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por Silvio Caccia Bava | ||
Já no período Collor (1990-1992), o alinhamento com o neoliberalismo
levou o governo a adotar políticas de favorecimento do grande capital,
como a isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros,
fortalecendo um modelo de crescimento que privilegia grandes empresas e
corporações internacionais − uma política que aumentou a desigualdade
social, concentrando ainda mais a riqueza no topo da pirâmide social.
Seus efeitos perduram até hoje: menos de 10% da população brasileira
fica com cerca de 50% da renda nacional.
Vários mecanismos foram utilizados desde então para reforçar políticas
que beneficiam o grande capital, preservam privilégios e colocam o
Brasil entre os países mais desiguais do planeta.
No início de seu primeiro governo, em 1995, Fernando Henrique Cardoso
ofereceu uma cesta de bondades para os mais ricos: redução da alíquota
do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) das instituições
financeiras de 25% para 15%; redução do adicional do IRPJ de 12% e 18%
para 10%; redução da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de 30%
para 8%, depois elevada para 9%; dedução dos juros sobre capital
próprio, que permite às empresas pagar juros de mercado para seus
acionistas sobre o capital detido por cada um, como se fossem
empréstimos, reduzindo assim os impostos a pagar de 34% para 15%;
redução da alíquota máxima do Imposto de Renda de Pessoas Físicas de 35%
para 27,5%.
Em 1999, em pleno segundo mandato, FHC lançou o Pacote Fiscal 51,
aumentando os tributos sobre o consumo, isto é, a tributação sobre os
mais pobres. Como? Elevando em 50% a Cofins – de 2% para 3%; aumentando a
base de incidência do PIS/Pasep e da Cofins; aumentando em 90% a CPMF,
hoje extinta, de 0,20% para 0,38%, entre outras medidas.
O fato é que no início do Plano Real um trabalhador começava a pagar
Imposto de Renda a partir de 10,48 salários mínimos; em 2005, a partir
de 3,88 salários mínimos. Em 1996, as famílias com menos de dois
salários mínimos gastavam 26% de sua renda para pagar impostos; em 2002,
esse percentual chegou a 46%. Já para as famílias com renda superior a
30 salários mínimos, os índices eram de 7,3% em 1996, passando para 16%
em 2002.2
A tributação sobre o consumo representa hoje mais de 50% da carga
tributária bruta; a tributação sobre a renda, 20,5%; a tributação sobre a
propriedade, apenas 3,3%. Em nenhum país do mundo com o qual o Brasil
possa se comparar o Imposto de Renda é tão favorável aos mais ricos:
nossa maior alíquota é de 27,5%, e a França acaba de aprovar em seu
Parlamento o limite máximo de 66,6%. Essas políticas tributárias
permanecem intocadas até hoje.
Se a arrecadação dos tributos mostra uma sociedade profundamente
desigual, o gasto público não faz mais do que reforçar isso. Em 2010, o
total dos impostos arrecadados pelo governo correspondeu a 33,56% do
PIB. Vejamos a quem se destinam esses recursos.
Em 2011, o governo gastou R$ 708 bilhões, ou 45,05% dos impostos
arrecadados, com o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública.
Os credores são bancos nacionais e estrangeiros (55%), fundos de
investimento (21%), fundos de pensão (16%) e empresas não financeiras
(8%). Em 2012, se comparados os quatro primeiros meses com o gasto no
mesmo período em 2011, mesmo com a redução da taxa Selic, o volume de
recursos destinados a pagar essa conta aumentou 40%, chegando a R$ 369,2
bilhões. É um cenário preocupante, já que nesse mesmo ano foram
destinados, do Orçamento Geral da União, 2,99% para a educação, 4,07%
para a saúde e 2,85% para a assistência social.
Nossa Constituição, em seu artigo 166, assegura que a prioridade na
execução orçamentária é o pagamento da dívida, e, quando forem
necessários cortes no orçamento para cumprir essa prioridade, eles se
aplicarão a outras rubricas, por exemplo, nas políticas sociais. Com a
mesma lógica, a Lei de Responsabilidade Fiscal só limita os gastos e
investimentos sociais, dando liberdade total para o aumento dos juros e o
custeio da política monetária.
Somando os estoques da dívida interna (R$ 2,637 trilhões) com a dívida
externa (R$ 788 bilhões), o Brasil tem uma dívida bruta acumulada que
corresponde a 78% do PIB, base de cálculo para a remuneração dos
rentistas atuantes no setor financeiro, que se estima sejam 22 mil
famílias ampliadas e grandes bancos e corporações, em sua maioria
estrangeiros.3
Vale ressaltar que as tentativas de fazer uma auditoria da dívida foram
barradas pelo Senado em 1992, apesar das evidências de flagrantes
ilegalidades e questionamentos sobre a composição da dívida. Por
iniciativa da sociedade civil, no ano 2000 foi realizado o Plebiscito da
Dívida. Na ocasião, votaram 6 milhões de brasileiros, que propuseram o
não pagamento da dívida pública enquanto não fosse realizada a auditoria
prevista na Constituição Federal de 1988. De lá para cá, só estamos
pagando mais para os rentistas.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil 1 Este artigo se apoia num excelente livro recém-publicado: Antonio David Cattani e Marcelo Ramos Oliveira (orgs.), A sociedade justa e seus inimigos, Tomo Editorial, Porto Alegre, 2012. 2 Fátima Gondim Farias e Marcelo Lettieri Siqueira, “Bases tributárias brasileiras – Penalizando os pobres e beneficiando os rentistas”. In: Antonio David Cattani e Marcelo Ramos Oliveira (orgs.), op. cit. 3 Maria Lucia Fatorelli, “Bolsa Rico”. In Antonio David Cattani e Marcelo Ramos Oliveira (orgs.), op. cit. |
Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
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sábado, 18 de maio de 2013
O nó do desenvolvimento
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