Esta semana a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que trata da polêmica “cura gay”.
Esvaziada após a assunção à sua presidência de um polêmico líder
religioso e deputado federal, a referida comissão passou a trilhar um
caminho revés ao que, historicamente, os movimentos de defesa dos
direitos humanos fazem que é a defesa da diversidade e a proteção das
minorias e dos oprimidos contra o unilateralismo totalitarista das
maiorias e dos poderosos.
À primeira vista – diriam alguns – tal proposta não tem nada
demais. Conversando com um amigo, o mesmo argumentou que apenas permite
que profissionais da área de psicologia possam tratar pessoas que
desejam mudar o que ele chamou de “opção sexual”. Cabe alguns
apontamentos sobre isso. Há uma violência simbólica séria. Uma violência
que se expressa nas palavras e que visa “naturalizar” uma imposição e
uma diminuição da dignidade de uma minoria.
Acredito que a primeira violência é chamar a homossexualidade de
“opção”. Obviamente, a condição de “optante” abre espaços para posturas
de baixo moralismo, que remetem a homossexualidade a uma categoria de
degradação moral, “safadeza” e promiscuidade.
Dentro dessa seara de discussão existem, ainda, os
pseudoliberais, que até reconhecem que se trata de algo que não se
controla e, por isso, não condena a existência do desejo, mas sim sua
concretização. Na prática, quer-se impor a abstinência sexual. Isto é, o
indivíduo tem o desejo mas deve passar a sua vida infeliz, sem poder
emancipar sua sexualidade. O efeito, portanto, termina sendo o mesmo dos
que não a toleram por razões moralistas.
Desde de a década de 1970, diversos países, incluindo os EUA,
rejeitam a homossexualidade como patologia. No Brasil, desde 1984 a
Associação Brasileira de Psiquiatria entende que tratar a
homossexualidade como doença é discriminação e preconceito. O Conselho
Federal de Psicologia deixou de considerar a homossexualidade como um
desvio sexual em 1985. E em 1999, estabeleceu regras e declarou que “a
homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”.
O conteúdo de violência da proposta aprovada na referida comissão
da Câmara dos Deputados consiste em “normalizar” posturas
discriminatórias contra essa minoria, ferindo-lhe a dignidade. E por que
fere a dignidade? Porque diminui o outro, não o considera igual. Só há
“cura” onde está o “mal”. E, claro, tal discurso discriminatório é
sempre acompanhado de uma bela cobertura de chocolate: é para o “bem”
“deles”. O desrespeito à diferença coisifica, renega o diferente
enquanto sujeito dotado de autonomia. E tem mais: da “permissão” para a
“imposição” é só um passo. O desejo de “corrigir” pressupõe o
reconhecimento de uma desigualdade – no qual o diferente é sempre o
inferior. “Eu devo corrigir o outro, curá-lo, porque eu sou o portador
da verdade e é para o bem dele”. Todo discurso totalitarista precisa
desse engendramento para funcionar.
Propostas como essa são fascistas, autoritárias. Esse discurso de
diminuição do outro sectariza e abre espaço para o tratamento indigno.
Há não muito tempo isso foi posto em prática na Europa e resultou no
Holocausto. E cabe acrescentar que ele não se deu apenas contra os
judeus. Uma boa parcela dos segregados e assassinados era de minorias,
de “diferentes”, vistas pelo totalitarismo como “anormais”. Os
defensores de outra ideologia (comunistas e sociais democratas –
contrários ao nazismo) ou que constituíam o diferente em razão de
pertencerem a outro povo (ciganos), credo (judeus), desejo
(homossexuais) ou etnia (em especial, negros), foram tratados como
sub-humanos e mortos. Pergunto-me agora: depois dos gays, quem serão os
próximos diferentes a serem “curados”? Na fila: os comunistas e os
ateus.
Essa proposta é fascista. Ela chuta a Democracia, senhores,
porque Democracia não é o mero governo da maioria. Isso é totalitarismo,
como na Alemanha ariana. Isso é apenas o abismo, o buraco-negro da
intolerância. Democracia é algo muito além. É o Regime de Governo em que
a maioria governa, mas sempre considerando, respeitando e fomentando os
direitos as minorias.
É totalitarista o discurso que quer se apropriar da sexualidade,
impondo seu padrão de “normalidade”. É totalitarista o discurso que quer
se apropriar da “família”, bradar o discurso de sua defesa, como se a
“família” fosse uma instituição apropriável por um determinado grupo. A
família não se origina de qualquer religião, muito menos do
cristianismo. Ela é algo natural porque o ser humano é um ser-no-mundo
social. É natural dele a formação de um grupo, de um clã. Até o “amor” é
cooptado pelo totalitarismo. Mas o amor, como o desejo e o amar alguém,
não pertence a nenhum credo e muito menos é mais ou menos valioso
porque é direcionado para um ente do mesmo ou do sexo oposto.
Mas o ódio e a intolerância, ao que parece, estão presentes em
muitos discursos por aí. O discurso de intolerância contra a diversidade
é preconceituoso exatamente porque parte de um conceito prévio errado,
de usurpação e cooptação para si de uma instituição (família) que havia
antes de qualquer das religiões hoje em voga, ou de se arvorar no
direito de querer impor ao outro a sua “normalidade”. Isso é que não é
normal.
A questão que devemos pôr em pauta agora é: há cura para o
preconceito? Uma coisa é certa. Numa democracia não se pode tolerar a
intolerância quando ela passa de mero exercício da liberdade de
expressão para a (so)negação de direitos e a violação da dignidade
humana.
Em tempos de protestar, eis uma boa causa para se lutar.
Proponho, ao invés de se apregoar a intolerância, que se apregoe o
amor. Recordo agora o trecho de uma poesia que escrevi sobre o amor:
“Temos todos o direito de amar. Um amor incondicional,
intemporal, onipresente. Um amor que não se quede a convenções. Um amor
que só tenha um limite: amar o Outro infinitamente.
Que o homem ame a mulher e a mulher o homem. Que o homem ame
outro homem e a mulher outra mulher. Que ame a si, a ti, a nós. Que o
novo ame o velho e o velho o novo. Ame o humano. E o humano o que não
seja humano. Que ame o mundo.
Que o amor tenha qualquer cor: preta, branca ou arco-íris. E a
língua que lhe seja capaz de se fazer entender e exprimir. Que o amor
transporte barreiras, cruze fronteiras, desconheça distâncias. Atravesse
mares, inunde vales. Que clareie as mais escuras cavernas do mundo ou
da alma humana.
Amemos! E que sejamos felizes na arte de expressar o amor, da melhor maneira: a que faça alguém feliz.”
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