A história do Brasil é permeada por denúncias de corrupção.
Desde o período colonial, passando pela monarquia de Pedro pai e Pedro filho e
avançando por todo o período republicano e até os nossos dias, denunciar a
corrupção alheia tem sido uma boa arma política para as oposições de todo tipo.
Até aí, novidade nenhuma, até porque esse não é um fenômeno brasileiro.
Corrupção é praticamente uma “instituição” presente na sociedade desde que surgiram as primeiras
diferenciações de classe, desde que alguns começaram a enriquecer em detrimento
do conjunto da sociedade. Nada de novo no front, portanto!
O que incomoda profundamente, no caso específico da política
brasileira das últimas décadas, é que a chamada “sociedade civil”, incluídos aí
partidos, “políticos” eleitos pelo povo ou indicados para o exercício de cargos
públicos os mais diversos, nos habituamos a travar a luta política, em boa
parte do tempo, brandindo a bandeira da
anticorrupção como mera arma para desgastar, desmoralizar e derrubar os poderosos
de plantão.
Desde a
redemocratização iniciada pós ditadura militar (ela própria um esteio fenomenal
de corrupção e cevadora de corruptos em larga escala), não houve um simples ano
no qual jornais, revistas, parlamentares de oposição em todos os níveis e
entidades as mais diversas – aparelhadas ou não pelas diversas forças políticas
– não tivessem berrado a plenos pulmões que quem exercia o poder naquele momento
era corrupto, conivente ou, no mínimo, incompetente para combatê-la. Vejam,
estou me referindo aos últimos 28 anos da história brasileira, após a grande
vitória popular sobre a corrupta ditadura militar.
Quase trinta anos e a cada ano, tome denúncias. Pouco
importa se são verídicas ou não. O efeito geralmente tem sido semelhante e em
processo crescente: um contingente cada vez maior de pessoas simplesmente trata
a política como algo sem solução, um verdadeiro mar de lama, independente da
coloração partidária. Os índices de abstenção e votos nulos têm crescido sucessivamente
a cada eleição, a julgar pelos dados recentes referentes ao primeiro turno da
eleição deste ano. É lastimável sob qualquer aspecto que eu analise.
Desencanto com a política, a percepção de que todos os
políticos agem igual independente de filiação partidária (que mentem, que roubam, que são incompetentes, etc)
geralmente termina de uma única maneira: regimes autoritários que afirmam que
vão “limpar” a política e geralmente acabam não apenas exercitando a corrupção
em larga escala, mas, muito pior do que isso, desenvolvendo políticas que
apenas aprofundam o fosso que separa ricos e pobres. Lembremos do nazifascismo
e da nossa ditadura militar, apenas para dar dois exemplos fáceis de serem
compreendidos.
As forças políticas progressistas, os partidos de esquerda,
os movimentos sociais que lutam décadas a fio por um país mais justo, pela
construção de uma pátria efetivamente independente e desenvolvida e com justiça
social, não podemos ficar olhando esse trem passar e entrar no verdadeiro
concurso que se tornou comum nos últimos anos: quem aponta com mais fatos e
argumentos o tamanho do lamaçal dos partidos adversários. Não podemos aceitar a
permanência do nosso campo nessa ideia de que corruptos são apenas os outros
ou, pior ainda, na onda “Meus corruptos
favoritos”, aqueles a quem escolhemos para destruir moralmente e derrubar do
poder, caso o poder exerçam, ou para evitar que o assumam.
Não sou daqueles ingênuos que acham que a corrupção é o
maior problema do Brasil (ou de qualquer país). Isso é uma bobagem sem tamanho
e serve principalmente como cortina de fumaça amplamente utilizada pelas forças
mais conservadoras para embolar o meio de campo e desviar a atenção da maioria
da população para o principal problema que é exatamente a brutal estrutura de
concentração de renda típica do capitalismo. Esse é o pior problema da
humanidade desde os últimos trezentos anos e ele apenas está se intensificando
nas últimas décadas.
Corrupção é acessória à exploração que os capitalistas exercem
sobre a maioria da população e é um fenômeno que contribui para a acumulação de
capitais e poder político. Mas mesmo sendo acessória, é preciso levar em
consideração o efeito que ela causa sobre o conceito que o povo tem sobre a
política, sobre a luta política e sobre a necessária transformação profunda das
estruturas econômicas para democratizar efetivamente a riqueza e a própria
sociedade. Menos de 10% da população, em âmbito mundial, concentra brutalmente
a renda e usa largamente a corrupção em suas múltiplas variáveis como
instrumento secundário da manutenção do seu poder e privilégios. Mas a
corrupção é face mais evidente e facilmente identificável pela massa popular
como fonte de acumulação de riqueza. Por isso usá-la como arma Política é
geralmente fácil e eficiente.
Não tenho ilusões sobre o fim da corrupção enquanto a
humanidade viver sob o manto da concentração capitalista da riqueza. Corrupção
só será plenamente varrida da prática humana quando não houver mais motivo para
acumular riqueza e poder político. O problema é que esse horizonte está por
demais distante e não dá para ficarmos deitados em berço esplêndido esperando que
esse maravilhoso dia chegue, pois ele não chegará automaticamente e quando
chegar, se chegar, será o resultado de uma imensa luta transformadora de
alcance histórico.
Às forças transformadoras, progressistas, que têm
compromisso efetivo com a democratização da sociedade brasileira, é necessário
travar a dura luta contra os principais mecanismos atuais que favorecem a
corrupção na política – e de quebra, em vários segmentos da sociedade fora do
ambiente político-partidário e estatal . Ou tomamos em nossas mãos as
iniciativas para eliminar mecanismos perversos de geração de corrupção em larga
escala, como o financiamento privado para campanhas eleitorais, por exemplo , ou continuaremos a chocar o “ovo
de serpente” que alimenta golpistas históricos – os encastelados em grandes
órgãos de comunicação e que detestam governos progressistas ou de esquerda, os
saudosos da hipócrita e corrupta ditadura militar, os aventureiros pseudo
salvadores da pátria, etc. – sempre a serviço das tradicionais elites
enriquecidas e associadas de potências estrangeiras sugadoras das nossas riquezas.
Ou pomos a mão efetivamente na consciência do nosso papel
nesse campo, ou vamos vivenciar nos próximos processos sucessórios ou de luta
pelo poder fora das eleições, mais e trágicos episódios do concurso “Meus
corruptos favoritos”.
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