Na opinião do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Brasil não explora seu potencial em biodiversidade, e se concentra em produtos convencionais
No IHU
Vislumbrando o aumento do consumo de alimentos nos próximos vinte
anos, a expansão agrícola deve considerar as áreas degradadas e investir
em produtos diversificados, oriundos das florestas e biomas do país.
“Só no território amazônico, existe entre 12% e 17% de áreas degradadas,
que poderiam ser utilizadas para produção agrícola”, aponta o diretor
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, Adalberto Val.
Em sua avaliação, a agricultura brasileira ainda está “concentrada em
produtos que são extremamente convencionais”, e o país “não está
avançando diante da enorme biodiversidade que tem”.
O desperdício de alimentos gerado pelo atual modelo de desenvolvimento agrícola é
um desafio a ser resolvido. Segundo o pesquisador, cerca de 30% dos
alimentos produzidos vai para o lixo, e isso significa que de “cada
R$100,00 em produtos, perde-se cerca de R$30,00”. E enfatiza: “Trata-se
de uma perda bastante significativa dentro desse contexto. Se você
imaginar que, para um produtor ou um empregado, essa proporção poderia
melhorar sua qualidade de vida, podemos dizer que vale a pena investir
para reduzir essas perdas”.
Segundo o entrevistado, reaproveitar as terras já desmatadas e a
diminuir o desperdício de alimentos dependem do investimento em ciência e
tecnologia. “Há um grande interesse do governo, mas falta pessoal
qualificado para estudar as regiões que têm terras degradadas”, diz em
entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. E
conclui: “Basta considerar o caso da Amazônia e dos nove estados
amazônicos, ou seja, cerca de 60% do território brasileiro. Nessa área
toda, tem pouco mais de quatro mil doutores, metade dos quais não está
envolvida com a produção científica, pois muitos se encontram
trabalhando com questões administrativas de uma maneira geral. Então,
apesar de o Brasil estar formando 11 ou 12 mil doutores por ano, a
quantidade desse pessoal fixada nessas áreas do país ainda é bastante
frágil e reduzida”.
Adalberto Luis Val é graduado em
Biologia, mestre e doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA.
Confira a entrevista.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as razões de 35% da produção agrícola
brasileira ir para o lixo? O que isso demonstra sobre o modelo agrícola
brasileiro?
Adalberto Luis Val – A produção agrícola
brasileira está concentrada em produtos que são extremamente
convencionais. Quer dizer, o Brasil não está avançando diante da enorme
biodiversidade que tem. Boa parte dos produtos agrícolas é desperdiçada
ainda no campo, depois em função do transporte.
Apesar disso, cabe ressaltar, por um lado, as possibilidades que o
Brasil tem de avançar de forma bastante significativa no uso de novos
produtos a partir da diversidade biológica. Por outro, um aspecto
extremamente relevante e importante dentro deste contexto é utilizar as
áreas degradadas nos diferentes biomas brasileirospara
produção agrícola. Só no território amazônico, existe entre 12% e 17%
de áreas degradadas, que poderiam ser utilizadas para produção agrícola.
Evidentemente que esse reaproveitamento das terras depende de
informação científica. Portanto, a otimização não só para a redução das
perdas agrícolas, mas também para utilização de áreas degradadas e para a
busca de novos produtos na biodiversidade depende fundamentalmente de
ciência e tecnologia. Por isso é preciso imediatamente direcionar
recursos para que se possam utilizar novas tecnologias.
Eu não estou falando só da produção plantada no solo, mas também de
outros processos de produção de proteínas, como a produção de peixes,
que é uma alternativa extremamente importante e interessante para o
Brasil por conta de sua vasta extensão hídrica. É possível avançar nesta
área de forma significativa. O mundo aponta hoje para uma expansão de
necessidade de alimentos para daqui a 20 ou 30 anos.
Então, o Brasil vai precisar dobrar a produção de alimentos. Em vista
disso, se fizer uma análise geral nos países do mundo que têm condições
de atender a essa demanda, verá que é reduzido o número de países que
são capazes de atender a essa questão e, entre eles, está o Brasil. O
Brasil talvez seja um dos únicos países capaz de dobrar a produção
agrícola em um curto espaço de tempo.
IHU On-Line – Como estão os investimentos em tecnologias para reaproveitar as áreas degradadas?
IHU On-Line – Como estão os investimentos em tecnologias para reaproveitar as áreas degradadas?
Adalberto Luis Val – Há um grande interesse
do governo, mas falta pessoal qualificado para estudar as regiões que
têm terras degradadas. Basta considerar o caso da Amazônia e
dos nove estados amazônicos, ou seja, cerca de 60% do território
brasileiro. Nessa área toda, tem pouco mais de quatro mil doutores,
metade dos quais não está envolvida com a produção científica, pois
muitos se encontram trabalhando com questões administrativas de uma
maneira geral. Então, apesar de o Brasil estar formando 11 ou 12 mil
doutores por ano, a quantidade desse pessoal fixada nessas áreas do país
ainda é bastante frágil e reduzida.
IHU On-Line – Qual é o custo econômico e social desse desperdício para o Brasil?
Adalberto Luis Val – Em uma estimativa, o
Brasil perde algo em torno de 30% de todo o processo agrícola. Isso
significa que de cada R$100,00 em produtos, perde-se cerca de R$30,00.
Trata-se de uma perda bastante significativa dentro desse contexto. Se
você imaginar que, para um produtor ou um empregado, essa proporção
poderia melhorar sua qualidade de vida, podemos dizer que vale a pena
investir para reduzir essas perdas. Seria possível treinar melhor as
pessoas em um processo de inclusão social mais efetivo, dentro de um
processo educativo mais amplo.
IHU On-Line – Que mudanças seriam necessárias para reverter
esse quadro? Seria o caso de modificar a logística do transporte ou
pensar um novo modelo de desenvolvimento agrícola?
Adalberto Luis Val – Temos de caminhar
nesses dois sentidos. A tendência geral sempre foi nos adaptarmos a um
modelo pré-pronto e estudar uma melhoria do modelo. Portanto, precisamos de novos conceitos,
novas modalidades para atuar na agricultura. Por isso o investimento em
ciência e tecnologia no sentido de definir novas formas de transporte,
novas formas de utilização e novas formas de armazenamento para os
produtos agrícolas é fundamental.
IHU On-Line – Além do desperdício, quais são os outros
gargalos que o circuito dos alimentos e a agricultura enfrentam no
Brasil?
Adalberto Luis Val – A questão da segurança
alimentar deixa o Brasil fragilizado. Na realidade, é preciso proteger
melhor o processo de produção agrícola no país, principalmente no que se
refere a sistemas que vulnerabilizam a agricultura. Nesse sentido, é
necessário trabalhar fortemente para proteger o sistema agrícola, por um
lado. Por outro, é necessário precisamos buscar novas variedades
agrícolas, que sejam mais produtivas em determinados ambientes, de forma
que se possa ampliar a produção de alimentos cultivados nas florestas e
biomas brasileiros. Na Caatinga, no Pampa e na Mata Atlântica temos um
conjunto bastante significativo de informações, que poderiam ser
transformadas em novas oportunidades. Portanto, explorar, do ponto de
vista da diversidade biológica, novos produtos e novas variedades é
extremamente importante para melhorar a produção agrícola, inclusive
dando mais competitividade a ela.
Outro aspecto extremamente importante é a questão da perspectiva
desses novos cenários de mudanças climáticas que o Brasil e o mundo
deverão enfrentar. Como o sistema de produção agrícola e de produção
animal irão se comportar em cenários em que a temperatura será mais
elevada e nos quais haverá maior concentração de dióxido de carbono na
atmosfera?
IHU On-Line – Qual é o papel do Brasil diante da crise alimentar? E como conciliar a exportação com o consumo interno?
Adalberto Luis Val – Tenho insistido muito
no seguinte: em algumas áreas o Brasil não pode ficar a “reboque” das
agendas que são geradas em outros países. Por exemplo, no que se refere à
biologia tropical, não há por que copiarmos ou executarmos uma agenda
que não é nossa. O Brasil precisa ocupar o papel de protagonista nesse contexto de crise alimentar.
Em relação à questão do abastecimento interno, precisamos melhorar o
processo educativo de uma maneira. Nós temos um vício cultural muito
grande com relação ao desperdício de alimentos, e a solução desse
problema depende de uma mudança de postura, que deverá vir a partir de
mudanças profundas nos processos educativos do país.
IHU On-Line – Na última década o Brasil triplicou o uso de
agrotóxicos na agricultura. É possível desenvolver uma agricultura sem a
utilização desses produtos?
Adalberto Luis Val – É possível,
principalmente com base no manejo biológico, que é fundamental nesse
processo. Em um ambiente natural não é utilizado agrotóxico. Por que se
usa o agrotóxico? Porque estamos trabalhando com uma variabilidade
genética menor. Toda vez que trabalhamos com uma variabilidade genética
menor, tornamos o organismo cultivado muito mais frágil, e aí a necessidade de usar o agrotóxico é
cada vez maior. Na realidade, precisamos de um processo adaptativo de
manejo biológico no sentido de manter a rusticidade dos organismos,
plantas e animais, diante de um processo de produção que é diferente
daquele que tem um ambiente natural.
IHU On-Line – Como compreender a crise alimentar do mundo,
considerando a quantidade de alimentos produzidos? A raiz deste problema
é econômica e política?
Adalberto Luis Val – É mais política do que
econômica, e está fortemente relacionada ao processo educativo.
Precisamos melhorar todo processo educativo no sentido de otimizar o uso
dos produtos agrícolas de uma maneira geral. Se observarmos dentro da
nossa própria casa, o volume de alimentos que desperdiçamos é muito
grande. Talvez pudéssemos alimentar pelo menos mais um terço dos
habitantes com os alimentos que desperdiçamos. Como eu disse, trata-se
de uma questão cultural. Precisamos trabalhar essa questão ao longo do
tempo, para que se possa ter uma postura diferenciada no futuro.
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