Outro dia desses, vi uma postagem em uma rede social da internet com a
seguinte frase: “que tempos são estes, em que temos que defender o
óbvio?”. A frase era atribuída ao dramaturgo e poeta alemão Bertolt
Brecht, também um conhecido frasista. Não tenho a menor certeza da
autoria mencionada, mas de fato é muito penoso viver em um tempo onde o
que deveria ser o óbvio passa a ser visto como complexo ou inviável, ou
até mesmo desconsiderado.
O momento político e econômico do Brasil nos dá inúmeros exemplos
dessa espécie de abobalhamento – ou, pior, acanalhamento – que afeta
povos, sociedades, países inteiros em determinados momentos históricos. A
própria Alemanha de Brecht, com toda a sua tradição intelectual e
filosófica, se deixou levar pela aventura nazista e certamente pode ter
sido a fonte de inspiração desta lúcida e realista frase atribuída a
ele.
O Brasil experimentou, durante décadas do século passado, um processo
de industrialização que nos permitiu constituir uma base produtiva
complexa, para um país dependente e na periferia do sistema capitalista.
Mantendo integrado um país territorialmente continental, fortalecemos
nossa unidade com estruturas sofisticadas de produção, transmissão e
distribuição de energia elétrica; serviços de telefonia e
telecomunicações; produção interna de bens de consumo, insumos e bens de
capital.
É verdade, também, que esse processo manteve o país dentre os mais
desiguais e injustos do mundo, situação que se torna mais grave, e
dramática, quando constatamos as riquezas que temos e todas as
prerrogativas que nos facilitariam construir uma sociedade de fato
democrática, justa e harmoniosa. Esta é uma grave constatação, que
apenas nos evidencia que o crescimento econômico, por si só, não é
condição suficiente para enfrentarmos os desequilíbrios e injustiças que
nos marcam e nos envergonham.
O sentido e a direção política das estratégias de crescimento
econômico são essenciais de serem bem definidas, para que as suas
consequências se revertam em favor das maiorias do povo, em geral, no
nosso país, abandonadas e marginalizadas. Esta é, talvez, uma primeira
obviedade que nossa história econômica demonstra: não nos basta crescer, mantendo-se estruturas econômicas e regras legais que facilitam a manutenção e ampliação da concentração de renda e riquezas.
Uma segunda obviedade decorre do processo mais recente de
contrarreformas, que se encontra em curso no Brasil desde o início dos
anos 1990. O processo anterior – o do século passado – se esgotou ao
final dos anos 1970 e início da década de 1980, a partir da chamada
crise da dívida externa. Apenas, após a renegociação da dívida externa
do país, sob a chancela do Departamento de Estado e da Secretaria do
Tesouro dos EUA, houve condições de se unificarem as classes dominantes
do país em torno de um novo projeto político, representado pela nova
ordem econômica imposta pelo Plano Real.
Abertura financeira, abertura comercial, privatizações e subordinação
da dívida pública aos ditames de uma política monetária associada a uma
política de valorização cambial produziram uma séria alteração
estrutural na economia brasileira. Regredimos de forma espetacular, mas,
na medida em que as grandes corporações, nacionais e estrangeiras, se
beneficiaram, um novo pacto político foi forjado. Ao povo, a grande
vantagem apresentada foi o “fim da inflação”, argumento até hoje
acionado, sempre que algum objetivo das forças hegemônicas – tendo à
frente bancos e multinacionais – se encontra sob risco ou ameaça.
A regressão mencionada se vincula à acelerada desnacionalização do
parque produtivo; à desestruturação da capacidade de planejamento e
gestão das funções do Estado voltadas ao atendimento das demandas
sociais e à infraestrutura logística; à regressão produtiva da estrutura
industrial; à reprimarização da pauta de exportações; à acelerada
oligopolização e financeirização da economia. Ora! O que temos em curso é
uma brutal regressão em relação ao que já fomos, em passado não muito
distante.
Ao mesmo tempo, e certamente vinculado ao processo da nova hegemonia
que se impôs, vivenciamos o rebaixamento da política e dos nossos
partidos. O mundo dos negócios – e não da cidadania – parece ser o
objeto da preocupação da maior parte do universo político-partidário. A
metamorfose dos antigos partidos de esquerda é notória e programas
sociais compensatórios, preconizados pelo Banco Mundial e voltados aos
mais pobres, parecem ser o máximo possível a ser feito.
A verdade, nua e crua, é que voltamos a ficar – tal e qual na
República Velha – extremamente subordinados às ondas de expansão do
comércio internacional e aos humores dos financistas mundiais. São
evidentes os imensos riscos que essa opção encarna. Contudo, assim como a
euforia que marcou o país no período de 1994 a 1998 se desfez – não sem
antes permitir a eleição e reeleição de FHC, em votações decididas já
em primeiro turno –, parece que agora as ilusões daqueles que defenderam
a ideia que vivenciávamos um neodesenvolvimentismo não se sustentarão.
Muito além de problemas conjunturais, traduzidos no pífio crescimento
da economia e nas taxas de inflação, atenuadas pela irresponsável
valorização do real, temos problemas estruturais graves. Nossas contas
externas se deterioram com velocidade, com o movimento concomitante de
redução do saldo comercial e ampliação do déficit da conta de serviços,
projetando um resultado negativo das contas correntes do país, para esse
ano, que poderá chegar a US$ 80 bilhões. A trajetória deste indicador é
apenas um retrato dos equívocos a que estamos sendo submetidos. Entre
os anos de 2003 e 2007, chegamos a ter um resultado positivo na conta
corrente, por conta do boom dos preços das commodities.
Entretanto, desde 2008 voltamos a apresentar déficits crescentes, que
expõem potencialmente nossa vulnerabilidade externa. Em suma: estaremos
novamente nas mãos dos investidores externos e da confiança dos
mesmos em relação ao nosso país. Confiança que, como sempre, estará
vinculada às facilidades e vantagens que a eles poderemos oferecer.
Como exemplo, lembro os criminosos leilões de petróleo que nesta
semana foram retomados e que serão ainda incrementados, neste ano, com
novas licitações para exploração de bacias de petróleo e gás, incluindo
as cobiçadas reservas do pré-sal. Além, é sempre bom lembrar, das
prometidas concessões de portos, aeroportos, ferrovias, rodovias e tudo
aquilo que for do apetite dos investidores privados e de preferência
estrangeiros.
Por tudo isso, o que talvez precisemos possa se resumir a uma
obviedade: a necessidade de um modelo alternativo de desenvolvimento,
soberano – de acordo com nossas potencialidades; democrático, pois
fundado nas reais necessidades do povo; e de bases nacionais, envolvendo
bandeiras históricas, como a reforma agrária e agrícola; uma verdadeira
reforma tributária progressiva; uma reconfiguração da estrutura fiscal,
com a descentralização de recursos, hoje na esfera federal e
concentrados na administração da dívida pública, em prol do
financiamento das políticas sociais e de infraestrutura; o
fortalecimento da Previdência Social Pública, sob o regime de repartição
e efetiva proteção a todos os assalariados do país, com rendimentos
equivalentes ao valor-teto dos vencimentos do funcionalismo público; e,
especialmente, a recuperação do Estado, na sua capacidade de planejar,
executar e gerenciar uma nova ordem econômica, social e política.
Porém, para o país abraçar um programa desta natureza será necessário
algo que está longe do óbvio: a vontade política de enfrentar riscos,
desafios e a ousadia de avançar em projetos que se chocam contra os
interesses de bancos e multinacionais. Será necessário reconstruir
forças políticas, fiéis ao compromisso com a mudança e a ousadia,
características abandonadas por aqueles que, ao chegarem ao governo,
optaram pela covardia e acomodação.
|
Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
Pesquisar este blog
sábado, 25 de maio de 2013
A defesa do óbvio
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário