O sociólogo Rudá Ricci e o
cientista político Francisco Fonseca analisam os ataques feitos contra
militantes partidários durante as recentes manifestações pelo Brasil
Nas últimas semanas, protestos reuniram
milhares de pessoas nas ruas de cidades de todo o país. O que
inicialmente era uma manifestação organizada pelo Movimento Passe Livre
contra os aumentos nas tarifas do transporte público logo se
transformou, insuflada pela violenta repressão policial, em uma
mobilização de massa com uma enorme variedade de causas.
Na última quinta-feira, 20, protestos ocorreram simultaneamente em 150 municípios brasileiros.
Houve repressão da polícia em alguns lugares, como já vinha acontecendo
nas manifestações anteriores, mas o confronto que ganhou força,
especialmente em São Paulo, foi entre manifestantes que não concordavam
com a presença de nenhuma bandeira de partido político nas manifestações
contra manifestantes partidários. Militantes foram agredidos, bandeiras
queimadas e sedes de partidos depredadas.
O Movimento Passe Livre, que foi o estopim desta grande mobilização, anunciou que não irá mais convocar
novos atos devido a hostilidade contra partidos que estiveram nos
protestos desde o início e pela inserção de pautas conservadores, como a
redução da maioridade penal, durante as manifestações.
Para o cientista político Francisco
Fonseca, a atuação de grupos de extrema direita nos protestos fez com
que uma manifestação diferenciada se tornasse um motivo de
preocupação. “Aquilo que nasceu como uma manifestação não tradicional,
que poderia estar apontando para uma mobilização não tradicional,
sobretudo dos jovens, me parece que foi rapidamente substituído por uma
grande preocupação. Eu, particularmente, estou muito preocupado”,
pondera.
“O movimento que nasceu como uma organização pelo passe livre e
que teve como pauta imediata a redução das tarifas, que foi vitoriosa,
acabou catalisando um conjunto de outras manifestações. Uma parte delas,
bastante conservadoras, que não é do passe livre, mas de um conjunto de
extrema-direita, de grupos não partidários com um discurso anti
institucional. Observamos a expulsão e queima de bandeiras de partidos
políticos, o que mostra uma perspectiva anti institucional que lembra o
pré-64. Uma crítica a democracia, uma crítica ao conflito”, analisa
Fonseca.
Para ele, a extrema direita quer
tumultuar as manifestações para que a repressão da polícia seja ainda
maior. “Em larga medida a violência que estamos vendo é a extrema
direita, que é oportunista, lembrando a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade em 1964, que quer tumultuar para que haja mais resposta
violenta das polícias, para que haja um estado de sítio e as liberdades
democráticas sejam encerradas. Fala-se agora no impeachment da presidenta Dilma, um golpismo aos moldes do Paraguai”, disse Fonseca.
De acordo com o sociólogo Rudá Ricci, os
partidos políticos tradicionais e centrais sindicais cometeram uma
série de erros por não entenderem a mobilização nas ruas, o que
colaborou com os ataques contra as instituições representativas da
sociedade. “Ontem, o que ficou bem claro é que os movimentos políticos
tradicionais, que são os partidos políticos clássicos e centrais
sindicais, cometeram um erro atrás do outro. Não estavam entendendo o
que estava acontecendo. O Rui Falcão [presidente nacional do PT]
cometeu um erro histórico ao propor a onda vermelha. O PT tinha que
sair na rua, não tenho dúvida nenhuma, é um partido que nasceu das ruas,
não podia ficar de fora. Agora, quando você, em um movimento em que as
lideranças desde o começo da semana convocam as pessoas a irem de
branco, de verde amarelo ou deixavam livre para ir com a roupa do corpo,
lança uma onda vermelha, você está se contrapondo, indo para o embate.
Ele poderia ir para o embate contra a direita, mas, ao falar de uma onda
vermelha, se destingiu e ficou em minoria”, avalia. “Acho que o Rui
Falcão tem de ser responsabilizado politicamente pelos 20 sindicalistas
da CUT que apanharam por sair de vermelho no Rio de Janeiro. Foi uma
irresponsabilidade de gente que não sabe ler as ruas”, afirmou o
sociólogo.
Ricci considera ainda que existem
posições distintas no ataque aos partidos políticos. Para ele, quando
estas posições distintas se juntam nas ruas parecem maioria, porém,
existe uma disputa entre elas dentro das manifestações. “Acho que,
primeiro, existe sim uma postura fascista, inclusive de extrema direita,
no ataque a todos os partidos. É uma postura que se alimenta desse
neofundamentalismo que vivemos no Brasil, que é mais forte no centro sul
e que estava latente no Brasil desde 2010, quando a Marina Silva
cresceu com um discurso muito radical de lideranças religiosas
fundamentalistas, católicas e evangélicas. Temos um segundo grupo que
está de maneira oportunista tentando pegar a onda dessa manifestação,
evidentemente oposicionista e crítica, para abalar as estruturas dos
partidos tradicionais. O problema é que, à medida que vem radicalizando o
discurso, está perdendo o controle sobre o ataque a alguns partidos, e
passa a ser algo generalizado”, explica.
O sociólogo acrescenta ainda que existe
um terceiro e um quarto grupos dentro desse espectro de manifestantes.
“Acho que tem um terceiro agrupamento que é de gente muito
desorganizada, de pessoas completamente sem cultura política, que
expressam um rancor contra quem tem poder. Acham que os partidos
políticos existem só para roubar e que depois de eleitos não estão nem
ai. É uma postura muito ingênua. Existe ainda um quarto bloco que
realmente acha que os partidos políticos não representam mais a
sociedade. Ai já é uma postura mais intelectualizada. Ou seja, os
partidos políticos não se fazem presentes em nada, nem nas redes
sociais, eles estão ausentes. São grupos muito difusos que, quando se
juntam, parece que são maioria, mas acho que ainda está ocorrendo uma
disputa dentro dessas manifestações”, acredita.
O sociólogo ainda critica aqueles que
acham que a mobilização social no Brasil começou somente agora e ignoram
a luta histórica dos movimentos sociais “tradicionais”, muitos deles
ligados ou que contam com o apoio de partidos políticos. “O Brasil do
ponto de vista da ação política de massas nunca dormiu. Você tem uma
história recheada. Envolvendo os jovens você tem a campanha pelas
diretas, pelo impeachment do Collor, nós nunca ficamos parados. Agora,
recentemente, esse pessoal que está falando que o gigante acordou, que
aliás é uma expressão usada na campanha publicitária da Johnnie Walker,
basta eles irem para a zona leste para eles verem que a zona leste nunca
parou. O gigante lá da zona lesta e da zona sul de São Paulo sempre
esteve de pé. Tanto que eles ganharam a briga pela extensão da saúde
pública, a extensão da Universidade Federal de São Paulo para a zona
leste. Isso é luta popular, de enfrentamento, tanto com o Kassab como
com o Haddad depois da posse. Acho que esse pessoal desconhece o país.
Eu até relevo porque a grande maioria nunca agiu politicamente e nunca
foi em mobilização social nenhuma. Acham que o Brasil começou agora”.
Por fim, Ricci considera que atos de
violência contra qualquer partido político é um ataque a democracia.
“Qualquer ato violento, principalmente contra as instituições de
representação, mesmo que elas não sejam tão representativas, além de
desnecessário, porque você não bate em cachorro morto, é um ataque a
democracia. Sem dúvida nenhuma”.
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