Com uma
direita boçal e uma esquerda anódina, o Brasil vai empurrando a crise e
mantendo algumas conquistas sociais sobre o fio da navalha. Sabe-se que o
exercício da política é um jogo delicado. Na maioria das vezes de
cartas marcadas e com muitos jogadores viciados. Nem por isso, contudo,
deve-se desprezá-la, mas – ao contrário – tentar ver o que é possível
fazer para melhorar o país sempre que isso for possível. Mas o dia a dia
é cruel e nele se misturam os interesses mais variados, prevalecendo a
força da manipulação das ideias, o jogo ideológico das cadeiras, o
dinheiro fácil sedimentando cada vez mais a hipocrisia, e a vaidade
botando as manguinhas de fora em homens e mulheres que já foram mais
sérios um dia.
Aliás, se a
vaidade e a obsessão matassem, com certeza o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso e seu discípulo José Serra já teriam ido dessa para a
melhor há algum tempo… Que eles não se preocupem, entretanto –
desejo-lhes vida longa. Ironicamente, FHC será o primeiro imortal nas
letras que pediu para esquecerem tudo o que ele escreveu. E pensar que o
país já produziu um Machado de Assis… A eleição do jornalista Amaury
Ribeiro Jr. seria mais digna.
Nesses
tempos bicudos, onde se vende muito gato por lebre, onde o título de
“celebridade” é disputado a tapas por prostitutas inglesas, políticos e
juristas emplumados e medíocres, padres pedófilos, jogadores de futebol
publicitários e máfias do colarinho branco, europeias, sul e
norte-americanas, onde o Oscar de melhor filme do ano é vencido por uma
história que homenageia a CIA, penso que o melhor é divagar por outros
assuntos e, quem sabe, lembrarmo-nos de algumas das verdadeiras
celebridades, aquelas que merecem da humanidade alguns minutos de
reflexão a sério.
Personalidades,
quanto a mim, até merecedoras de um Prêmio Nobel da Paz, não tivesse
essa própria honraria sido tão enxovalhada (se nos lembrarmos também de
que Barak Obama é um de seus vencedores…).
Mas deixemos
a intolerância, a ironia, a má vontade e a desconfiança de lado e
acreditemos na boa vontade entre os homens aproveitando esse momento em
que o mundo troca de papa, agora Francisco, que já deixou a presidente
da Argentina embevecida com o seu beijo.
O valente
soldado Bradley Manning abre com gala o desfile destas que são, de fato,
verdadeiras celebridades. Mostrou para o mundo, em particular para os
idiotas que repetem como papagaios os valores da “democracia
norte-americana”, e não vêem como aquilo funciona entre a Califórnia e o
Estado do Maine. Ou como é “exportada” para o resto do mundo. Para o
Departamento de Estado norte-americano, a democracia não se conquista,
se impõe (como no velho oeste mostrado no filme Django livre,
do Tarantino). Com o uso da manipulação midiática ou pela força das
armas: aqui sim, o cliente é livre para escolher. Pode-se iniciar o
aprendizado em Miami, na Flórida, onde se encontra o maior número de
mercenários ideológicos por metro quadrado. Todos a serviço das
oligarquias de seus países de origem, do México à Patagônia.
Julian Assange [que lançou seu primeiro livro, Cypherpunks,
pela Boitempo], outra grande personalidade que, por ser cidadão honesto
e pronto a defender a humanidade dos belicistas e dos bárbaros
modernos, cumpre pena de prisão domiciliar dentro da embaixada
equatoriana em Londres. Viva a liberdade de expressão e a publicação das
vergonhosas tramoias que se escondem em nome da democracia ocidental e
cristã!
Hugo Chávez,
com sua fisionomia que expressava – e bem – a mistura de duas raças
(índios e negros) e que até o último minuto de vida enfrentou a barbárie
que tem o seu ninho de répteis no hemisfério norte, branco e de olhos
azuis. Esse homem tirou a sua querida Venezuela da miséria e da
ignorância, enchendo-a de esperança e orgulho nacional, para desespero
dos eternos exploradores e gigolôs do trabalho escravo e da mão de obra
barata, bem como para os idiotas da subjetividade, tão disseminada entre
“elites” caipiras que comem salame e arrotam caviar.
Rafael
Correa, Evo Morales, Nelson Mandela aumentam aqui o pequeno rol de
verdadeiras celebridades e que, por mais que façam o Departamento de
Estado, a CIA, os quinta-colunas do jornalismo internacional, os
analistas políticos e econômicos candidatos à boa vida neoliberal, não
conseguem ser crucificados como gostariam os ventríloquos do moribundo
neoliberalismo.
Feita essa
divagação pela senda das verdadeiras e poucas celebridades do mundo
contemporâneo, o que fica é uma tremenda falta de assunto, pois é cada
vez mais difícil o diálogo com uma imprensa de mão única e que procura
impor o seu ponto de vista através de um tacanho e oportunista conceito
de liberdade de expressão. E agora com o apoio de uma parte necrosada do
poder judiciário, celebridades menores ofuscadas pelo poder efêmero que
julgam possuir.
O verdadeiro
poder continua sendo o do povo, mas no Brasil poucos sabem disso. E os
que sabem se dividem entre afoitos, puristas ou defensores de um
pragmatismo que muitas vezes se confunde com a covardia. Pobre Brasil!
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
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