Editorial da REVISTA CARTA CAPITAL
Cena de um filme de Mario Monicelli, Os Companheiros.
Estamos na penúltima década do século XIX e Marcello Mastroianni,
agitador subversivo, chega de trem a Turim. Às portas da cidade, o
comboio é bloqueado por uma multidão de operários, homens, mulheres e
crianças. Em greve, ali estão para impedir a chegada de uma leva de
colegas chamados de outra região pelos industriais turineses para
substituir os grevistas.
Do alto, Mastroianni pergunta a um dos líderes
da parede: “Que país é este?” Responde um inesquecível Folco Lulli em
meio à cerração que sai da tela e invade a plateia: “Um país de m…!”
O Brasil não é a Turim do fim de 1800, mesmo porque aqueles
operários, menores inclusive, estão em greve para conseguir reduzir os
horários de trabalho para 12 horas. Tampouco sou um agitador subversivo,
embora muitos como tal me enxergassem em tempos idos e alguns me
enxerguem até hoje. Ainda assim, encaro o Brasil de hoje e pergunto:
“Que país é este?”
As perguntas apinham-se entre o fígado e a alma, a
partir dos eventos contingentes. Por que o procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, pode permitir-se esperar impunemente que o
julgamento do chamado “mensalão” influa nos resultados das iminentes
eleições? E por que vários ministros do Supremo, mesmo aqueles nomeados
por Lula e Dilma Rousseff, esforçam-se com transparente denodo para
apressar o processo? E por que não cuidam, enquanto o ciciar de suas
togas enche a Praça dos Três Poderes, de moralizar o funcionamento do
próprio STF, onde não falta quem transgrida leis e regras determinadas
para a correta atuação do tribunal?
CartaCapital sempre sustentou a impossibilidade de se provar
o “mensalão” no sentido de mesada, embora observasse na origem do
julgamento crimes igualmente graves. Que se faça justiça é o que
desejamos. Donde: por que nem sempre, e até de raro, os senhores
ministros provem estar à altura da tarefa, súcubos das pressões da mídia
do pensamento único?
E o presente reflui com naturalidade para o passado. Por que o
mensalão petista vai ao tribunal antes daqueles tucanos que o
precederam? E por que Daniel Dantas, que esteve por trás de todos, não
está no banco dos réus? Por que as operações policiais que desnudaram
seus crimes adernaram miseravelmente? Por que o disco rígido do
Opportunity, sequestrado pela Polícia Federal durante a Operação Chacal e
entregue ao STF, nunca foi aberto? No fim de 2005 dirigi esta pergunta
ao então diretor da PF, Paulo Lacerda, na presença de Luiz Gonzaga
Belluzzo e Sergio Lirio. O delegado, anos depois desterrado para
Portugal, respondeu: “Se abrirem, a República acaba”.
Por que Dantas dispõe de tamanho poder, a ponto de receber as
atenções e os serviços profissionais de Márcio Thomaz Bastos, inclusive
quando ministro da Justiça, e o apoio de José Eduardo Cardozo, atual
ministro da Justiça, desde seu tempo de deputado federal? E por que não
duvidar da Justiça, no Brasil, sempre inclinada, como se sabe, a
condenar os pobres em lugar dos ricos? E por que quem tentou enfrentar
Dantas, o honrado ministro Luiz Gushiken, felizmente absolvido pelo
processo do mensalão, pagou caro por sua ousadia?
Observam meus perplexos botões como às vezes caiba
questionar o poder do próprio governo ao vê-lo forçado a compromissos e
concessões.
Por que de quando em quando, mas como o pano de fundo de uma
ameaça constante, surge a forte impressão de que uma espécie de quinta
coluna agita-se dentro de suas fronteiras, formada à sombra de seus
aliados e mesmo dentro do PT? E por que o governo não hesita em favores e
consistente apoio financeiro à mídia que, compacta, o denigre
diuturnamente? E por que tantos governistas não escondem seu deleite ao
se olharem no vídeo da Globo ou nas páginas amarelas de Veja?
Casa-grande e senzala ainda estão de pé: receio que nesta presença
assente a resposta aos intermináveis porquês. Não tenho dúvidas de que
tanto uma quanto outra ainda serão demolidas, e admito que já sofreram
alguns sérios abalos nos alicerces. Gostaria de assistir à destruição
definitiva, o adiantado da idade, contudo, me impede de arriscar
esperanças exageradas.
Mino Carta
Um comentário:
A Análise é bem lúcida, e o que falta muito, por parte da imprensa, é essa lucidez. Não por ingenuidade ou apenas por emocionalismo, mas sempre mascarando a defesa de interesses que nunca chegam a se mostrar para o grande público.
Que, como sempre, segue na maior ignorancia, ao sabor da fala do Jornal Nacional!
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