Enquanto
é perceptível o retrocesso em relação a alguns temas, surge também a
esperança no comportamento de grupos jovens. Para esses que há pouco
tempo conquistaram o equilíbrio físico, a busca por ideias harmoniosas
parece ser algo natural. Talvez seja por isso que toda nova geração tem o
poder de renovar costumes...
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por Daniel Ribeiro |
Outro dia recebi um vídeo de uma sobrinha andando de bicicleta sem
rodinhas pela primeira vez. Era impressionante a felicidade sentida pelo
simples fato de estar equilibrada sobre duas rodas. Atualmente
convivendo com várias crianças da família, me surpreendo toda vez que
elas conquistam a habilidade sobre algo tão banal como ficar de pé. Esse
convívio me faz pensar constantemente sobre o equilíbrio. Como pode
algo tão simples trazer tanta felicidade e orgulho? E por que é que
depois da primeira engatinhada, do primeiro passo e da bicicleta sem
rodinhas nós paramos de buscar o equilíbrio? Para onde vai a necessidade
de se equilibrar depois que conseguimos manter o corpo ereto?
Como a natureza sempre encontra uma maneira de se impor sobre nossas
vontades, acredito que essa busca continua, mesmo inconscientemente. E
suponho que, como seres pensantes que somos, a necessidade do equilíbrio
é direcionada para o campo das ideias. Mas fica a dúvida: mesmo que ele
não seja tão palpável e concreto como ficar de pé pela primeira vez,
por que não buscamos esse equilíbrio com a mesma urgência e vontade que
as de uma criança para dar seus primeiros passos?
Infelizmente, observando o nosso comportamento como sociedade, parece
que o equilíbrio está longe de ser um objetivo. A seção de comentários
de qualquer site de notícias, na qual encontramos opiniões
assustadoramente preconceituosas escritas por pessoas cheias de ódio, é
exemplo disso. Que esses pontos de vista sempre existiram não é
novidade. Mas, por serem radicais, eram também irrelevantes e ficavam
restritos aos seus pequenos grupos. Aparentemente, essa restrição ficou
no passado. Hoje, aquele tio racista e preconceituoso, que normalmente
não encontrava eco para suas opiniões no almoço de domingo, agora reúne a
sua turma na internet. Mesmo considerando que é nessa mesma rede que
também se reúnem minorias historicamente oprimidas, que hoje conseguem
se organizar e fazer valer suas vozes, é inegável que opiniões radicais
voltaram a ter força na nossa sociedade.
Enquanto é perceptível o retrocesso em relação a alguns temas, surge
também a esperança no comportamento de grupos jovens. Para essas pessoas
que há pouco tempo conquistaram o equilíbrio físico, a busca por ideias
harmoniosas parece ser algo mais natural, como o passo seguinte à
bicicleta sem rodinhas. Talvez seja por isso que toda nova geração tem o
poder de renovar ideias e costumes. Hoje em dia, é grande a quantidade
de jovens que apoiam os direitos dos homossexuais. A convivência com a
diversidade sexual, seja no dia a dia, em contato com casais gays que
vivem “fora do armário”, seja com inúmeros personagens homossexuais do
cinema e da TV, formou uma geração mais tolerante. Vivem constantemente
conectados em rede com as mais diversas culturas e opiniões. Podem ser
influenciados tanto por uma música feita na Coreia como por uma
revolução no Egito. Quando deixam de viver exclusivamente com as ideias
que surgem dos colegas de escola ou de vizinhos, tornam-se seres humanos
mais conscientes das diferenças e da diversidade. Em contato frequente
com a pluralidade existente no mundo, parecem encontrar naturalmente um
ponto de equilíbrio entre a forma como vivem e a maneira como vivem os
outros.
Em 2013, essa percepção sobre o “outro” pôde ser vista durante as
“manifestações de junho”. A busca por respostas para o desaparecimento
do pedreiro Amarildo não à toa foi uma das mais significativas
reivindicações. Era curioso como, de repente, as pessoas passaram a se
importar com uma questão para a qual normalmente não se dá muita
atenção: o sumiço de um jovem pobre, morador de favela. Quando os jovens
de classe média enfrentaram pela primeira vez a violência policial,
parece ter ficado mais fácil se identificar com aqueles que encaram
cotidianamente essa brutalidade. Puderam ignorar o discurso elitista e
preconceituoso que condena pobres como “bandidos” e, por experiência
própria, perceberam que há truculência deliberada e muita injustiça no
comportamento policial. A impressão era de que, por meio da reflexão
sobre a forma como nossa sociedade é organizada, se atingia uma opinião
mais equilibrada sobre um tema complexo.
Por outro lado, um exemplo localizado em São Paulo revela que o
espírito coletivo pode ser facilmente relegado. O individualismo mostrou
sua cara nas manifestações dos paulistanos contra o aumento do IPTU. A
proposta do novo cálculo era promover justiça social: em vez de toda a
população ter exatamente o mesmo aumento, um terço das residências seria
beneficiado pela redução ou isenção do imposto, enquanto o restante
teria uma elevação baseada no bairro em que morasse. Com esse aumento,
seria possível cobrir os gastos da grande reivindicação das
manifestações de junho: os custos da manutenção da tarifa de ônibus. E o
que é melhor: aqueles que ganham mais e moram em bairros centrais
bancariam a passagem daqueles que moram nas periferias. Parecia justo. O
problema foi tentar mexer no bolso das forças conservadoras, essas que
não gostam muito de equilíbrio e que, representadas por uma imprensa
elitista, aproveitaram o sentimento de revolta ainda presente no ar para
colocar a população contra a ideia. Sendo assim, o que se viu foi uma
reação maciça, desinformada e egoísta contra o aumento. Apesar de
algumas passeatas, foi nas redes sociais que os jovens optaram por se
manifestar de forma mais ampla e acalorada.
Como pode, então, uma geração tolerante e supostamente bem informada
muitas vezes ser cooptada por forças conservadoras, que a fazem sucumbir
a um individualismo simplório e mesquinho?
Eu apostaria na superficialidade do debate. Hoje, toda informação
precisa caber em 140 caracteres. Quem tem o poder de síntese acaba
vencendo a guerra das ideias. Por outro lado, a complexidade dos fatos,
do mundo e da realidade não cabe em tão pouco espaço. Exige, portanto,
estudo, leitura, dedicação e tempo. É aí que temas extremamente
importantes acabam perdendo espaço nos perfis e murais das redes
sociais. Os feeds, com fluxo constante de notícias, fotos,
vídeos e “memes”, fazem os usuários ter a falsa sensação de estarem
informados. Nem é necessário ler a notícia, basta ver o título para
tomar uma posição e, assim, curtir e compartilhar. Ganha, então, a
manchete mais atraente, a mais escandalosa, a mais chocante. Perde-se,
assim, o equilíbrio.
Essa geração, portanto, precisa decidir qual será seu legado.
Talvez a
falta de tempo e o excesso de informação acabem definindo essa turma.
Infelizmente, correm o risco de se tornar a geração que não sabe nada
sobre muita coisa e que, ainda assim, dá opinião sobre tudo, sintetizada
em uma hashtag. Por outro lado, tem tudo para ser a geração do
equilíbrio, ponderada, que não aceita facilmente ideias radicais e não
se deixa ser facilmente manipulada. Com acesso fácil e rápido ao
conhecimento, esses jovens só precisam agora processar com dedicação e
tempo a informação que recebem, podendo prescindir mais e mais das
rodinhas de suas bicicletas.
Daniel Ribeiro
Ilustração: Tulipa Ruiz |
Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
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sábado, 1 de março de 2014
Em movimento para encontrar o equilíbrio
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