imprevisível,
significando que, na ação dos homens sobre outros homens, a resistência e a imprevisibilidade das reações do próprio homem ampliam o grau de dificuldade do conhecimento em relação à dificuldade do conhecimento da objetividade natural, típica das posições do trabalho.
É importante
salientar que todo trabalho humano – trabalho produtivo ou “trabalho
ideológico” – é formado por posições teleológicas (Lukács): posições teleológicas primárias e posições teleológicas secundárias. O ato consciente de pôr que caracteriza o trabalho humano como modelo de práxis social, implica tanto posições teleológicas primárias quanto posições teleológicas secundárias,
elementos pressupostos do processo que vão marcar o homem como espécie
diferenciada. Entretanto, o “trabalho ideológico” é o trabalho humano
que se caracteriza pela predominância da posição teleológica secundária, a ação do homem sobre outros homens que se utiliza de uma cadeia de mediações cada vez mais articuladas.
O “trabalho ideológico”, como trabalho de mediação implica a utilização de um tipo particular de elemento mediador: o signo.
O psicólogo soviético Lev Vygotsky observou que a relação do homem com o
mundo não é uma relação direta, mas, fundamentalmente, uma relação
mediada. Ele distinguiu dois tipos de elementos mediadores: os
instrumentos e os signos.
O instrumento
é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu
trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza pelo
homem. O instrumento é o elemento mediador do trabalho como transformação da natureza pelo homem. Enquanto os instrumentos
são elementos externos ao individuo, voltados para fora dele e cuja
função é provocar mudanças nos objetos e controlar processos da
natureza, os signos – o outro elemento mediador da relação do
homem com a natureza – são orientados para o próprio sujeito, para
dentro do individuo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja
do próprio individuo, seja de outras pessoas. Os signos, chamados
por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”, são ferramentas que
auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas, como os
instrumentos.
O trabalho
como categoria ontológica fundante (e fundamental) do ser social, é
formado por posições teleológicas que, em cada oportunidade, põem em
movimento séries causais; ele implica tanto instrumentos quanto signos, elementos de mediação das posições teleológicas compositivas do processo de trabalho (posições teleológicas primárias e posições teleológicas secundárias). Todo trabalho humano, inclusive o “trabalho ideológico”, implica a articulação de instrumentos e signos. Entretanto, no caso do “trabalho ideológico”, os signos tornam-se essenciais para a realização da posição teleológica secundária: a ação sobre outros homens.
Na medida em
que se desenvolve a sociedade de serviços e amplia-se a escala dos
conflitos sociais, o “trabalho ideológico”, formado por posições teleológicas secundárias,
constitui hoje amplamente a esfera das ocupações profissionais
vinculadas à reprodução e controle social. O “trabalho ideológico”
constitui hoje a natureza material de diversas ocupações profissionais
no interior da divisão social do trabalho. Por exemplo, ele caracteriza o
trabalho de formação e informação (professores e jornalistas), o
trabalho de regulação e normatividade (juízes e policiais), o trabalho
de convencimento (publicitários), o trabalho do cuidado (médicos,
enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais), etc.
O conjunto
de profissões do mundo do trabalho que representam hoje o “trabalho
ideológico” sob o modo de produção capitalista estão impregnadas de
alienação/estranhamento. Primeiro, elas são exercidas como meio de vida
no quadro social do sistema de necessidades e incorporam a lógica do
trabalho assalariado, isto é, trabalho heterônomo. Depois, com a
ampliação dos conflitos sociais e a necessidade de controle social, o
conjunto de profissões que representam o trabalho ideológico torna-se um
campo através do qual os homens tornam-se conscientes desses conflitos e
neles se inserem mediante a luta. Finalmente, enquanto modalidades de
trabalho assalariado no setor privado ou setor público, elas são regidas
pela lógica do trabalho abstrato, subsumindo-se diretamente ou por
derivação, aos parâmetros de produtividade.
Na verdade,
nas sociedades de classes sociais com interesses antagônicos, o
“trabalho ideológico” assume, cada vez mais, caráter manipulatório.
Nesse caso, a ideologia aparece como recurso sistêmico de
controle/manipulação social (é o sentido negativo de ideologia como
falsa consciência). Portanto, na medida em que a forma material do
“trabalho ideológico” se impregna da forma social da produção do
capital, as modalidades de “trabalho ideológico” incorporam diretamente
ou por derivação, o sentido do trabalho capitalista como trabalho
estranhado (daí o problema da precarização do trabalho de categorias
assalariadas do serviços e da administração pública).
A sociedade
do capital sob o capitalismo manipulatório aparece cada vez mais como
“sociedade de serviços”, tendo em vista que os serviços, principalmente
aqueles que têm como base espiritual estruturante o “trabalho
ideológico”, são formas materiais adequadas para o exercício da
manipulação que, como posição teleológica secundária socialmente
condicionada pelos interesses da reprodução social do sistema do capital
(nas áreas do consumo, lazer e inclusive, política), torna-se traço
essencial do metabolismo social da modernidade burguesa.
Com o
capitalismo global, todas as formas de trabalho humano impregnam-se
diretamente ou por derivação, da forma social do trabalho estranhado,
não importando se o trabalho humano concreto é, no plano da forma
material, “trabalho produtivo” ou “trabalho ideológico”, ou ainda, no
plano da forma social, se é “trabalho produtivo” ou “trabalho
improdutivo”. O que é relevante na perspectiva da ontologia do ser
social é a vigência do trabalho estranhado como forma social de
subsunção do trabalho vivo à lógica do trabalho abstrato. Por isso, o
“trabalho ideológico” hoje assume a forma de trabalho ideológico
impregnado de alienação/estranhamento ou ainda trabalho ideológico como
forma de trabalho abstrato.
O “trabalho
ideológico” das profissões vocacionadas, exige do homem-que-trabalha,
cuidado, abnegação e doação (como, por exemplo, o trabalho do formador
ou o trabalho assistencial). Entretanto, na sociedade do capital em sua
etapa de crise estrutural, o “trabalho ideológico” impregna-se da lógica
do trabalho estranhado. Na medida em que a forma material do “trabalho
ideológico” impregna-se da forma social do capital, caracterizada pelo
trabalho estranhado, constitui-se uma implicação subjetiva de natureza
perversa.
Por um lado,
temos, por exemplo, o “trabalho ideológico” como trabalho do cuidador
ou trabalho do formador, que, pela sua própria natureza material,
envolve a pessoa humana que trabalha, pois implica em cuidar de outras
pessoas com dedicação e doação pessoal, como é o caso do trabalho do
formador; ou ainda do trabalho de outras profissões como médicos,
enfermeiros e assistentes sociais. Entretanto, por outro lado, na medida
em que a lógica do capital impregna a relação laboral das profissões
vocacionadas, o “trabalho ideológico” impregnado de estranhamento desefetiva
o ser genérico do homem, “intoxicando” a vida pessoal, reduzindo tempo
de vida a tempo de trabalho estranhado, corroendo o campo de
desenvolvimento humano. É por isso que constatamos hoje entre
profissionais do “trabalho ideológico” a crescente ocorrência da
síndrome de burn-out nas situações de adoecimentos. O termo burn-out
que quer dizer “combustão completa”, caracteriza-se pelo esgotamento
emocional, despersonalização e baixa realização pessoal. Esta forma de
adoecimento dissemina-se, por exemplo, não apenas entre trabalhadores da
educação, mas entre todas as categorias profissionais assalariadas que
exercem o “trabalho ideológico”, isto é, a modalidade de trabalho humano
que implica por completo a subjetividade humana na medida em que possui
como base espiritual estruturante, a ação do homem sobre outros homens.
Uma das
características cruciais do “trabalho ideológico” como trabalho humano
concreto é implicar, de modo radical, a subjetividade do
homem-que-trabalha com sua atividade laboral. Na medida em que o capital
incorpora, de modo amplo na lógica do trabalho abstrato, as mais
diversas modalidades de ocupações profissionais dos serviços – educação,
saúde, justiça, segurança pública, etc. – dissemina-se, ampla e
intensamente, o fenômeno social do estranhamento expressa na
precarização do homem-que-trabalha.
A
disseminação do toyotismo como ideologia orgânica da gestão capitalista e
a presença do espírito do toyotismo na gestão do processo de trabalho
de amplas camadas assalariadas, não apenas do mundo da produção, mas
também dos serviços e administração pública, contribuem efetivamente
para a afirmação da perversidade como característica do ethos da gestão capitalista do trabalho humano.
A rigor, a
“captura” da subjetividade do trabalho pelo capital, nexo essencial do
toyotismo, é um modo perverso de implicação humana estranhada, pois, ao
mesmo tempo em que envolve emocional e afetivamente o trabalhador assalariado com o conteúdo material da atividade laboral, o desefetiva
radicalmente como ser humano-genérico na medida em que impõe os
parâmetros do trabalho abstrato. Ao mesmo tempo em que o trabalhador
assalariado da indústria, serviços e administração pública são
envolvidos subjetivamente com o trabalho concreto (inclusive no plano
linguístico locucional ao serem tratados como “colaboradores”), eles são
desefetivados como seres humanos genéricos na medida em que reduzem seu tempo de vida à tempo de trabalho abstrato.
Este
processo de estranhamento assume dimensões radicalmente perversas no
caso das modalidades de trabalho ideológico onde a matéria social do
trabalho concreto é a ação do homem sobre outros homens (o que significa
que o modo de gestão estranhada aparece como “manipulação reflexiva”, a
forma de manipulação da subjetividade do homem-que-trabalha nas
condições do capitalismo global, o capitalismo flexível sob hegemonia do
espírito do toyotismo).
Na verdade, o
problema da “invasão” do tempo de vida pessoal pelo tempo de trabalho
abstrato que impregna a atividade laboral, é o principal problema do
estranhamento nas ocupações profissionais que possuem a natureza
material do “trabalho ideológico”.
Primeiro, a
natureza material do “trabalho ideológico”, caracterizada pelo “trabalho
imaterial” das profissões vocacionadas ou atividades laborais que
envolvem a subjetividade humana por completo, na medida em que sua base
espiritual estruturante é a ação do homem sobre outros homens,
contribui, em si e para si, para a permeabilidade entre
tempo de trabalho e tempo de vida. Na medida em que o “trabalho
ideológico” impregna-se da lógica do trabalho abstrato, trabalho
heterônomo alienado ou trabalho humano subordinado constitui-se
efetivamente a “invasão” (ou redução) do tempo de vida pessoal (o
tempo-para-si) em tempo de trabalho estranhado (ou tempo-para-outro).
Nesse caso, ao invés do trabalhador assalariado tornar-se “patrão de si
mesmo”, com suposta margem de “autonomia” (ou “autonomação”, no léxico
toyotista), ele torna-se irremediavelmente, por conta da manipulação
reflexiva, “carrasco de si mesmo”.
Por exemplo,
a implicação perversa do “trabalho ideológico”, modalidade de trabalho
humano concreto que caracteriza as atividades laborais responsáveis pela
reprodução social, é bastante visível no caso do trabalho de formação
dos professores e professoras como profissionais imersas em sua “criação
pedagógica”. Primeiro, o trabalho das professoras é “trabalho
ideológico”, que, em si mesmo, possui uma dimensão invasiva tendo em
vista que o artífice (ou profissional) não distingue trabalho de vida e
vida de trabalho. Enfim, o profissional encontra satisfação (perversa)
na implicação criativa do “trabalho ideológico”.
Entretanto, o
problema não reside na “implicação criativa” do binômio
trabalho-vida/vida-trabalho, mas sim, na impregnação do “trabalho
ideológico” (o trabalho da ação do homem sobre outros homens), pela
lógica do trabalho abstrato, com sua dimensão desumana e alienada:
trabalho-para-outro e trabalho subordinado à lógica do capital com suas
personificações estranhadas (mercado e Estado político). Na verdade, o
trabalho estranhado encontra no “trabalho ideológico”, o veículo ideal
para invadir espaços vitais dos artífices ou profissionais alienados do
século XXI.
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