Mais uma vez o calendário eleitoral girou e volta a se fazer presente. Saturados por praticamente duas décadas de tucanato no estado, com forte hegemonia também na capital, os paulistanos irão às urnas em 7 de outubro eleger vereadores e votar o primeiro turno da disputa pela prefeitura.
Em entrevista ao Correio da Cidadania, Ivan Valente, deputado federal
pelo PSOL (a bancada mais bem avaliada da Câmara Federal), qualificou
os atuais processos eleitorais como “uma competição artificial de
propostas, sem aquelas que seriam mais elaboradas e situadas numa
realidade concreta”.
Para ele, obviamente por conta dos milionários financiamentos
privados que comprometem quaisquer campanhas e mandatos, “a eleição
virou, em muitos casos, uma competição de produtos. Os candidatos
inventam produtos, como esses vales, bilhetes únicos, apresentam
números, um conjunto de promessas e anúncios que não discutem com rigor
qual seria a proposta para a cidade”.
Valente lamenta ainda a capitalização do vazio político pelo
conservadorismo de Celso Russomano (“uma candidatura avulsa, sem nenhuma
movimentação real da sociedade civil, mas com destaque na mídia”),
ainda que acredite numa reviravolta de um de seus dois prováveis
adversários no segundo turno, Serra ou Haddad, por conta do poder
econômico de suas campanhas.
Por fim, critica o monopólio do mensalão nas discussões da mídia, que
em sua opinião “deforma o processo eleitoral”, por ser “monopólica,
concentrada, com uma visão de pensamento único”. Mesmo assim, Ivan
Valente não acredita que o julgamento do escândalo que abalou o PT em
2005 tenha valor preponderante. Mas espera que mais adiante seja
capitalizado à esquerda no eleitorado nacional.
Correio da Cidadania: Como você tem visto o atual processo
eleitoral em nosso país, no que diz respeito às campanhas municipais,
seu conteúdo e as propostas mais repercutidas? Acredita que tem
despertado real interesse na população?
Ivan Valente: O processo eleitoral brasileiro só gera um grande
interesse público na reta final, o que novamente acontece em 2012. Mas
neste ano há um agravante, pois a grande mídia brasileira está tratando
de forma bastante monopolista o julgamento do mensalão, transmitido ao
vivo e ocupando grande parte do noticiário com o assunto. Isso está
causando uma interferência grande nas atenções do momento. Não sei qual
vai ser o impacto geral do processo julgado pelo STF. Algum impacto
terá, mas não sei o quanto. De toda forma, ocupa um espaço político
grande demais. E de resto, o povo costuma se interessar pelas eleições
mais na reta final.
Correio da Cidadania: O que o conteúdo programático dessas
campanhas, no geral, diz a respeito de nosso momento político? Os temas
mais urgentes da vida das cidades estão sendo realmente contemplados?
Ivan Valente: Acho que a eleição virou, em muitos casos, por causa da
marketagem política, uma competição de produtos. Os candidatos inventam
produtos, como esses vales, bilhetes únicos, apresentam números, como
“triplicar a guarda municipal”, um conjunto de promessas e anúncios que
não discute com rigor qual seria a proposta para a cidade. A dívida
pública municipal seria pauta importante, assim como a publicidade da
arrecadação real, também em termos de sonegação e evasão fiscal. E aí
sim as prioridades poderiam ser definidas, baseadas na realidade da
cidade, tratando assuntos como transportes e educação, por exemplo, e
recebendo mais recursos e iniciativas. Mas, da forma atual, fica uma
grande competição marketeira pra conquistar o voto do eleitor, ainda
mais em relação aos partidos que têm muito tempo na televisão. Uma
competição artificial de propostas, sem aquelas que seriam mais
elaboradas e situadas numa realidade concreta.
Correio da Cidadania: Como analisa especificamente o processo eleitoral na cidade de São Paulo?
Ivan Valente: Em São Paulo sofremos com a realidade específica da
cidade, que concentra a sede, o núcleo duro dos maiores partidos que têm
competido nacionalmente, PT e PSDB. De fato, há uma disputa cansativa
nesse contexto. O PSDB é um partido que já “enjoou”, pois há uma grande
rejeição a seu candidato, Serra, com os tucanos há 18 anos governando o
estado nessa supremacia neoliberal. E as propostas petistas perderam
apelo.
Infelizmente, esse fato não é explorado pela esquerda, mas exatamente
por alguém que se apresenta como novo sem ser novo. O Russomanno é uma
candidatura quase avulsa, de certa forma uma aventura que a cidade está
se dispondo a correr, também beneficiada pelo cansaço das propostas
apresentadas pelos outros. O povo de São Paulo não acredita nas
propostas, pois vê que a moradia não se resolve, o trânsito continua
entupido, entre outras questões atuais. A população é iludida com uma
proposta que parece ser nova, mas não tem estrutura, não é baseada numa
movimentação real da sociedade civil. Porém, conta com bastante destaque
midiático.
Essa é a situação predominante, com boa chance de o Russomano se
eleger, porque, ao passar pelo primeiro turno, o concorrente do PT ou
PSDB que ficar de fora do segundo turno tende a despejar nele seu apoio.
Mas ainda faltam 15 dias e o PT e o PSDB têm muito tempo de TV e muitos
recursos, marketing. Como tem muita grana envolvida, ainda é
precipitado fazer o prognóstico.
Correio da Cidadania: De modo que o fenômeno Russomano é um
evidente fruto do vazio de ideias no debate político e desse “enjoo” da
população.
Ivan Valente: Sim, aqui em São Paulo o vazio vem dessa hegemonia
tucana somada ao desgaste do petismo. Infelizmente, nós ainda não
conseguimos nos apresentar com uma opção real de esquerda. E mesmo
candidaturas que podem tentar se apresentar como alternativas não
tiveram poder pra alçar voos mais altos.
Correio da Cidadania: Um personagem marcante destas eleições
é, sem dúvida, como você mesmo já salientou, o chamado mensalão – na
cidade de São Paulo, explicitamente explorado pelo tucanato em sua
disputa voto a voto com o petismo para a chegada ao segundo turno. Teria
algo a dizer sobre o mensalão? Terá algum impacto nos resultados
eleitorais, especificamente na corrida do PT às prefeituras?
Ivan Valente: Acredito que na reta final, com a condenação de algumas
figuras públicas do PT, vai ter alguma influência, até pela forma
saturada como a mídia trata a questão. Não creio que seja o elemento
definidor, mas, pela mídia e por calhar justo na reta final, quando o
eleitor fica mais atento aos candidatos, algum efeito vai ter. Espero
que o efeito seja pelo lado da esquerda, que consigamos capitalizar,
digamos, os erros do PT. Que a capitalização não seja pela direita, pela
lógica que o PSDB e DEM tentam aplicar. Que o voto petista originário
migre para uma condição de esquerda, nacionalmente. Mas não será simples
fazer isso imediatamente. Possivelmente, o desdobramento será futuro.
Correio da Cidadania: O que pensa da campanha de Giannazi, candidato de seu partido à prefeitura de São Paulo?
Ivan Valente: É uma campanha difícil, uma vez que há uma concorrência
muito forte, e não se tem conseguido romper o cerco das precariedades
do PSOL, como, por exemplo, o tempo de TV. Além disso, é preciso fazer
um embate mais calibrado contra os competidores que se pretende atingir.
Houve algumas falhas nesse sentido. Creio que deveríamos tentar ganhar o
voto mais consciente da sociedade, o voto frustrado do PT, mas, para
tal, precisaria de um calibre político voltado à questão. Talvez
houvesse um manancial de votos a ser explorado de forma mais
substantiva. De resto, a campanha tem dificuldades naturais ao PSOL. Não
conseguiu o destaque de outros locais, como Rio de Janeiro, Belém,
Macapá, Fortaleza, onde o desempenho é bom.
Correio da Cidadania: Já que falamos de outras capitais,
faria uma comparação entre a campanha de Giannazi por aqui e a que tem
se desenrolado por parte do PSOL no Rio (capital), onde a candidatura de
Freixo cresceu e se entusiasmou com uma grande adesão de camadas
progressistas?
Ivan Valente: Não quero fazer comparações, pois não creio que seja o
momento. Há outras questões complexas envolvidas. O que quero dizer é
que a campanha do Freixo tem solidez política, entrou no vazio da
direita carioca, bastando ver o Garotinho, Cesar Maia, seus
correligionários, o PSDB, com desempenho bem baixo. Além disso, empolgou
a intelectualidade do Rio de Janeiro, empolgou os artistas e ganhou um
grande apelo na juventude carioca. É uma candidatura que pode
surpreender e até chegar ao segundo turno, o que não depende só do PSOL a
essa altura, mas também dos outros partidos. O desempenho do PSOL já é
considerado excepcional na segunda cidade do país, até pela simbologia
que carrega o Rio de Janeiro. É uma candidatura que conseguiu empolgar,
tendo consistência política.
Correio da Cidadania: Como tem visto, no geral, a atuação das
correntes mais à esquerda no espectro político no atual cenário
eleitoral? Estão conseguindo se colocar à altura dos desafios que se
esperam para iniciar um debate e postura alternativos, de forma a
avançar efetivamente no enfrentamento das questões sempre negligenciadas
e que, de fato, afetam a população?
Ivan Valente: Acho que onde temos um acúmulo maior tivemos condição
de colocar melhor o nosso ponto de vista. Com um candidato forte,
conseguimos destaque, como em Belém, onde nosso candidato já governou o
estado por oito anos, ou como em Macapá, onde, além de nosso candidato
estar muito bem colocado, conta com o apoio do Randolfe Rodrigues, nosso
senador, que tem 80%, 90% de aceitação no estado. Em Fortaleza acontece
o mesmo, com o Renato Roseno. São todas figuras que dão relevo ao
partido. Onde as candidaturas são mais expressivas, é mais fácil trazer o
apoio popular ao PSOL.
Fora isso, o partido tem sido ajudado pelo reconhecimento da bancada
federal, pela sua atuação, pelos temas que aborda, pela ética política, o
que o ajuda nacionalmente. Tem havido um reconhecimento, mas não é
fácil competir com as máquinas e o marketing político nas grandes
cidades. Ainda faltam maior inserção social e chapas mais fortes para
vereador, apresentando pelo Brasil inteiro candidaturas que tenham
presença na população.
Correio da Cidadania: E o que dizer, neste contexto, dos
partidos hoje mais representativos da esquerda, além do PSOL, PSTU e PCB
entre alguns mais conhecidos? O que singularizaria cada um deles no
atual cenário, e qual a sua expectativa quanto ao saldo que deverão
deixar?
Ivan Valente: Eu diria que esses outros partidos se destacam nas
eleições em muito menor escala. A única candidatura do PSTU que ganhou
destaque é, inclusive, em aliança com o PSOL, em Aracaju, onde há certo
vácuo; outro exemplo é do PCB em Recife, também aliado ao PSOL. Mas não
chega a ser tão relevante. Creio que, por não terem representação
institucional, e também por suas posições muito doutrinárias, têm
dificuldades no processo eleitoral. Mais dificuldades que o PSOL, embora
também tenhamos muitas.
Correio da Cidadania: Arriscaria um palpite sobre os resultados do 1º turno: Russomano versus Serra ou versus Haddad?
Ivan Valente: Nesse momento ainda acho melhor esperar pesquisas. É
muito provável que o Russomano já esteja lá, basta não cometer nenhum
erro gravíssimo. Mas não há nada definitivo ainda.
Correio da Cidadania: De todo modo, considerando-se que, em
um segundo turno, Serra ou Haddad disporiam de artifícios e recursos
suficientes para passar à frente de Russomano, qual das duas
alternativas significaria uma relação um pouco menos truculenta e
insensível com a população mais periférica e desfavorecida
economicamente?
Ivan Valente: Apesar de todas as críticas contundentes que temos ao
PT, certamente o programa do PT tem mais consistência. Mas não quer
dizer que o PSOL se definirá nessa direção no segundo turno. É bem
provável que opte por um voto mais progressista, contra o neoliberalismo
privatista, apesar de o PT também enveredar por tais caminhos. E o
Russomano é uma incógnita, não faz parte de um partido que possui
projeto, um verdadeiro programa por trás.
Se fizermos um balanço do que foi o PT no governo da Erundina e mesmo
da Marta, pode-se dizer que foi melhor. Não grande coisa, mas a
Erundina foi bem, sim, era da época em que o PT ainda “estava na briga”;
com a Marta, foram maiores os percalços.
Correio da Cidadania: Você fez referências à mídia e ao
destaque que vem dando ao chamado mensalão. O que pensa do papel que a
mídia tem exercido nesse processo eleitoral?
Ivan Valente: A mídia brasileira certamente é monopólica,
concentrada, com uma visão de pensamento único. De certa forma, ela
deforma o processo eleitoral. As chances e espaço para os candidatos e
ideias não são iguais, as informações não são fidedignas e a mídia, por
fim, tem lado.
Portanto, eu diria que é pouco democrática a cobertura
que a mídia realiza.
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