Divulgação do lucro bilionário dos bancos revela como eles
dominaram economia capitalista. E convida a descobrir novas formas de
oferecer crédito sem concentrar riqueza
Por Paulo Kliass*
Apenas poucos dias após os principais bancos privados apresentarem
seus resultados relativos ao primeiro semestre deste ano, agora vem a
notícia bombástica do Banco do Brasil (BB). A maior instituição
financeira nacional, um banco bicentenário e constituído sob a forma de
empresa de economia mista, registrou em seu balanço o maior lucro
semestral de uma instituição do gênero no País. Foram R$ 10 bilhões de
lucro líquido no período de janeiro a junho.
A divulgação de tais números espantosos deveria contribuir para a
ampliação do debate a respeito das funções e do modelo do sistema
financeiro nos tempos de hoje, no capitalismo global e também aqui em
nossas terras.
Afinal, se somarmos esse lucro do BB aos outros 3 maiores bancos
privados, chegaremos à cifra de R$ 26 bi somente para o primeiro
semestre. Como houve 123 dias úteis no período, podemos raciocinar com
um lucro líquido diário de R$ 211 milhões apenas para os 4 grandes
bancos. Um lucro horário de quase R$ 27 mi em jornada de 8 horas e de
quase meio milhão de reais por minuto. Uma loucura! São números que
escancaram a supremacia do poder do financismo e a total submissão das
autoridades governamentais à sua força.
Bancos públicos quase privados
Em termos bastante objetivos, um banco não produz nada. Outra particularidade interessante: um banco não opera com recursos próprios. Os bancos oferecem serviços, aos quais a maioria da população é obrigada a recorrer para sobreviver na sociedade, tal como ela se organiza nos dias de hoje. Mas a cada nova etapa de desenvolvimento do sistema capitalista, eles se fortalecem em sua função de promover a intermediação de recursos e de oferecer um conjunto enorme de novos serviços que combinam evolução tecnológica e instrumentos sofisticados do sistema financeiro. Como muitas dessas funções são de natureza pública e ocorrem em ambientes bastante oligopolizados, faz-se necessária a presença do Estado. Seja como agente direto (por meio de bancos estatais), seja por meio da regulação, da fiscalização e do controle das atividades do setor.
Em termos bastante objetivos, um banco não produz nada. Outra particularidade interessante: um banco não opera com recursos próprios. Os bancos oferecem serviços, aos quais a maioria da população é obrigada a recorrer para sobreviver na sociedade, tal como ela se organiza nos dias de hoje. Mas a cada nova etapa de desenvolvimento do sistema capitalista, eles se fortalecem em sua função de promover a intermediação de recursos e de oferecer um conjunto enorme de novos serviços que combinam evolução tecnológica e instrumentos sofisticados do sistema financeiro. Como muitas dessas funções são de natureza pública e ocorrem em ambientes bastante oligopolizados, faz-se necessária a presença do Estado. Seja como agente direto (por meio de bancos estatais), seja por meio da regulação, da fiscalização e do controle das atividades do setor.
Felizmente para a sociedade brasileira, a onda do neoliberalismo não
logrou levar a cabo a privatização dos dois maiores bancos públicos, que
ainda pertencem ao governo federal e se subordinam ao Ministério da
Fazenda. Refiro-me ao BB e à Caixa Econômica Federal (CEF). Mas tais
instituições continuaram a operar praticamente como se privadas fossem,
seja na sua relação com a clientela seja na política de concessão de
crédito. Quem é correntista de algum deles sabe das práticas a que seus
funcionários são obrigados a desenvolver, em função de uma orientação
estratégica geral da direção da empresa. Direito do consumidor,
critérios básicos de cidadania? A coisa passa longe desse tipo de
princípio, uma vez que o interesse é a realização de resultados, o lucro
no final do exercício.
Durante alguns meses, em 2011, ainda houve um início de movimento
para que os 2 gigantes fossem utilizados pelo governo como importante
instrumento de política econômica, com o intuito de obrigar a banca
privada a reduzir suas margens de ganho e pressionar a que oferecessem
crédito a taxas de juros mais “razoáveis”. Porém, logo em seguida tudo
voltou como dantes, no quartel de Abrantes. Mas, afinal, qual é a lógica
de estabelecer uma regra de conduta para o maior banco público que seja
a de se comportar à maneira de seus concorrentes privados e buscar a
obtenção de lucros a qualquer preço?
Lucro não é melhor critério de eficiência
Na verdade, há uma grande confusão entre a necessidade de melhoria no funcionamento das empresas e instituições públicas e o fato delas se mirarem no exemplo dos conglomerados privados como critério de aferição de sua eficiência. Nada mais equivocado, especialmente em se tratando de um setor como o financeiro. O BB não será mais eficiente em sua ação se continuar trilhando o caminho da “bradesquização” de suas atividades. Mimetizar o desempenho do financismo privado não soma ponto algum à avaliação do retorno que o BB proporciona à sociedade brasileira. O enfoque do lucro como instrumento de avaliação da performance da empresa deixa de considerar que a natureza pública da instituição deve prevalecer em qualquer análise de seu desempenho.
Na verdade, há uma grande confusão entre a necessidade de melhoria no funcionamento das empresas e instituições públicas e o fato delas se mirarem no exemplo dos conglomerados privados como critério de aferição de sua eficiência. Nada mais equivocado, especialmente em se tratando de um setor como o financeiro. O BB não será mais eficiente em sua ação se continuar trilhando o caminho da “bradesquização” de suas atividades. Mimetizar o desempenho do financismo privado não soma ponto algum à avaliação do retorno que o BB proporciona à sociedade brasileira. O enfoque do lucro como instrumento de avaliação da performance da empresa deixa de considerar que a natureza pública da instituição deve prevalecer em qualquer análise de seu desempenho.
Um banco público deve, sim, apresentar uma eficiência em sua ação. E
nesse aspecto existe ainda um longo caminho a ser percorrido. Parece
desnecessário repetir aqui o óbvio. O ponto a reter, no entanto, é que
os meios de se avaliar a qualidade de sua ação devem ser diferentes dos
utilizados pelos bancos privados. Mais do que qualquer outra instituição
financeira, o banco estatal deve dar conta de bons retornos em termos
de sua função social. A acumulação de lucros a qualquer preço deveria
passar longe de seus programas de planejamento estratégico. Sua
prioridade deve ser a oferta de crédito a setores e clientes que não
conseguem acesso no mercado privado, bem como a utilização de sua vasta
rede de agências pulverizadas para reforçar o contato mais estreito com
as comunidades espalhadas pelo Brasil afora
A generalização das atividades financeiras em nossa sociedade e a
dependência cada vez maior dos indivíduos, famílias e empresas a esse
tipo de alternativa em nossas vidas cotidianas são fenômenos que
carregam uma força e um sentido inequívocos. No entanto, a lógica a
nortear nossas relações sociais e econômicas deveria ser o
reconhecimento da função social das instituições financeiras – tanto as
públicas quanto as privadas. Com isso, não poderia haver espaço para
prejuízos provocados à maioria da população pela ação espoliadora da
banca. Caberia ao Estado, por meio de seus grandes bancos e por
intermédio da regulamentação (via Banco Central), o estabelecimento de
condições para evitar abusos e limites no comportamento de tais
instituições.
Alternativas: cooperativas de crédito e bancos éticos
Por outro lado, também seria essencial que a administração pública estimulasse o surgimento e o fortalecimento de outras formas de organizações financeiras. Alguns exemplos podem ser lembrados, por se situarem justamente fora da lógica da instituição financeira privada que visa tão somente o lucro. É o caso, por exemplo, das cooperativas de crédito. Elas são o espaço, por excelência, onde se concretiza a máxima de colocar em contato os poupadores de recursos e aqueles que necessitam dos mesmos na forma de empréstimo. Como a cooperativa não tem por objetivo a realização de lucro, as taxas e as margens praticadas nas operações podem ser bastante reduzidas na comparação com aquelas utilizadas pela banca privada.
Por outro lado, também seria essencial que a administração pública estimulasse o surgimento e o fortalecimento de outras formas de organizações financeiras. Alguns exemplos podem ser lembrados, por se situarem justamente fora da lógica da instituição financeira privada que visa tão somente o lucro. É o caso, por exemplo, das cooperativas de crédito. Elas são o espaço, por excelência, onde se concretiza a máxima de colocar em contato os poupadores de recursos e aqueles que necessitam dos mesmos na forma de empréstimo. Como a cooperativa não tem por objetivo a realização de lucro, as taxas e as margens praticadas nas operações podem ser bastante reduzidas na comparação com aquelas utilizadas pela banca privada.
Deveria ser enfatizado também o movimento dos chamados bancos éticos,
que ganha cada vez mais força no espaço europeu. O aprofundamento da
crise econômico-financeira naquele continente tem reduzido bastante a
credibilidade social nas instituições bancárias tradicionais. O
contraponto a essa falta de confiança no sistema em geral, e nos bancos
em particular, é a busca de alternativas para as aplicações e os
empréstimos. Em geral, os bancos éticos são instituições que oferecem
taxas mais reduzidas, tanto na captação dos recursos quanto na oferta de
crédito na outra ponta. Além disso, não operam com empresas ou setores
de alto risco e comprometem-se com os princípios da sustentabilidade
(econômica, social e ambiental) e da transparência em suas operações.
A natureza particular da atividade financeira transforma o setor em
elemento que sintetiza as contradições sociais e econômicas de toda a
sociedade. Ali estão presentes os aspectos mais marcantes do capitalismo
contemporâneo. O sistema financeiro é intrinsecamente portador e
reprodutor da desigualdade. Basta ver a diferença de tratamento na forma
como são atendidos os clientes VIP e a grande massa de assalariados,
aposentados/pensionistas e demais beneficiários de programas sociais. O
sistema financeiro comporta um alto grau de assimetria entre aquilo que o
economês chama de “agentes da oferta e agentes da demanda”. Um punhado
de conglomerados que cabem nos dedos das mãos em relação comercial junto
a centenas de milhões de usuários, correntistas e clientes. O sistema
financeiro é espoliador de recursos e direitos da grande maioria dos
indivíduos e empresas que são obrigados a se utilizar de seus serviços.
Basta ver a quantidade de tarifas que conseguem cobrar (com a
complacência dos órgãos fiscalizadores) e os lucros bilionários que
conseguem acumular a cada exercício.
Tributação para promoção de maior justiça social
Esse é um dos argumentos para que ele seja o locus por excelência para se praticar maior grau de justiça fiscal e social. O princípio da Taxa Tobin também deve ser aplicado nas transações financeiras no interior do território nacional. Assim, caberia a criação de alíquotas progressivas desse tipo de imposto, de acordo com o valor das transações efetuadas. O valor da tributação pode ser absolutamente residual no âmbito de cada operação individualmente (era o caso da extinta CPMF), mas certamente resultará em volumes significativos, quando arrecadados no conjunto das atividades financeiras ao longo de um determinado período de tempo.
Esse é um dos argumentos para que ele seja o locus por excelência para se praticar maior grau de justiça fiscal e social. O princípio da Taxa Tobin também deve ser aplicado nas transações financeiras no interior do território nacional. Assim, caberia a criação de alíquotas progressivas desse tipo de imposto, de acordo com o valor das transações efetuadas. O valor da tributação pode ser absolutamente residual no âmbito de cada operação individualmente (era o caso da extinta CPMF), mas certamente resultará em volumes significativos, quando arrecadados no conjunto das atividades financeiras ao longo de um determinado período de tempo.
Finalmente, um sistema financeiro mais justo e solidário deve
comportar alíquotas de imposto de renda mais elevadas, com o objetivo de
promover um maior retorno social para os lucros acumulados privadamente
no interior dos grandes conglomerados empresariais que o compõem. E
veja que não cabe o argumento de que isso viria inviabilizar o sistema
privado, em razão da suposta alta carga tributária. Trata-se apenas de
reduzir a margem de lucratividade estratosférica do setor, obrigando a
que as instituições que o integram participem de forma mais ativa de sua
própria função social.
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*Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
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