Para conter a inflação, há outros remédios. Mas oligarquia
financeira pressiona – porque quer voltar a ganhar os mesmos rios de
dinheiro de antes
Por Antonio Martins
Um assunto único domina as manchetes dos jornais brasileiros mais vendidos. Folha, Globo e Estado destacam, em frases quase idênticas
que a inflação anualizada subiu (para 6,59%) e “estourou a meta” fixada
pelo Banco Central (BC). Em consequência, não restaria, ao próprio
banco, outra alternativa exceto iniciar uma nova rodada de elevação da
taxa básica de juros (Selic), já na próxima semana. A presidente Dilma
Roussef, que se manifestou contra a alta, há poucos dias, teria sido vencida. A Folha chega
até a prever o montante e o ritmo do ascenso: a Selic, hoje em 7,5% ao
ano, passaria a 8,5%, após “quatro aumentos de 0,25 ponto percentual,
até dezembro”.
Noam Chomsky cunhou certa vez o termo “fabricação de consensos” –
provavelmente sem cogitar que alguém tentasse praticá-la de modo tão
caricatural quanto a mídia brasileira. Há três abusos claros nas
manchetes de hoje: a) a inflação não está mais em alta, nem deve ser reduzida a qualquer custo; b) elevar os juros não
é receita eficaz para fazê-lo; c) por trás do suposto “remédio”
esconde-se a luta da oligarquia financeira para capturar uma parcela
ainda maior da riqueza coletiva. Os jornais, é claro, escondem esta
tentativa.
Veja, ponto por ponto, como se manipulam os fatos.
1. Para constatar que a inflação não está subindo, mas em queda, há dois meses, basta mirar o gráfico abaixo, publicado sem destaque pelo Estado. A
taxa, medida por um dos índices do IBGE (o IPCA) foi de 0,47% em março,
ante 0,6% em fevereiro e 0,86% em janeiro. O índice anualizado só
aumentou porque os 0,47% de agora substituíram, no cômputo de doze
meses, uma taxa excepcionalmente baixa, registrada em março de 2012 –
0,21%. Tudo indica que, já em abril, a inflação anual recuará, sem
necessidade de qualquer intervenção, para os patamares previstos pela
“meta” do BC.
2. A mídia brasileira omite, mas há uma crítica internacional
crescente à crença segundo deve-se perseguir a queda da inflação a
qualquer custo. Pelo menos dois economistas premiados com o Nobel – Paul
Krugman e Joseph Stiglitz – têm sugerido o contrário. Propõem que os
Estados mantenham, nas próximas décadas, índices de inflação
ligeiramente superiores aos atuais – como ocorreu, aliás, nos “anos
gloriosos” do pós-II Guerra. Explicam que tal ambiente permitirá
desvalorizar a riqueza financeira dos mais ricos, reduzir a dívida
pública e, em consequência, promover políticas redistributivas. Estas, explica
Stiglitz, estimulam a economia e a geração de empregos – porque a
classe média e os pobres consomem uma parte expressiva de seus
rendimentos, enquanto os super ricos entesouram quase tudo.
3. Ainda que a meta seja reduzir a inflação, elevar os juros é uma
péssima forma de fazê-lo. Num post extremamente didático, publicado
hoje, o jornalista Luís Nassif demonstra
que o BC dispõe de instrumentos muito mais eficazes para segurar os
preços. Tem total autonomia, por exemplo, para determinar uma redução
dos prazos de financiamento ao consumidor. A mudança torna mais difícil
adquirir bens, reduz o consumo e as pressões inflacionárias. Tome, por
exemplo, uma geladeira de R$ 1.000, financiada em 24 meses, a uma taxa
de 4% ao mês. Hoje, as prestações são de R$ 65,58. Com a redução do
prazo para 18 meses, elas saltam para R$ 79,00. Já a alta da Selic
eleva-as para… R$ 65,86. “Alguém deixaria de tomar financiamento por conta de um aumento de 28 centavos?”, pergunta Nassif.
4. Por fim, a questão central. Se a
alta da taxa Selic é tão ineficaz, qual o motivo de tanta batalha em
torno dela? É que os juros, embora não reduzam a inflação, são, por
excelência, o meio pelo qual a oligarquia financeira extrai riqueza do
conjunto da sociedade. Em 2012, o Estado brasileiro desviou, do total de
impostos arrecadados, R$ 128 bilhões (ou 4,81% do PIB) para pagar juros
– equivale a aproximadamente seis vezes o montante aplicado no Bolsa-Família. Mas, ao invés de beneficiar 13 milhões de famílias, os juros fluem, segundo cálculos do IPEA, para apenas 0,5% da população – a ínfima minoria que tem recursos para comprar títulos públicos ou seus derivados.
Ocorre que este setor havia se
acostumado a ganhar muito mais, nos anos anteriores. Em 2011, foram R$
151 bilhões; e no período FHC, a despesa com juros chegou a 9%
do PIB. A redução da sangria foi alcançada precisamente graças à queda
dos juros. A partir de julho de 2011, a presidente Dilma orientou o BC a
retomar a trajetória de redução iniciada no governo Lula. As taxas, que
são fixadas em reuniões do Conselho de Política Monetária (Copom) do
banco, caíram
de 12,5% ao ano para os 7,5% de hoje. Sucederam-se fatos
extraordinários. Em 2012, por exemplo, os lucros de bancos como o Itaú e
o Santander recuaram, ainda que muito levemente – depois de anos de
recordes sucessivamente quebrados.
A oligarquia financeira jamais se
conformou com a queda de juros. Não pode, evidentemente, expor suas
razões. Mas tem muito poder, dinheiro e capacidade de “convencer”
aliados importantes. Prepare seus olhos e ouvidos. Até a próxima reunião
do Copom, você estará exposto a doses cavalares de propaganda
ideológica – disfarçada na forma de “notícias” e previsões alarmentes
dos “especialistas de mercado”. O governo e o Banco Central cederão?
Esta é a pergunta que importa.
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