Essa turma não toma jeito ...
Por Claudia Grabois*
Em
artigo publicado na revista Veja (“O ano das criancinhas mortas”, p.
221, edição 2.302), a escritora Lya Luft utiliza de sua liberdade de
expressão para refletir sobre o direito ao acesso e permanência na
educação para as pessoas com deficiência, fazendo parecer, inclusive,
que o direito vem sendo exercido apenas por ser politicamente correto.
Nesse ponto, talvez não esteja de todo enganada, pois educação é
direito central e fundamental para o exercício dos demais direitos,
inclusive dos direitos políticos. É direito de que não se pode dispor e,
de acordo com a Constituição Federal, é dever do Estado, da família e
da sociedade, porque não é correto deixar crianças e adolescentes fora
da escola. O Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei 7853/89 –
Artigo 8º e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
têm o mesmo entendimento, sendo possível afirmar que, além de crime, é
mesmo politicamente incorreto o não exercício do direito ou a criação de
obstáculos para que ele seja exercido.
À parte disso, são muitos os dados que evidenciam os benefícios da
educação inclusiva para pessoas com e sem deficiência e são muitas as
políticas públicas implementadas com sucesso para garantir exercício do
direito. Mas a reflexão agora é sobre a liberdade de expressão, que fere
o direito do outro, principalmente quando se trata de criança e
adolescente. É sobre a utilização de meios de comunicação para expor
opiniões que levam à exclusão social e ao aumento do preconceito e da
discriminação, inclusive de classe. Não se trata de politicamente
correto ou de batalhas maniqueístas. Falamos de pessoas, com todas as
suas particularidades; de gente, de seres humanos que podem ser
prejudicados por reflexões inconsequentes.
Estamos em período de matrícula nas escolas e muitas famílias já
receberam um “não” direto ou indireto para o ingresso de seus filhos com
deficiência em escolas das cinco regiões do Brasil. E é com muita dor
que lidam com o fato; é com a dor de quem sofre discriminação e
preconceito, dor que muitas vezes passa a pautar a própria vida. A
escritora Lya Luft precisa saber que dói, e que a políticas públicas são
de direito, porque é esse o paradigma. E, principalmente, por que foram
conquistadas por pessoas que sofreram a dor do preconceito e da
discriminação; seja a política de cotas raciais ou as políticas públicas
de inclusão educacional, elas nada mais são do que a obrigação do poder
público para com aqueles historicamente discriminados.
Esperamos que os diretores de escolas públicas e privadas não levem a
sério as reflexões da escritora e que tenham a certeza de que negar ou
fazer cessar matrícula por motivo de deficiência é crime (está na Lei
7853/89 – Artigo 8º). Mas espero também que a escritora reflita sobre os
seus conceitos e o seu direito de expô-los quando isso pode afetar
diretamente a vida de milhões de pessoas.
É preciso saber que o Brasil tem 45 milhões de pessoas com
deficiência (Censo 2012/IBGE) e pessoas com deficiência não são pessoas
com doença mental, muito embora a discriminação continuada e a exclusão
de cada dia possam levar a isso. Não sei o que a escritora entende por
demência, mas o fato é que a grande maioria dos crimes não é cometida
por “dementes”, outro engano da escritora, que faz parecer que cada um
no seu quadrado resolveria o “problema” na escola e em toda a sociedade.
Lógico que as pessoas precisam do atendimento adequado de saúde,
educação, assistência social e de todos os setores, mesmo porque
direitos humanos são inegociáveis. Aproveito para informar que o Plano
Nacional dos Diretos das Pessoas com deficiência “Viver Sem Limites” é
outra conquista que envolve 15 ministérios, porque, de verdade, estamos
avançando. E podemos avançar mais se o conservadorismo deixar de lado a
sua intolerância e o inconformismo com a ascensão social de milhões de
brasileiros, dentre eles pessoas com deficiência. Como, no meu
entendimento, o conservadorismo que pretende deixar pessoas com
deficiência em um quadrado é o mesmo que não demonstra indignação diante
das atrocidades ditas e cometidas contra homossexuais, devemos unir
forças para combater essa onda que há muito já deveria ter passado.
Mais que possível, a inclusão educacional é uma conquista, uma
realidade, e, principalmente, um direito que não pode ser violado. À
parte disso, reafirmo que os números evidenciam avanços que eu mesma
inúmeras vezes presenciei em redes públicas e escolas que acreditaram e
mudaram o paradigma, garantindo acesso e permanência, com todos os
recursos necessários para todas as crianças e adolescentes com
deficiência. Quem tem vontade política faz. E quem não tem diz que não é
possível a matrícula em classe comum. Mas esse já é outro assunto…
A liberdade de se equiparar o direito à educação ao politicamente
correto gera revolta legítima e é preciso que as famílias transformem a
sua indignação em ação, e que continuem fazendo acontecer cada vez mais.
A promoção da manutenção da invisibilidade social, do preconceito e da
discriminação está sempre a serviço de interesses, mesmo que pessoais,
mas é preciso que os meios de comunicação pensem em suas consequências e
que, no mínimo, abram espaço para o contraponto.
Estamos falando sobre seres humanos, pessoas que compõe a diversidade
humana e que integram o imenso “quebra-cabeça” da humanidade. Não se
trata de politicamente correto: pessoas com deficiência existem, são
gente! Pessoas com deficiência têm direitos humanos!
Pais, mães, professores e gestores: não deixem de lutar pelos
direitos dos seus filhos e alunos e não se deixem influenciar por
posicionamentos pautados pelo preconceito.
Claudia Grabois é membro da Comissão de Dreitos
Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OAB/RJ, coordenadora do
Fórum Nacional de Educação Inclusiva, do Portal Inclusão Já! e da Rede
Inclusiva Direitos Humanos Brasil
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