Hoje, dia 9 de agosto, faz 16 anos que estamos sem Herbert de Souza,
o Betinho, um dos fundadores do Ibase. Neste mês, amigos contam
histórias sobre ele em crônicas. A primeira é de Francisco (Chico)
Menezes, ex-diretor do Ibase e consultor para o tema de segurança
alimentar e combate à pobreza.
Chico Menezes
Não me lembro mais em que ano foi. Provavelmente estávamos no auge da
Campanha contra a Fome. Betinho chamou uma reunião com o Jurandir
Freire, psicanalista de extrema sensibilidade social. Eram daquelas em
que todos se sentavam em volta de uma mesa, Betinho abria a reunião
dizendo porque a tinha convocado, o convidado falava e depois todos
discutiam. Reunião da marca Ibase.
Dias antes eu fui de Metrô, com Betinho, de Botafogo para o Centro. O
que vi dentro do carro do Metrô me espantou. Quando Betinho entrou, as
pessoas foram tomadas por um enlevo indescritível. Muitos queriam se
aproximar e pegar. Não era só assedio, era um clima de forte emoção. No
final, quando descemos, uma salva de palmas, para aquele homem que
aparecia na televisão falando do beija-flor.
Mas voltando à reunião com o Jurandir. Acho que estimulado pelo
psicanalista e sua capacidade de ver as coisas pelo ângulo da
subjetividade, me recordei do episódio do Metrô e fiquei pensando como
se explicava aquilo e tudo que vinha ocorrendo naqueles tempos. Uma
figura já tão frágil fisicamente e com aquela capacidade de mobilizar
tanta gente, como se dava com o movimento da Ação da Cidadania. Com uma
voz rouca e comedida, mas que se fazia escutar com suas analogias, às
vezes com suas ironias, com a fala que vinha do coração. Não restam
dúvidas sobre sua sabedoria política incomum, com a capacidade que tinha
de ver além do que é imediatamente visível na política. Mas certamente
havia mais coisa para explicar a enorme empatia que transmitia.
Fiquei pensando no quanto havia de
identificação do povo brasileiro com Betinho. Era essa sensação
misturada de fragilidade e força, o que possivelmente estabelecia o laço
mais forte entre a pessoa mais simples e Betinho, entre o jovem mais
aguerrido e Betinho, entre a velhinha mais cansada e Betinho. Vivíamos
os tempos do início da farra neoliberal. O povo brasileiro sofria, no
dia a dia, a demonstração de sua fragilidade. Conquistamos as eleições
diretas e o Collor foi eleito. As empresas estatais deviam ser
privatizadas. Se alguém estava desempregado, a culpa era individual. Mas
ao mesmo tempo, Collor entrou e foi mandado embora. Os trabalhadores
resistiam à venda do patrimônio público. Não se aceitava a fome como uma
fatalidade e lutava-se contra ela. Éramos frágeis, mas tínhamos força,
parecidos com Betinho. Ele era o que poderíamos ser.
São poucas as figuras que reproduzem essa identificação, como a que
Betinho construiu. Mas quando ela ocorre, as bases ficam muito sólidas. É
a identificação do líder como pessoa. Que erra, sofre, fica doente, mas
acerta, festeja e se ergue. É a história do bêbado e do equilibrista, a
do Betinho, mas também a nossa história.
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