O deputado Sérgio Guerra (PSDB- PE) e
o senador Aécio Neves (PSDB-MG) participam do seminário "Recuperar a
Petrobrás é o nosso desafio”
Acovardadas, nossas esquerdas permitem que a direita
estabeleça a pauta nacional: ‘mensalão’, redução da menoridade penal,
violência, fracasso da política...
“...e quando finalmente a esquerda chegou ao governo, tinha perdido a batalha das ideias”.
Perry Anderson
A frase de Perry Anderson (editor da New Left Review), tomei-a de um texto de Emir Sader (‘Neoliberalismo x
posneoliberalisno na America Latina’), referia-se à França – à pobre
França do Partido Socialista de François Hollande— mas poderia
referir-se à Espanha (a pobre Espanha do Partido Socialista Operário
Espanhol), ou à Itália na qual a preeminência política do Partido
Comunista Italiano, o PCI de Gramsci e Togliatti – ‘o maior partido do
Ocidente’ – foi substituída pela era Berlusconi, o grotesco. Mas, e é o
que nos interessa, a observação se aplica igualmente ao Brasil de hoje,
após a queda da ditadura (1984) e a derrota eleitoral do neoliberalismo
conservador (2002/2006/2010), derrota a qual, todavia, não se propagou
para o campo da política.
Ao contrário, e apesar do agravante constituído pela tragédia
europeia, é a visão neoliberal, reiteradamente desmentida pela
realidade, que domina o debate, o noticiário e até mesmo ações de
governo.
Em pleno 2013, a tese do candidato das oposições é retomar as
privatizações de FHC. Qual é, agora, o objeto da sanha, se pouco nos
sobrou: a Petrobras? O Banco do Brasil? A Caixa Econômica?
Nosso atraso ideológico vai beber água nas circunstâncias em que se deu a redemocratização.
Refiro-me ao fato de a ditadura haver conseguido transformar a
ruptura necessária em transação negociada, assumindo o papel de sujeito
do processo, e assim contendo em suas rédeas a transição ‘lenta e
gradual’, nos termos da equação do general Geisel, que compreendeu uma
reforma política reacionária, que sobreviveu à própria Constituinte em
dois aspectos essenciais: a ampliação das bancadas que representam os
estados menos populosos, distorcendo mais ainda o princípio democrático
que estabelece que a cada cidadão deve corresponder um voto, e a
obrigatoriedade de remunerar os vereadores, transformando-os nos
indivíduos mais bem remunerados na maior parte dos municípios do País.
Aquela reforma teve como fruto perene a entronização do ‘baixo clero’
como principal bancada da Câmara dos Deputados, permeando todas as
legendas nela representadas. Até aqui.
A sociedade resistiu durante 20 anos à ditadura, o movimento das ‘diretas-já’ --verdadeiro não
plebiscitário à ditadura-- terminou por implodir o Colégio eleitoral e
derrotar o candidato do regime, mas os termos da ‘transição’ foram
concertados entre generais e políticos autoimitidos no mandato de
delegados da sociedade brasileira. O povo, em nome do qual tudo foi
feito, teve de contentar-se com o papel que lhe reserva sempre uma
História comandada pelos interesses da classe dominante: a plateia.
Por tramas do processo histórico, a esquerda não teve condições de
conduzir o debate, e esse, paulatinamente, é dominado pelo pensamento
neoliberal, ao qual aderem, primeiro, setores liberais que vinham da
luta contra a ditadura, em seguida setores atrasados da própria
esquerda, uns interessados em ocupar espaços na nova nomenclatura,
outros, assustados com os ventos que sopravam do Leste, a partir da
Queda do Muro de Berlim.
O Ocidente acenava com as vitórias de Thatcher, Reagan e, a seguir,
Tony Blair. A desmontagem dos Partidos Comunistas em quase todo o mundo,
e no Brasil a implosão do Partido Comunista Brasileiro (o ‘Partidão’) a
que se seguiu a contrafação do PPS, foram um elemento a mais no
arrefecimento da reflexão marxista.
Estavam criadas as condições propícias à ditadura do pensamento
único. O imperialismo, dominante na política, dominante a cultura, na
língua internacional, na linguagem tecnológica, na literatura, no
cinema, na televisão, na globalização do american way of life,
dominante do pensar, domina principalmente onde não precisa da força de
suas tropas. Dominava e domina no plano ideológico, dominando corações e
mentes.
Entre nós, de um lado a crise do movimento sindical e a astenia da
Academia; de outro, o monopólio da informação e da opinião, professada
por uma imprensa monopolizada ideologicamente. Todos os jornais,
reproduzindo as mesmas opiniões, se julgam ‘algo mais que um jornal’. O
reacionarismo, o antinacional e o antipopular, o primitivo, o
antidesenvolvimentismo, a superveniência do que vem de fora, a
alienação, a superstição, o atraso, o não-Brasil são a característica
ideológica de uma imprensa militante, hoje o principal partido político
brasileiro.
Falo da televisão, do rádio e da imprensa escrita.
Falo de sua programação, de seu conteúdo, não apenas da desinformação dos noticiosos.
Não avanço o sinal mesmo quando afirmo que a grande imprensa
brasileira é racista e de direita, à direita mesmo do empresariado
nacional.
As palavras são do mais conspícuo representante do pensamento
autoritário conservador brasileiro, o ministro Joaquim Barbosa, em
recente conferencia na Costa Rica. Some-se a tudo isso a aliança entre a
falsa fé religiosa (explorada mercantilmente no nível do charlatanismo)
e a política partidária, uma se servindo da outra e ambas, a fé
politizada e a política explorando a fé, alienando a população que
subjuga ideologicamente para melhor explorar, construindo impérios
econômicos e midiáticos e partidos políticos que vão disputar as
entranhas do poder.
E as esquerdas, e os governos progressistas, como o avestruz da
fábula que enterra a cabeça para não ver o perigo, fazem de conta de que
nada veem, a se dizerem, empolgados por algumas vitórias eleitorais,
que essa imprensa ‘não faz mais opinião’.
Não quero suprimi-la, nem mesmo diminuir sua força. Reclamo, apenas, o contraditório.
Mas essa imprensa é a única opinião a trafegar e é por seu intermédio
que até os militantes dos partidos de esquerda se informam e muitos se
formam. E eis como muitos setores da esquerda brasileira passam a
incorporar valores da direita e a reproduzi-los, pensando em posar de
‘moderna’. Em nome da governabilidade, nossos governos são obrigados a
compor com a direita, pois só caminhando à direita é que a esquerda soma
votos.
E, por essas artes, entramos todos a falar em choque de gestão, em
lucratividade (sim, até a previdência social deve dar lucro!), em
‘métodos científicos’ de administração, em eficiência do setor privado,
em despolitização da administração pública, em gigantismo do Estado, em
excesso fiscal, em baixar a maioridade legal para 16 anos, em mais
jovens negros e pobres na cadeia a título de política de segurança.
Quem dorme com morcego acorda de cabeça para baixo, diz o povo.
Os partidos de esquerda fogem do debate ideológico, ensarilham suas teses, saem de campo, tudo em nome da conciliação.
Os Programas e Manifestos são reservados para as dissertações de
mestrado. Nada de confronto, nada de enfrentamento, como se a paralisia
pudesse ser instrumento de avanço, e assim terminam reforçando o statu quo. Qual seu papel pedagógico e doutrinário no Congresso, nas Assembleias e nos governos?
Silentes, acovardadas nossas esquerdas permitem que a direita,
sucessivamente derrotada nas urnas, estabeleça a pauta nacional, e nela
nos enredamos: ‘mensalão’, redução da menoridade penal, violência,
fracasso da política, fracasso dos políticos... o eufemismo de ‘fracasso
da democracia’.
No governo e fora dele, os partidos socialistas não falam mais em
socialismo, governo e partidos de esquerda passam a operar a
‘conciliação de classes’ com a qual acenam para a grande imprensa e o
sistema financeiro. Nos sindicatos, a ‘política de resultados’ substitui
a luta política ideológica. O somatório de tudo isso – e assim se
descortina o cenário da emergência do pensamento de direita – é uma
Justiça reacionária e um Supremo afoito, tentando judicializar a
política, e, ao arrepio da Constituição, assumindo funções legislativas,
ademais de condicionar a vida interna de um Congresso acuado.
O próprio presidente do STF, de novo o inefável ministro Barbosa,
aliás de forma coerente, agride a vida congressual e os partidos, sem os
quais não haverá democracia alguma em nosso país. E sabe disso. E por
saber é que fala essas coisas. Cumpre, assim, a tarefa que lhe cabe
nesse festival de agressões ao processo democrático: embala os sonhos de
uma classe média reacionária em busca de um novo redentor.
O debate das eleições de 2010, lamentavelmente ditado pela direita,
concentrou-se, num primarismo digno da TFP, num sim e num não ao aborto.
Qual a nossa proposta de debate para 2014?
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