Quarenta dias após lançamento do partido de Marina Silva, dois textos
debatem, a partir de distintas perspectivas, seu sentido. Por Inês Castilho e José Roberto Cabrera
A rede e o anzol
Há um silêncio ensurdecedor no documento que funda novo partido: critica-se insustentabilidade, mas não as relações sociais que a provocam
Por José Roberto Cabrera*
Nosso
sistema partidário evoluiu ao longo das últimas décadas transitando de
um bipartidarismo domesticado a um multipartidarismo insosso. O esforço
empreendido por algumas lideranças políticas, sob iniciativa de Marina
Silva, na criação da #Rede Sustentabilidade merece algumas reflexões,
para não cairmos no maniqueísmo dominante entre os principais partidos
brasileiros e no pensamento político rasteiro.
Ainda
que não se deva julgar as pessoas e as organizações pelo que elas
pensam de si próprias, o anúncio de suas intenções, os programas
propostos e o espaço desejado de inserção revelam os possíveis caminhos
que devem ser trilhados no futuro.
A
#rede, como se autorefere, reúne pessoas e grupos oriundos de outros
partidos e organizações. Seu manifesto e estatuto propõem reinventar a
política brasileira, recuperar o caráter republicano e democrático, num
modelo de organização mais horizontal e aberta, procurando congregar a
diversidade em torno de uma ação ética e transformadora da prática
política tradicional, clientelista e privatista.
Os
documentos aprovados, no encontro de 16 de fevereiro de 2013, e
registrados em cartório exaltam a necessidade de renovação da política,
da gestão do Estado e das conexões entre os cidadãos e seus
representantes numa teia viva de interações capazes de construir um novo
projeto de desenvolvimento baseado na sustentabilidade, a inclusão a
diversidade e a igualdade, levando em conta a “ética da urgência”.
Os
fundadores da #rede propõem algumas mudanças no funcionamento do novo
partido como, por exemplo, a limitação das doações de campanha, a
proibição da aceitação de doações de empresas de armas, cigarros,
bebidas e agrotóxicos, além de permitirem as “candidaturas cívicas
independentes”, de pessoas com compatilibidade programática, mas não
filiadas à #rede.
Ainda
que a ideia de rede seja interpretada como algo vivo e não hierárquico,
o estatuto da #rede escorrega e não foge das normas legais acerca das
atribuições de cada esfera organizacional. Ao mesmo tempo, os mecanismos
ditos inovadores indicam problemas incontornáveis, como o fato de a
legislação vigente (lei 9504, art. 9º) não permitir a eleição de cidadão
que não seja filiado a um partido político.
Note-se
que a exclusão de alguns setores do processo de doação de campanha
(armas, cigarro, bebidas e agrotóxicos), além de pouco eficaz não aborda
de frente alguns problemas apontados nos documentos aprovados. Embora o
item que regulamente as doações sugira que caso existam contradições
entre os princípios que orientam a #rede e as atividades dos doadores
elas devem ser suprimidas, a abordagem desse tema aponta ou a submissão à
lógica mercantil vigente, da economia verde, ou o escancaramento de
conflitos de grande monta.
Por exemplo, o deputado do PSDB de São Paulo, agora na #rede, Walter Feldman, declarou
à justiça eleitoral que dos quase 4 milhões de reais recebidos em
doações em 2010, metade foi oriunda de empresas ligadas ao mercado
imobiliário (Bélgica, Multiplan, Wtorre), à construção civil (OAS,
Camargo Corrêa), à indústria química (Suzano, Bandeirante, Votorantim), e
de papel e celulose (Klabin).
Não
que o setor da construção civil e da indústria química sejam, por si
sós, ética e moralmente condenáveis em função de suas atividades. Mas o
indicador de que a #rede propõe um novo modelo de desenvolvimento
baseado na ecologia, na sustentabilidade, na inclusão fatalmente
colocará em xeque o modelo sobre o qual tais empresas estão alicerçadas.
Sobre
a questão programática e ideológica, ainda que não tenhamos em mãos um
programa para ser analisado, o manifesto de fundação é pouco preciso,
para não dizer ambíguo, em relação a diversos temas. Não precisamos de
uma armadura que nos amarre a algum campo, mas achar que a dualidade
entre direita e esquerda está superada é de um modismo perigoso.
Não
que compartilhemos desse maniqueísmo que assenta o PT e o PSDB de cada
lado do espectro partidário, ainda que a prática tenha mostrado que isso
não seja tão real, mas os limites são claros em não indicar opiniões
acerca dos debates ideológicos. Não assumir uma referência política
poderia até refletir o desgaste que essa polarização passou, mas não ter
um posicionamento indica a permanência de contradições e conflitos no
interior da #rede que provavelmente irão se manifestar em breve.
Num
sistema partidário como o nosso, onde o número de partidos está
descolado da real diversidade política e ideológica, o surgimento de uma
nova iniciativa desse tipo deve ser bem-vindo, em particular se a
crítica se transformar em movimento em direção a algo novo, capaz de
superar os fisiologismos e os sectarismos inerentes ao nosso espectro
político partidário – mas que tal movimento não nos faça esquecer de
suas contradições fundantes, as quais podem limitá-lo na origem.
Por
exemplo, definir a premissa da sustentabilidade como eixo sem realizar
uma crítica radical sobre a lógica de funcionamento do capitalismo é
abrir espaço para diversas contradições.
“Todos
os setores da sociedade devem se comprometer com a preservação
ambiental e, ainda, responder às necessidades da população global, que
deve chegar a 9 bilhões de pessoas até 2050.”(…) “É preciso um esforço
conjunto, com diferentes pontos de vista, para tomadas de decisão que
enfrentem este grande desafio do século 21”. Esse texto poderia compor o leque de reflexões apresentadas pela #rede, no entanto faz parte do sitio da empresa Monsanto, líder do setor de agrotóxicos e transgênicos no Brasil.
Na
prática, a #rede assenta-se muito mais numa perspectiva de crítica
ética e moral que, propriamente, numa análise concreta acerca dos
padrões de reprodução do capital. A lógica de funcionamento do sistema
de reprodução de valores de troca, ou seja, de produção de mercadorias
tendendo ao infinito e que exige, para isso, a ampliação das fontes
energéticas e de matérias-primas, numa escalada incompatível com as
bases materiais de que dispomos no planeta, não é atacada pela #rede.
Não
é possível contestar a sociedade de consumo instituída sem atacar os
mecanismos que a mantém funcionando e se reproduzindo. Esse talvez seja
“o silêncio ensurdecedor” do texto fundador da #rede. Pode até ser que
estejamos colocando o carro na frente dos bois, mas não podemos deixar
pra apontar essas limitações quando o carro começar a descer a ladeira e
só tivermos um anzol para segurá-lo.
–
José Roberto Cabrera é mestre e doutor em Ciência Política Unicamp, Professor Esanc e Unip Campinas-SP
José Roberto Cabrera é mestre e doutor em Ciência Política Unicamp, Professor Esanc e Unip Campinas-SP
O caminho, ao caminhar
Rede pode não ter projeto para novo sistema histórico. Mas descobriu que para chegar a tanto será preciso nova democracia
Por Inês Castilho
Novas ideias buscam renovar os ares na política brasileira. Alinhadas
a algumas tendências mundiais, que tateiam caminhos para além da
política tradicional, corroída por seus vícios, elas vêm tecer um fio de
esperança quando os ouvidos de Brasília se fazem mais moucos – como ao
recusar-se a escutar a voz das ruas contra Renan Calheiros na
presidência do Senado. Mas haverá, no jogo duro da política, lugar para a
transparência, o diálogo, a participação – valores prometidos pela Rede
Sustentabilidade, de Marina Silva? Depois do PT dos primórdios, é a vez
de outro partido protagonizar o embate entre idealismo e pragmatismo.
Lançada em Brasília dia 16 de fevereiro por cerca de 1,5 mil
seguidores – uma diversidade de ativistas, intelectuais, políticos,
educadores, estudantes, religiosos –, muitos do quais se deslocaram por
conta própria até o Cerrado, a Rede foi construída em torno de Marina
Silva. Nome que é um símbolo, no país e fora dele, pela origem, pela
trajetória, pelo gênero, tendo como eixo o aprofundamento da democracia e
a sustentabilidade – econômica, social, ambiental, política e cultural.
Ninguém segura uma ideia cujo tempo chegou”, repete Marina, como um
mantra. Nascida em 8 de fevereiro de 1958 e criada no seringal Bagaço, a
70 quilômetros de Rio Branco, no Acre, Maria Osmarina Marina Silva Vaz
de Lima foi companheira de luta de Chico Mendes, vereadora, deputada
estadual, senadora e ministra – sempre pelo PT –, e candidata a
presidente da República pelo PV. Depositária de esperanças pela ética na
política, recolhe no lançamento da Rede gente de (quase) todo o
espectro político.
Compareceram ao lançamento do futuro partido pessoas originárias do
PT, PSOL, PV, PPS, PSDB e PMDB de mais da metade dos estados do País. A
diversidade marca também os que têm mandato político: Domingos Dutra,
deputado federal quilombola pelo PT do Maranhão, ferrenho opositor da
família Sarney; Ricardo Young, vereador pelo PPS-SP, uma voz do
empresariado dito progressista; Alfredo Sirkis, fundador e deputado
federal pelo PV do Rio de Janeiro; Walter Feldman, deputado federal pelo
PSDB paulista e até outro dia serrista roxo; e Heloísa Helena,
ex-companheira de Senado pelo PT, hoje vereadora de Maceió pelo PSOL
alagoano. Evangélica como Marina, foi dela que a ex-senadora do Acre
mais se aproximou, de mãos dadas, na abertura do evento. “Na vertigem, a
gente busca uma borda para se apoiar”, repete Marina.
O lançamento de um partido cujos fundamentos são a democracia e a
causa socioambiental foi também aplaudido por artistas como Fernando
Meirelles, Gilberto Gil, Wagner Moura, Marcos Palmeira e Lenine. “A Rede
são redes”, poematiza Arnaldo Antunes. No círculo mais próximo da
provável candidata presidencial em 2014, estão nomes como o da educadora
Maria Alice (Neca) Setúbal, herdeira do banco Itaú; Guilherme Leal,
copresidente do conselho de administração da Natura; João Paulo
Capobianco, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS); Pedro Ivo
de Souza Batista, da Associação Terrazul; o economista Eduardo Giannetti
da Fonseca; e o professor da USP Ricardo Abramovay.
A Rede se origina do Movimento por uma Nova Política (MNP), os
Sonháticos, criado na vazante das eleições de 2010 – quando os 19
milhões de votos de Marina, então PV, levaram a disputa entre PT e PSDB
ao segundo turno. Com a desfiliação de Marina e seus seguidores do PV, o
MNP foi tecido em sites, no Facebook e no Twitter. Ativistas do MNP já
haviam criado em 2009 o IDS, que se mobilizou no FlorestaFazaDiferença,
organizou rodas de conversa sobre democracia e sustentabilidade,
pesquisou educação, juventude e política cidadã.
“Um dos eixos conceituais desse movimento é o de ativismo autoral1,
turbinado pelas redes sociais, sem participação direta em instituições. A
Rede pretende estimular esse ativismo”, diz o sociólogo André
Takahashi, ele mesmo um ativista socioambiental que integra a Comissão
Executiva Nacional do futuro partido. Desde 2000 no movimento
anticapitalismo global, Taka, como é conhecido, circula próximo aos
coletivos Fora do Eixo, Matilha Cultural, Casa de Cultura Digital e
ExisteAmoremSP.
Base social
Pesquisa recente do Datafolha revela que continuam fiéis a Marina os
19 milhões de votos que ela recebeu em 2010. José Eli da Veiga,
professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e do Instituto
de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), considera que, além da causa ambiental,
existam outras motivações para esse apoio. “Há um número grande de
evangélicos, a fração que valoriza sua ética e coerência, mas muitos
católicos também. E talvez uma base que tem com ela identidade de
classe, como a população tem com o Lula”, arrisca.
Criticada pela proximidade com uma elite, a Rede tenderia a atrair
forças conservadoras e progressistas, na opinião de Marco Antonio
Carvalho Teixeira, professor da Escola de Administração de Empresas de
São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp-FGV). “Apenas um projeto
político, que ainda não foi apresentado à sociedade, pode unir essas
forças. É um projeto ecológico, de ecodesenvolvimento? É preciso
defini-lo, pois só assim a Rede vai conseguir justificar a diversidade e
ser capaz de atuar unificadamente”, diz.
Para Veiga, a nova legenda não será um movimento de massa. “Os
sociólogos classificam como pós-materialistas as pessoas que desejam
democracia para valer, mas, em um país carente como o Brasil, elas estão
mais ligadas a questões de consumo e de salário, e tendem a votar antes
como materialistas”, diz. De fato, atingir o grande público é o maior
desafio da Rede, concorda Marco Antonio Teixeira. “Como chegar embaixo,
na ponta, com uma linguagem de difícil assimilação? A internet já vem
desempenhando um papel importante na movimentação da Rede, e, pela
própria natureza do seu debate e facilidade de multiplicação, será um
instrumento valioso”, diz.
Na visão da socióloga e jornalista Maristela Bernardo, também
fundadora do partido, a sustentabilidade como eixo da sociedade exige um
sistema de tomada de decisão mais aberto e horizontal. “Temos de pensar
outro sistema produtivo, uma mudança do motor essencial das sociedades,
que é o excesso de consumo e a decorrente naturalização das
injustiças”, afirma.
Mas isso parece não ser suficiente – é preciso deixar claro qual é o
seu programa político, defende Teixeira. “A Rede tem uma crítica ao
governo não tão contundente e a bandeira de ser diferente. Mas precisa
mostrar, concretamente, o que é ser diferente. O que fará com relação ao
sistema financeiro, às grandes obras, como vai atrair investimentos
externos? O que é essa nova economia que Marina diz que o governo não
entende?”, questiona. “Até aqui, não temos essas respostas.”
O novo partido – de número 31 do país, se conseguir meio milhão de
assinaturas em pelo menos nove estados até um ano antes das eleições de
outubro de 2014, se quiser concorrer, e os R$ 500 mil necessários para
buscá-las – pertence à linha alternativa dos partidos verdes e dos
recentes partidos Pirata europeus, do Syriza da Grécia e do Partido do
Futuro da Espanha – que exigem democracia, ponto, como dizem os
espanhóis. Mas que não por isso deixam de ser controversos, como o
Movimento 5 Estrelas, da Itália, que com apenas três anos já conquistou
cargos legislativos e executivos e acaba de colocar a governabilidade do
país em uma sinuca de bico – ao receber 25% dos votos para a Câmara dos
Deputados e quase 24% para o Senado e rejeitar coalizões tanto à
esquerda quanto à direita.
Para o ativista Takahashi, a Rede é um espaço de experimentação, como
ao criar o Conselho Político Cidadão, para que representantes de
movimentos sociais, intelectuais e formadores de opinião de fora do
partido possam participar e exercer um controle social independente
sobre ele. Outro exemplo é a minirreforma de baixo para cima,
representada pela limitação do exercício de cargos eleitos a dois
mandatos, pelas candidaturas avulsas, e pelo limite às doações e à
restrição do tipo de empresas doadoras – dos setores de agrotóxicos,
bebidas alcoólicas, tabaco e armamento.
A Rede acerta quando traz à tona o debate sobre o financiamento de
campanha, mas erra na definição de exclusões na sua política de doações
corporativas, principalmente ao deixar de fora as construtoras,
responsáveis pelos maiores escândalos de corrupção do Brasil, considera
Teixeira, da Eaesp-FGV.
Segundo Takahashi, há uma demanda interna grande para incluir
empreiteiras, mineradoras e bancos. Mas, para Teixeira, a questão é
muito mais complexa: tanto o financiamento público como o privado trazem
riscos. Imagine que, por esse critério, a Zara, por exemplo, poderia
doar – mas ela é acusada de conivência com o trabalho escravo. “Temos é
de criar mecanismos mais rigorosos de controle e transparência
institucional, de combate ao caixa 2”, afirma o professor.
Utopias governam?
Não se pode caracterizar a criação desse partido apenas como suporte
para uma candidatura de Marina em 2014, analisa Maristela Bernardo.
“Seria muito pouco para tudo que essa movimentação pode significar.”
Para José Eli da Veiga, é muito cedo para falar em eleições. “É preciso
pensar sob uma perspectiva ampla – o PT esperou 22 anos para chegar à
Presidência da República. Ninguém é realmente competitivo sem ter uma
rede de vereadores e prefeitos como cabos eleitorais.”
Mas, na era da aceleração digital, talvez não seja impossível ver
Marina Silva eleita já em 2014. “Se ela for para o segundo turno, agrega
todos os setores antipetistas – PSDB, DEM – e tem chances de vencer”,
sustenta Teixeira. E é então que haverá o confronto entre idealismo e
pragmatismo. “A chegada ao governo significa a perda da ingenuidade,
pois só é possível governar buscando aliados. Mesmo fazendo alianças
programáticas, como defende Marina, com base em proposta de governo,
será difícil deixar de fazer concessões clientelistas com oferta de
cargos”, diz.
De fato, utopias podem até ganhar eleições, mas utopias governam?,
pergunta o cientista político e professor da FGV Cláudio Gonçalves
Couto, em artigo no Valor Econômico. Para ele, as maiores dificuldades
da Rede provêm justamente daquilo que a distingue dos outros partidos.
“Comportar imensa diversidade interna parece um trunfo, mas pode
causar contratempos. Para exemplificar: como a ex-radical petista, que
não se enquadrou também no PSOL, Heloísa Helena, vai se entender com o
recém-kassabista e serrista Walter Feldman, quando questões relacionadas
à participação do Estado na economia estiverem em disputa? Pode-se
esperar não só conflito, mas incompatibilidade”, observa.
Outra questão colocada por ele diz respeito ao limite de dois
mandatos aos parlamentares. “Quer dizer então que desperdiçará os ganhos
que a experiência, a especialização e o conhecimento do jogo político
aportam aos seus parlamentares?”, pergunta Couto. Para Teixeira, porém,
“esse é um debate corajoso, que a Rede vem ajudar a enfrentar e
amadurecer. Porque, se por um lado existe a questão do aprendizado e da
experiência, por outro, política nesse país virou carreira e, como tal,
fonte de renda. A renovação é salutar”.
Também preocupa a centralização em Marina, o marinismo de que ela é
objeto – e sujeito. “Está dissolvido o marinismo, temos agora uma Rede
em torno da diversidade”, disse ela, ingenuamente. Em seus
pronunciamentos, contudo, afirma que a liderança carismática deve usar
seu carisma para dar lugar a um movimento multicêntrico. “Marina é nossa
maior liderança no campo socioambiental, mas os fundadores da Rede, no
conjunto, não são marinocentristas”, garante Takahashi.
Há ainda as posições que decorrem do fato de Marina ser evangélica.
“Ela tem valores conservadores na questão de costumes – aborto, drogas e
casamento gay, entre outros assuntos. Mas afirma que não iria contra
uma tendência majoritária na sociedade e propõe plebiscito sobre esses
temas”, diz José Eli da Veiga. “Não consigo levar cientistas para a
candidatura dela por causa das declarações ambíguas que fez sobre
criacionismo, e sua posição contrária aos transgênicos. Não sou contra a
energia nuclear, como ela. Mas Marina tem uma ética igual à minha.”
Disputa e Colaboração
Em meio a críticas e esperanças, a grande pergunta é: como superar a
crise da representação e reinventar a democracia? “Vivemos em um sistema
em que o referencial é a disputa de interesses políticos, e a Rede é
uma forma de construção de um poder cidadão, com diálogo, colaboração e
transparência – não por conchavos e acordos secretos. Queremos mudar as
referências”, sustenta Takahashi, que confessa nunca ter imaginado
estar, um dia, junto com um pessoal tão diverso – “de socialistas
radicais revolucionários a um tucano”. No entanto, ele se diz disposto a
dialogar.
“É tudo muito novo. A ideia é levar propostas e críticas, raquear o
partido por dentro, provocar assuntos como cultura livre, propriedade
digital aberta, liberdade na internet, transparência extrema do Estado e
do partido. Qualquer situação meio estranha, a gente vai recorrer à
nova política: levar o tema para a sociedade, mobilizar. Buscamos a
maior transparência possível em uma realidade em disputa”, afirma Taka.
Vivemos uma encruzilhada, escreveu o sociólogo americano Immanuel
Wallerstein, pesquisador de repercussão internacional2: “O sistema-mundo
capitalista vive uma bifurcação, em que a ação coletiva da humanidade
determinará que tipo de ordem mundial teremos no futuro, para o bem ou
para o mal. De um lado, vão procurar implementar um sistema baseado não
no papel central do mercado, mas antes numa combinação da força bruta e
do engano, em que permaneçam três elementos-chave do presente:
hierarquia, exploração e polarização. No outro lado, haverá forças
populares em todo o mundo que vão procurar criar um novo tipo de sistema
histórico, baseado na democracia relativa e na relativa igualdade.
Vamos aprender nas décadas futuras a construir este sistema”.
“Não há repertório, não há conhecimento acumulado para essa
inovação”, repete Marina. “Se não um novo caminho, uma nova maneira de
caminhar.”
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