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por Silvio Caccia Bava | ||
Você liga a televisão e nos principais noticiários o que se vê é crime,
caça a bandidos, violência. Há mesmo programas especialmente dedicados à
cobertura de crimes e perseguições pela polícia. A cena flagrada pelas
câmaras de segurança mais próximas repete à exaustão o momento em que o
assaltante atira e mata sua vítima, que está indefesa. São trinta,
quarenta vezes, que a cena se repete, como que martelando na cabeça do
espectador quão insegura e violenta é a cidade em que ele vive.
Isso tem seus efeitos. As pesquisas de opinião identificam que, depois
da saúde (52%), a segurança pública é a maior preocupação do brasileiro
(33%), seguida da questão das drogas (29%). Somados, os dois últimos
itens colocam-se em primeiro lugar (62%).1
A percepção de pouco menos da metade da população adulta brasileira é
de que o problema da segurança piorou, especialmente nas capitais e
grandes cidades. Essa visão é liderada sobretudo por mulheres entre 30 e
50 anos, com nível superior, com maior poder aquisitivo. Muitos mudaram
seus hábitos, evitando sair à noite, deixando de circular por alguns
bairros e ruas, mudando os trajetos rotineiros entre residência,
trabalho e escola. Os cuidados com segurança crescem principalmente nas
famílias com renda superior a dez salários mínimos.
Mas, paradoxalmente, há outra avaliação se ouvirmos a opinião geral dos
brasileiros: 62% consideram que a situação da segurança pública está
melhor ou igual do que há três anos. Alguns números respaldam essa
interpretação. Os assaltos a bancos foram 1.903 no ano 2000 e caíram
para 422 em 2011. O índice de homicídios no país passou de 28,9 em cada
grupo de 100 mil habitantes, em 2003, para 25,6, em 2008. Nos últimos
anos, a taxa tem permanecido em torno de 26 mortes em cada 100 mil
habitantes. Mesmo assim, 45% dos brasileiros aumentaram os cuidados com
segurança nos últimos três anos.2 Esse mesmo paradoxo podemos
encontrar na questão da redução da maioridade penal, amplamente apoiada
pela opinião pública. Apenas 1% dos crimes é cometido por menores de 18
anos.
Por que então esse destaque tanto para a violência quanto para uma
maior punição do menor infrator? Não há apenas uma resposta para essas
questões, mas, sob o domínio do medo, você se dispõe a aceitar regras
autoritárias, arbitrárias, para garantir sua segurança. Você abre mão de
direitos. Você aceita, ou faz vista grossa, para a execução sumária de
suspeitos por parte da polícia, por exemplo. Além do que, da ótica do
mercado, crime e violência vendem grandes audiências e abrem novos
negócios.
A segurança se privatiza, um mercado nacional que em 2002 era estimado
em R$ 36 bilhões e apresenta um crescimento de 7% a 10% ao ano. Seu
primeiro cliente são os governos, que terceirizam os serviços de
segurança da administração pública (32%), seguidos da indústria (29%),
bancos (23%), condomínios (7,6%), comércio e serviços (7,5%). Ela
emprega um verdadeiro exército: 690 mil trabalhadores. Aqui não contam
os seguranças contratados na informalidade, um exército paralelo
composto principalmente de policiais em horas de folga. Para ter uma
ideia das proporções, em 2003 o Ministério da Justiça registrou 506.411
policiais, 390.451 policiais militares e 115.960 policiais civis −
números que não variaram muito até hoje.
Do lado da segurança pública, a atuação das polícias civil e militar
tem provocado grande preocupação. Os dados do Departamento Penitenciário
Nacional de junho de 2012 indicam a existência de 549.577 presos no
sistema prisional brasileiro. Eram 233 mil em 2000. Em dez anos, a
população encarcerada mais que dobrou.
Mas os dados mais gritantes são os dos chamados presos provisórios, que
aguardam julgamento. Hoje eles são 42% e correspondem a 232.244
pessoas. Eram 165 mil em 2010 e 91 mil em 2005. O encarceramento
provisório, que engloba os flagrantes e as medidas cautelares, se
multiplicou nos últimos anos. O sistema mantém na cadeia, de forma
ilegal, dezenas de milhares de pessoas que nunca deveriam ter sido
presas ou que já deveriam ter saído.
Segundo Fernando Salla, sociólogo do Núcleo de Estudos de Violência da
Universidade de São Paulo, a resposta do Estado à criminalidade é “muito
mais política do que técnica”. Todo o sistema judicial é feito para
prender os pequenos criminosos. Desde o flagrante ao depoimento do
policial, às condições de defesa de pessoas mais pobres.
Há como que uma divisão social do trabalho. A segurança privada garante
a vigilância patrimonial, a classe média gasta mais em segurança, a
polícia reprime e controla os pobres. Pode parecer simplista essa
interpretação, mas há elementos para sustentá-la.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil |
Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
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sexta-feira, 21 de junho de 2013
Violência e controle social
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