A ideologia
que saiu triunfante com o fim da Guerra Fria e a vitória do bloco
ocidental promoveu a identidade do capitalismo com dinamismo,
modernização, racionalidade, bem estar.
As teses do
“fim da história” foram acompanhadas da expectativa de um capitalismo
sem crises, de que a “new economy” seria a expressão teórica. Uma ilusão
que durou pouco, cruzou a década de 1990, até desembocar numa nova
recessão com o fim do boom da informática em 2000.
Porém, as
ilusões terminaram definitivamente com a emergência da crise atual do
capitalismo, surgida em 2008 e que se prolonga há 5 anos, sem horizonte
para seu fim.
De repente,
as expressões que passaram a ser projetadas como a apologia da
superioridade do capitalismo foram sendo substituídas por uma velha
conhecida – a palavra crise. Uma circunstância em que se dissolvem a
racionalidade, o dinamismo, a eficácia, o bem estar. Ainda mais que a
crise surgiu e se propagou no centro do sistema, abarcando aos países
economicamente mais desenvolvidos. Não se trata portanto de uma crise
associada a carências, a miséria, a catástrofes naturais e – desta vez –
tampouco a guerra. Mas à administração equivocada da economia.
A palavra e a
temática mais reiteradas passaram a girar em torno da crise. E, com
ela, voltou a imagem soterrada prematuramente de Marx, que foi quem
havia consagrado a imagem do capitalismo como um sistema com crises
cíclicas, estruturais.
As
publicações econômicas, os cronistas econômicos, ministros de economia e
dirigentes de organismos financeiros internacionais, se sentiram
obrigados a reivindicar a Marx, a reconhecer sua capacidade de captar os
mecanismos intrínsecos e reiterados do capitalismo de gerar crises e
suas dificuldades para superá-las.
Não sem
apressar-se em dizer que ao aceitar certa validade em seus diagnósticos,
de forma alguma valem seus remédios: sempre reiterando que se
economicamente Marx deve ser levado em conta, politicamente tudo o que
disse seria um desastre.
Não há
nenhuma possibilidade de compreender o mundo contemporâneo sem a
referência central a dois fenômenos incontornáveis: o capitalismo e o
imperialismo. O capitalismo, na sua versão liberal e mercantilizada mais
extrema, e o imperialismo, na forma da dominação político-militar
norte-americana.
A crise econômica atual escancara os traços essenciais apontados por Marx nas suas obras econômicas e n’O capital,
em particular. Para Marx, é um elemento estrutural do capitalismo sua
extraordinária capacidade de desenvolvimento das forças produtivas –
reconhecida por ele já no Manifesto comunista –, contemporaneamente à sua incapacidade de distribuir renda para absorver essa produção.
Todas as
crises capitalistas são assim crises de superprodução – ou de
subconsumo, conforme se queira chamá-las –, de desequilibro entre a
riqueza produzida e a capacidade de gerar consumo correspondente.
A crise
atual se iniciou pela explosão da bolha imobiliária – em países como os
EUA e a Espanha, por exemplo –, gerada como consumo artificial, sob a
forma de pirâmides especulativas, que terminaram explodindo.
Como em toda
crise, a natureza irracional do sistema aflora à superfície de maneira
incontornável. Falta demanda, mas se destroem empregos, cujos salários
poderiam absorvê-la, multiplicando a recessão. Cortam-se recursos para
politicas sociais, deixando a abandono os trabalhadores dispensados para
poupar gastos das empresas, sobrecarregando o Estado debilitado nos
seus encargos.
O equívoco
de raiz do neoliberalismo estava no seu diagnóstico de que a economia
havia parado de crescer porque havia excessiva regulamentação, que
travaria a livre circulação do capital. Implementada a
desregulamentação, os investimentos retornariam e todos ganhariam com o
crescimento econômico.
Mas o
diagnóstico não levava em conta a observação de Marx de que o capital
não está feito para produzir, mas para acumular. Se ele encontra
melhores condições de acumulação na especulação financeira, ele se
transfere para aí. Que foi o aconteceu maciçamente em escala mundial:
uma gigantesca transferência de capitais do setor produtivo para o
especulativo, promovendo a hegemonia do capital financeiro na sua
modalidade especulativa.
O capital financeiro, que havia nascido como apoio da produção, autonomizou-se – como Marx previa na terceiro volume d’O Capital
–, sob forma de capital especulativo. O capitalismo passou de um ciclo
longo expansivo, do segundo pós-guerra aos anos 1970, a um ciclo longo
recessivo desde então.
A
compreensão da fisionomia atual do capitalismo só é possível a partir da
visão que Marx nos legou sobre as dinâmicas contraditórias do
capitalismo. Ler Marx é dotar-se do que melhor o pensamento humanos
produziu para compreender a história contemporânea.
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Artigo especial de Emir Sader a partir do debate sobre os estudos d’O capital no Brasil. O evento, que inaugurou o IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O capital, teve
mesa composta por Roberto Schwarz, João Quartim de Moraes, Sofia
Manzano (mediação), Emir Sader e José Arthur Giannotti. Assim como todas
as atividades do projeto Marx: a criação destruidora, o debate foi gravado e será disponibilizado em breve no canal da Boitempo no YouTube!
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As armas da crítica: antologia do pensamento de esquerda, organizado por Emir Sader e Ivana Jinkings, já está disponível por apenas R$18 na Gato Sabido, Livraria da Travessa, iba e muitas outras!
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Emir Sader
nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de
São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É
secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais
(Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.
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