Paraentrar na escola primária de Rauma, na costa do Golfo de Bótnia, na
Finlândia, não é preciso atravessar portões nem muros. Simplesmente se
passa por uma garagem grande com uma bicicleta e jogos. Do ginásio à
sala de música, tudo parece ter sido projetado para acolher as crianças.
Em 45 minutos de curso, a professora de inglês encadeia cinco
atividades diferentes. Ela capta a atenção já nos primeiros segundos,
graças a uma bola que circula no mesmo compasso que a palavra. Um
dispositivo que não é desconhecido nas salas de aula de outros países,
mas, com uma média de 12,4 jovens para um professor finlandês – ou seja,
um dos melhores índices para o ensino primário na Europa –, ele parece
particularmente eficaz aqui.
Em meados de agosto de 2012, Fanny Soleilhavoup e Fabienne Moisy
acompanharam os filhos em um segundo retorno a esse país. Professoras
francesas com disponibilidade para acompanhar os maridos, elas não
imaginavam que a escolha que fizeram em favor da escola local, em vez do
estabelecimento francês à sua disposição, mexeria com sua visão de
educação. “Meus três filhos estão se transformando em pessoas de bem”,
acrescenta Claire Herpin, decidida a permanecer longe da França. “Nós
respeitamos suas diferenças. Eles respeitam os outros. Os professores
sabem como incentivá-los e como reforçar o que há de melhor neles.”
Dislexia, simples perda de interesse ou precocidade, essas famílias
estavam diante de situações até comuns, mas que o sistema francês
dificilmente levaria em consideração.
Alguns vão achar difícil acreditar no que elas descrevem: uma escola
sem tensão, sem competição entre os alunos, sem concorrência entre as
instituições, sem inspetores, sem repetência, até mesmo sem nota nos
primeiros anos, e que teria os melhores resultados do mundo.
As pesquisas do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(Pisa) da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE) suscitam grande preocupação na Alemanha e no Reino Unido,
enquanto na França e nos Estados Unidos, mais bem classificados, elas
são pouco comentadas. Apesar de seus investimentos na educação, esses
grandes países aparecem apenas na média da OCDE para as capacidades de
jovens de 15 anos em compreensão da escrita, matemática e ciências.1
Além do rigor metodológico que visa descartar qualquer viés cultural,
essas avaliações têm a vantagem de não tratar do aprendizado de um
programa, mas de um conjunto de competências úteis para entender o mundo
e resolver problemas nos contextos próximos da vida cotidiana.
Essas investigações revelaram Helsinque como um modelo inesperado. No
resultado de 2009, que levava em conta 65 países, assim como nos três
anteriores (2000, 2003 e 2006), a Finlândia aparece no grupo dos
melhores desempenhos globais, como a Coreia do Sul e muitas cidades
asiáticas parceiras da OCDE (Xangai, Hong Kong e Cingapura). É também o
país (com a Coreia do Sul) cujos resultados são os mais homogêneos e no
qual as correlações entre o meio socioeconômico e os desempenhos
escolares parecem as mais fracas. Noventa e três por cento dos jovens
finlandeses concluem o ensino médio, contra apenas 80% em média nos
países ocidentais.2 O país se destaca, é verdade, por um dos mais baixos níveis de desigualdade social da OCDE.
Os resultados do Pisa atraíram um novo tipo de turista. Após uma visita
em agosto de 2011, o então ministro francês da Educação Nacional, Luc
Chatel, explicou: “Há uma série de receitas que vi funcionar aqui, que
podem ser transpostas”, sobretudo “a grande autonomia dada às escolas”.3 Um ano depois, a revista britânica Socialist Review elogiava um sistema “desprovido de avaliações” e no qual “cada criança recebe um almoço saudável ao meio-dia”.4
Quer venham da direita liberal francesa ou do trotskismo inglês, cada
observador estrangeiro vem fazer sua feira, em busca dessa ou daquela
inovação que, isolada do resto, validará seu próprio projeto.
Na maioria das vezes, a imprensa internacional ignora as condições
específicas da gênese do “modelo”, ao qual várias obras cativantes foram
consagradas.5 No entanto, aqui, “descentralização” não é
sinônimo de territórios em competição; falar de “envolvimento” dos
professores não se resume à vontade de aumentar suas horas de “presença”
nas escolas; e promover a “moderação” das despesas não disfarça o
desejo de favorecer prestadores privados. “Esqueçam o Pisa!”, dispara
Jukka Sarjala, um dos arquitetos da reforma escolar na década de 1970.
“É claro que estamos orgulhosos desse reconhecimento do nosso trabalho.
Mas temos de olhar para nosso sistema como um todo, e não bicar esse ou
aquele aspecto.”
O sucesso finlandês tem suas raízes na tradição política dos países
nórdicos, ligada às realizações concretas do Estado de bem-estar social,
mais do que a uma doutrina. Instado a revelar a elogiada receita
pedagógica em uma mesa-redonda da rede de televisão norte-americana PBS,
em 10 de dezembro de 2010, o professor Pasi Sahlberg respondeu com um
amplo sorriso: “Você sabe, entre nós a escola é gratuita para todos,
desde o curso preparatório até a universidade!”. Com base nesses
pressupostos, é difícil levar adiante comparações com o modelo dos
Estados Unidos...
Na Finlândia, a gratuidade não se aplica apenas ao ensino. Até os 16
anos, todos os suprimentos são bancados pela comunidade, bem como o
apoio escolar, a cantina, as despesas de saúde e o transporte para a
instituição. O financiamento vem principalmente dos 336 municípios, mas o
Estado central harmoniza a distribuição dos recursos. Se por um lado
ele participa com apenas 1% do orçamento da escola no município mais
rico, Espoo (perto de Helsinque), por outro, ele garante 33% dos
recursos na média dos municípios,6 chegando a até 60% nas
comunidades pobres. O governo também desestimula a abertura de escolas
privadas. Elas praticamente desapareceram na década de 1970 (menos de 2%
dos efetivos, contra 17% na França), com exceção de escolas
associativas de pedagogias alternativas, do tipo Steiner ou Freinet.
Esse serviço público unificado não se mostra particularmente caro,
muito pelo contrário. Em paridade de poder aquisitivo, a Finlândia gasta
menos dinheiro por aluno no ensino primário e secundário do que a média
dos países ocidentais, e muito menos do que os Estados Unidos ou o
Reino Unido.7 A ênfase foi colocada na qualidade da
supervisão, no número e na formação dos professores: a profissão do
magistério tornou-se altamente respeitada e muito cobiçada, ainda que
exija uma longa formação (pelo menos cinco anos de universidade, em
geral mais) e que os salários acompanhem mais ou menos a média
ocidental:8 significativamente mais altos do que os salários
franceses no início de carreira (36% mais no fundamental, 27% no médio),
eles se aproximam no fim da carreira. Apenas um candidato a professor
em dez atinge seu objetivo. Também se espera dos docentes um
envolvimento tão forte que não é incomum que alguns confiem seu número
de telefone ou endereço de e-mail aos pais. Uma boa parte da formação
(no mínimo um ano) não é dedicada ao conteúdo a ser transmitido, mas à
pedagogia: a maneira de transmitir.
Ameaça no horizonte
Enquanto o modelo internacional se baseia em indicadores de desempenho,
auditorias e rankings, os pedagogos finlandeses defendem outro uso das
avaliações. Elas devem continuar a ser uma ferramenta para ajuste dos
meios ou dos métodos a serviço do desenvolvimento de professores e
crianças, nunca uma ferramenta de controle ou de competição. É por isso
que as avaliações são realizadas por amostragem, e não em nível
nacional. Cada um fica sabendo de seus resultados, mas não os de outras
escolas. Vários municípios também lutaram contra os jornais que queriam
publicar as classificações. E, quando os tribunais deram perda de causa à
administração, boa parte da imprensa preferiu guardar silêncio.
“Na década de 1990, encorajou-se a competição entre as escolas, e um
conservador eleito de Helsinque chegou a convidá-las a fazer
publicidade. Hoje entendemos que foi um erro”, explica Susse Huhta,
professor de finlandês em Helsinque. Com a abolição da obrigatoriedade
de frequentar a escola de seu bairro, a busca pelas escolas mais
conceituadas, até então marginal, tornou-se um fenômeno importante na
capital, onde 30% das crianças no oitavo ano (13 anos) não frequentam o
estabelecimento da sua região. Isso só fez provocar um rápido
crescimento das desigualdades sociais na Finlândia, segundo Tuomas
Kurttila, diretor da Associação de Pais: “Nossa política educacional
corre o risco de se tornar uma simples vitrine, enquanto nossas
políticas sociais se degradam. Os sucessos de hoje foram construídos nas
décadas de 1970 e 1980. O sucesso de amanhã se constrói hoje. Ainda há
muitas crianças que não vão além da escolaridade obrigatória. Estou
otimista, mas temos de permanecer vigilantes diante do crescimento das
disparidades”. “Pedimos à escola que responda a todos os problemas da
sociedade, algo que ela dificilmente pode fazer”, acrescenta Petri
Pohjonen, vice-diretor do Escritório Nacional de Educação.
Depois de ter dirigido por um longo tempo uma escola e em seguida o
departamento de ensino da cidade de Vantaa, vizinha a Helsinque, Eero
Väätäinen resume um sentimento generalizado entre os professores
finlandeses: “Devemos ter em mente que as crianças não estão na escola
para passar nas provas. Elas vêm aprender a vida, encontrar seu próprio
caminho. É possível medir a vida?”. No país europeu mais bem colocado
nos rankings internacionais, as pessoas veem com muita desconfiança...
os rankings.
Philippe Descamps
JornalistaIlustração: Orlando |
Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
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terça-feira, 2 de abril de 2013
O modelo finlândes na educação : unanimidade
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