Entrevista com o historiador Mário Maestri
Correio da Cidadania: Qual a sua visão da situação mundial, nesse início de 2013?
Mario Maestri: Vivemos sob o peso da derrota
histórica do mundo do trabalho de fins dos anos 1980, que permitiu a
imposição das políticas neoliberais nos países capitalistas e a
destruição das sociedades de economias nacionalizadas e planejadas no
Leste Europeu. A vitória mundial da contrarrevolução destruiu-recuperou
partidos, organizações, sindicatos operários e impôs aos trabalhadores a
descrença no programa socialista e revolucionário para a solução do
capitalismo.
A crise cíclica de subconsumo de 2008 foi postergada pela
antecipação/criação fictícia de renda. Quando de sua eclosão, ela
vergastou fortemente o coração tradicional do capitalismo, Estados
Unidos e Europa, sem atingir, no entanto, o mundo inteiro. A fragilidade
do mundo social permitiu radicalização do confisco de direitos
(precarização do trabalho) e dos salários (diretos e indiretos) que, na
Grécia, Espanha, Portugal, Itália etc., alcançam níveis altíssimos.
Na Europa, essa expropriação dá-se através da crescente perda de
autonomia nacional, por meio do governo do grande capital exercido por
órgãos supranacionais – Banco Central Europeu, União Européia, FMI,
Banco Mundial. Esse super-governo supranacional começa já a ser
institucionalizado, em superação tendencial das formas tradicionais da
democracia burguesa.
Correio da Cidadania: Como os trabalhadores têm resistido?
Qual a importância de movimentos como o ‘Occupy’ e outros semelhantes?
Mario Maestri: Não apenas na Europa, movimentos de
resistência à ofensiva do capital diluíram-se e diluem-se porque os
trabalhadores não vislumbram superação político-programática do caos
social. Ou seja, não lutam pela nacionalização dos bancos, da grande
indústria, da distribuição e dos serviços e, sobretudo, pela organização
supranacional dos Estados, na ótica do mundo do trabalho, programa já
perfeitamente factível na Europa.
Em sentido contrário, consolidaram-se transitoriamente propostas pequeno-burguesas do tipo Occupy, Indignados etc.,
que ampliam o apoliticismo e propõem modificações cosméticas e utópicas
do capitalismo. Destaque-se a recente primeira tentativa européia de
greve geral, bastante seguida na Espanha e na Itália, e fortemente
sabotada pelo sindicalismo alemão.
Correio da Cidadania: Qual o peso, nesse processo geral, de
acontecimentos como a chamada “Primavera Árabe”, a invasão da Líbia, a
guerra na Síria?
Mario Maestri: Mantendo-se o dinamismo econômico na
China e em regiões do Oriente, fortalece-se a contradição entre os polos
capitalistas emergentes e o coração tradicional do capitalismo em
crise. O capital imperialista tradicional mobiliza-se para superar a
crise de acumulação e recuperar a hegemonia através da redução dos
trabalhadores a escravos modernos e reconfiguração da ordem mundial, em
processo semelhante ao que levou à superação da crise de 1930 com a
hecatombe de 1939-40.
Essa reconfiguração mundial encontra-se em desenvolvimento através da
submissão neocolonial de regiões produtoras de energia, como o Iraque e
a Líbia, já concluída, ou o Irã e Síria, em realização.
Estrategicamente, o grande capital tradicional almeja vitória sobre a
China, para transformá-la em enorme área de consumo de mercadorias, e
sobre a Rússia, devido aos seus recursos naturais e poder militar. A
submissão da Venezuela constitui também parte dessa política de ampla
abrangência. O Brasil é peça fundamental dessa reorganização mundial.
As sublevações na Tunísia e no Egito registraram lutas populares por
melhores condições de existência, em sociedades fortemente esgarçadas
pelas políticas neoliberais. No Egito, mas também na Tunísia, os
trabalhadores desempenharam papel importante, porém, não hegemônico nas
mobilizações.
A falta de uma direção operária sólida permitiu a recuperação
eleitoral daqueles movimentos pelo fundamentalismo islâmico, em clara
aliança com o imperialismo, em reconfiguração do cenário político com
fortes repercussões na Palestina. Nos últimos meses, no Egito e na
Tunísia, trabalhadores e segmentos populares enfrentam-se diretamente
contra os governos islâmico-burgueses, exigindo o cumprimento de pauta
social e política.
Entretanto, essas lutas fundamentais, para a sorte do mundo, se dão
em forma isolada, com a relativa estabilização nos demais Estados da
região, sob o forte avanço do imperialismo na Líbia e, agora, na Síria. A
enorme fragilidade política e ideológica da esquerda mundial se
expressa também na escassa oposição e no literal apoio, comumente quase
histérico, à submissão neocolonial das nações agredidas por grupos
políticos que se reivindicam da revolução.
No Brasil e no mundo, grupos e movimentos que se propõem como
revolucionários afastam-se da influência do mundo do trabalho e
estabelecem espaços de colaboração com o grande capital, ao abraçarem a
cínica retórica imperialista da luta contra ordens ditatoriais naqueles
países.
Correio da Cidadania: Como esse processo se reverbera nos
ditos países em desenvolvimento na América Latina e, entre eles, o
Brasil?
Mario Maestri: As nações semicoloniais
respondem à ofensiva do imperialismo, segundo a força e os interesses
das classes nacionais, antagonizadas internamente. Na América do Sul,
governos como o argentino, venezuelano, boliviano, equatoriano etc.
disputam, sem romper com o imperialismo, parte dos ganhos permitidos,
sobretudo, pela valorização das commodities, sob a pressão de
população que viveu surtos revolucionários recentes, sem propor a
superação da ordem capitalista, sob o peso da descrença assinalada no
seu programa.
O Brasil tem papel central no continente, pela dimensão do
território, da população, dos recursos e da economia. Porém, é enorme o
atraso-fragilidade histórica do seu movimento social. No passado, o peso
do escravismo e o pacto nacional-unitário das classes dominantes para
defendê-lo (1822) consolidaram a fragilidade das classes
subalternizadas. Apenas em 1888, dezessete anos após a Comuna de Paris,
chegou ao fim o trabalho escravizado no Brasil!
No século 20, o colaboracionismo do PCB e PCdoB com a dita burguesia progressista
contribuiu para a frustração de projeto autonômico entre os explorados.
Nos anos 1950, a burguesia industrial abandonou projeto de autonomia
nacional, para melhor manter o domínio sobre os trabalhadores, aceitando
submissão crescente ao imperialismo. A partir de 1964, sob o tacão da
ditadura militar, o mercado externo superou o interno como principal
espaço de realização da produção nacional, reduzindo-se a participação
relativa da população na renda do país.
Por alguns anos, o PT e a CUT avançaram o programa classista e
tendencialmente anticapitalista, antes de serem domesticados, cada um ao
seu modo e grau, sob a ação deletéria da maré neoliberal e dos golpes
da reestruturação da produção nos anos 1980 e 1990. No início do novo
milênio, o grande capital entregou o governo do país a Lula da Silva e à
direção social-liberal petista, no final do ciclo depressivo da
economia nacional.
Em 2002-2008, anos dourados do capitalismo, de forte valorização das commodities, o
lulismo-petismo consolidou sua submissão ao capital e ao imperialismo.
Essa submissão registrou-se nas baixas taxas de expansão da economia e
de distribuição direta e indireta da riqueza do
Brasil, as menores dos países ditos emergentes. Submissão permitida pela
fragilidade política e orgânica dos trabalhadores, consolidada e
ampliada pelos governos petistas.
Correio da Cidadania: Talvez por isso, os anos Lula sejam
avaliados como de forte desmobilização social, através de hegemonia
fortalecida por benesses sociais superficiais.
Mario Maestri: O lulismo é efeito e causa da
fragilidade do movimento social brasileiro. Ele prosseguiu as
privatizações diretas e indiretas, com destaque para o petróleo,
aeroportos, portos, ferrovias etc., e manteve a sangria de capitais por
pagamento de juros, dividendos, royalties... Essa política
assegurou-lhe a benevolência e o apoio do grande capital. Ocupado em
outras regiões do mundo, o imperialismo lhe subempreitou igualmente a
neutralização do chavismo, a ocupação do Haiti etc.
Nos governos lulo-petistas, manteve-se e se ampliou a captação
relativa e absoluta de sobre-trabalho, através da expansão do emprego,
no geral de baixa qualidade, e a manutenção relativa do arrocho
salarial, com remunerações médias em torno de um salário mínimo e meio.
Devido aos escassos investimentos, prosseguiu a degradação geral das
infraestruturas e serviços públicos na educação, saúde, segurança,
lazer, saneamento e meios viários.
Esse processo foi acompanhado pela cooptação estatal de partidos,
sindicatos, centrais e dirigentes sociais, através da remuneração
milionária dos parlamentares; da licença à corrupção; de imposto e
prebendas sindicais; de remuneração focalizada em segmentos organizados
do movimento popular – cotas raciais; indenização de presos políticos;
ONGs; fundos de pesquisa e cultura etc.
Nessa cooptação social, desempenhou forte papel a distribuição de renda
pelo governo entre setores mantidos à margem da produção ou vivendo
fortemente do nível médio de subsistência. Uma política que procura
manter o controle estatal e político sobre enorme lúmpem-proletariado,
em geral jamais realmente incorporado à produção.
Correio da Cidadania: Como o senhor vê a esquerda brasileira,
no contexto das políticas e das medidas trabalhistas, sindicais e
sociais dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff?
Mario Maestri: No contexto de longos anos de
colaboracionismo e desmobilização social e forte metamorfose da
sociedade, partidos e movimentos como o PT, PCdoB, PSOL, PSTU, MST etc.,
que no passado propuseram organizar a luta dos trabalhadores e do
movimento social, viveram modificações profundas. Essa metamorfose
produziu estranhos monstrengos, como a transformação de Aldo Rebelo,
deputado comunista, em queridinho da Kátia Abreu e defensor do latifúndio, dos transgênicos e do agronegócio!
A política de submissão ao capital internacional, no contexto da expansão das exportações das commodities, associou
elevadas taxas de juro, valorização perversa do real, crescente
desnacionalização da indústria, regressão relativa da industrialização,
em favor do agronegócio, dos interesses mineradores etc. Nos anos 1970, o
peso da indústria de transformação no Brasil era pouco mais de 30%;
hoje está abaixo dos 20%.
Correio da Cidadania: Neste contexto, o que pensa da conduta
do governo Dilma na condução da política econômica interna, sobretudo no
que diz respeito ao caráter das medidas tomadas para evitar uma
desaceleração ainda maior da economia?
Mario Maestri: A manutenção das exportações de commodities
amorteceu relativamente os efeitos da crise mundial no Brasil,
apresentados pelo governo como fenômeno patológico chegado do exterior.
Essas sequelas foram combatidas com liberalidades para o sistema
bancário; por enormes renúncias fiscais; por subvenção do crédito para a
indústria; pela expansão de modalidades de crédito popular etc. Através
dos bancos públicos, estendeu-se o crédito por muito acima da expansão
da economia, em indiscutível produção de renda fictícia.
Dilma Rousseff avançou um pouco mais o neodesenvolvimentismo lulista,
mantendo o tradicional respeito canino às exigências do grande capital
financeiro: câmbio livre, expatriação de juros e dividendos, livre
entrada e saída de capitais, privatização dos bens públicos,
internacionalização da economia e abertura do petróleo ao capital
internacional. Serviu-se e segue servindo-se de medidas erráticas e
contraditórias, ao sabor dos acontecimentos.
No início do governo Dilma Rousseff, devido ao perigo
inflacionário, aumentaram-se os juros, negou-se qualquer aumento dos
salários públicos e mínimo e cortou-se o orçamento. A presidenta foi
aplaudida pelo conservadorismo pela nova forma de governar, diferenciada do populismo lulista.
Com a regressão da economia, inverteu o passo: retomou o programa de
gastos públicos, desonerou segmentos da produção, exportação e comércio,
com forte incidência nos ingressos públicos.
Com a forte desindustrialização da economia nacional e correspondente
crescimento das importações, empreendeu desvalorização relativa e
limitada do real, para detê-la a seguir. Com a depressão econômica,
impulsionou lentamente a queda da taxa básica de juros (selic) para 7,25%, sem jamais a colar à inflação, nem avançar tabelamento real e geral dos juros praticados no país.
Ainda que medíocre em relação aos países ditos emergentes, a expansão
da produção dos últimos anos reduziu o desemprego, permitiu recuperação
parcial e tímida dos salários, ampliou a formalidade do emprego, mesmo
relativamente. Em forma paradoxal, aprofundou a rotatividade do
trabalhador como estratégia de conquista individual de melhores
salários. No contexto da enorme despolitização e do monopólio da mídia, a
expansão vegetativa da renda popular tem garantido ao governo altas
taxas de apoio.
Sob o lulismo, o salário mínimo teve uma recuperação relativamente
maior, mantendo-se, porém, fortemente abaixo do mínimo necessário para a
reposição normal da força de trabalho, sobretudo em sociedade
dominantemente urbanizada e com forte socialização. Em verdade, não
superou em muito o aumento da produtividade do trabalho. Manteve-se,
portanto, a forte exploração geral dos trabalhadores, em favor do
capital nacional e internacional.
Correio da Cidadania: O ano de 2012 foi de embate para várias
categorias públicas e privadas. O que teria a dizer quanto ao atual
patamar das lutas trabalhistas e sindicais?
Mario Maestri: O passado crescimento do emprego, em
geral de baixa qualidade, fortaleceu a capacidade de barganha dos
trabalhadores, sobretudo dos setores especializados e
semiespecializados. A partir de 2008, o movimento grevista cresceu em
qualidade e quantidade, com destaque para os anos 2011 e 2012. Em 2011,
tivemos 554 greves contabilizadas – 24% a mais do que em 2010.
Destacaram-se as greves espontâneas da construção civil, sobretudo
nas grandes obras do PAC. Em geral, movimentos contra situações de
trabalho semi-servil, registrando a verdadeira ditadura do capital no
Brasil. As greves foram comumente reprimidas pelas forças policiais e
pela ação dos sindicatos e centrais. Nas greves de 2011, destacaram-se a
qualidade da luta e a vitória dos trabalhadores da Volks paranaense.
Em 2012, com a manutenção do emprego, aceleraram-se as greves no
setor privado e público, federal e estadual. Novamente, destacaram-se as
paralisações na construção civil. O setor público estadual conheceu
duros movimentos das polícias militares, dos bombeiros e dos
trabalhadores da saúde e da rede pública de ensino.
Destacaram-se as greves nacionais dos Correios, bancários e a enorme
paralisação dos funcionários públicos federais, mais de 350 mil
grevistas, com destaque para os professores universitários, que se
encerraram, no geral, com a concessão de reajuste, em três anos, que
sequer supera a inflação esperada.
Em geral, essas lutas mantiveram-se isoladas e voltadas sobre si,
obtendo, quando muito, tímidas vitórias. Frustração devida em boa parte à
colaboração da burocracia dos sindicatos e das centrais, que preferiram
não enfrentar o capital e o governo para manter posições e privilégios.
A forte greve dos metroviários de São Paulo foi abortada pela direção
um dia após a eclosão.
Em nenhum momento as direções das centrais sindicais avançaram
objetivamente a pauta de reversão mínima da correlação de forças em
favor do mundo do trabalho: reajuste substancial do salário mínimo;
retorno da estabilidade no trabalho; diminuição da jornada de trabalho
sem redução do salário; liberdade plena do direito de greve; fim da
redução tendencial das aposentadorias etc.
Correio da Cidadania: O ano de 2012 foi também de eleições
municipais. O que os resultados dos pleitos enunciaram, a seu ver,
quanto às forças políticas do país?
Mario Maestri: A fragilidade do mundo do trabalho
expressou-se na enorme despolitização das eleições municipais, nas quais
o bloco governista saiu vencedor, com redistribuição interna das
posições, avançando em número de vereadores o PSB e o PT, recuando o
PMDB. No geral, a direita tradicional (PSDB, DEM) recuou, sem se
desorganizar.
A dessemantização final do PT foi registrada pela vitória do
candidato de Lula da Silva para a prefeitura de São Paulo, abraçado ao
malufismo; na humilhação eleitoral de Porto Alegre, a cidade símbolo da outra forma de governar; na vitória em apenas quatro capitais, menos do que as cinco do PSB, registro da perda do consenso do eleitor mais consciente.
O avanço e a consolidação de siglas fisiológicas e de aluguel (PT do
B, PRTB, PTC, PSC etc.), que elegeram milhares de vereadores e centenas
de prefeituras, foram fenômenos pouco assinalados nas passadas eleições e
registro da despolitização crescente do país.
Avançou significativametne o número de vereadores e de prefeitos
declaradamente evangélicos. Fortalecida pelas importantes metamorfoses
conhecidas pela sociedade, essa corrente político-ideológica impõe
fortemente sua pauta conservadora ao parlamento e ao executivo, com o
apoio do capital.
A votação de Russomanno para a prefeitura de São Paulo aponta a
possibilidade de, em médio prazo, prefeitos de capitais, governadores de
estados e, quem sabe, algum dia, presidente da República,
declaradamente evangélicos. Não há resistência à maré evangélica pela
esquerda operária e democrática. Há poucos anos, a ex-senadora Heloísa
Helena concorreu à presidência apoiada por partidos de esquerda,
negando-se a defender, devido a suas convicções fundamentalistas, parte
do programa democrático da sociedade.
Os fundamentalismos evangélico e católico romano impuseram aos
governos petistas de Lula da Silva e, sobretudo, de Dilma Rousseff a
crescente legalização do escorcho da população alienada e a sua pauta
social-obscurantista (oposição à interrupção voluntária da gravidez;
direito de matrimônio civil para todos; legislação e ensino
anti-homofóbicos; caráter laico do Estado etc.).
Foram pífios os resultados da esquerda não governista, no geral sob o
império do eleitoralismo. O PSOL aumentou seus vereadores de 25 para
49, abraçando-se em Belém e Macapá, onde tinha esperança de vitória, ao
PCdoB, PPS, PV, PMN, PTC e PRTB, com programa codinzente às alianças.
Em Belém, concorreu com candidato já duas vezes prefeito pelo PT! No
segundo turno, nessa cidade, contou com a presença de Lula da Silva e
Dilma Rousseff na propaganda eleitoral oficial. Para a vitória em
Macapá, o condidato derrotado do DEM e outras facções da direita
regional deram uma mãozinha para sustentar o andor eleitoral psolista,
em contubérnio jamais visto, aprovado e elogiado pela direção nacional
daquele partido.
Após quase 35 anos de sua implantação no Brasil como Liga Operária, o
PSTU repetiu seu tradicional jejum eleitoral. Mesmo assim, soltou fogos
de artifício, pois passou de nenhum vereador para dois, um deles eleito
em Belém, no trenzinho eleitoral do PSOL, justificado pomposamente pela
direção nacional. O PCB teve queda de 13 para 5 vereadores.
Nessas eleições, um dos partidos mais votados foi o anti-eleitoral,
conquistando o voto nulo, branco e a abstenção quase 36 milhões de
eleitores. Ou seja, praticamente 26% dos votantes não votaram, sem ser
tal proposta defendida por qualquer agremiação política, à exceção de
pequenos núcleos anarco-sindicalistas e marxista-revolucionários sem
maior audiência
Correio da Cidadania: O ano de 2012 foi ainda incontestavelmente marcado pelo chamado Mensalão. Quais as lições e decorrências que emanam desse episódio?
Mario Maestri: Certamente o grande acontecimento político de 2012 foi o julgamento do Mensalão.
Apesar de não ter rendido os dividendos eleitorais esperados, ele
mostrou-se como operação de amplo fôlego da direita orgânica brasileira,
com repercussões e sequelas ainda difíceis de prever.
O Mensalão foi parido pela ilusão petista de que tudo lhe seria permitido, desde que ao serviço do grande capital. Embriagada pelo poder, a direção petista não
compreendeu que o capital lucrava com Lula da Silva e o PT no governo,
como lucraria igualmente ao jogá-lo na valeta da corrupção,
achincalhando não o que é ele hoje, mas o que significou no passado.
O julgamento do Mensalão tem igualmente explicitado a disputa sem princípios no interior do PT, entre o dilmismo, apoiado hoje
pelo grande capital, e a proposta de retorno do lulismo, em 2014,
apoiada no aparelho petista, no qual a presidenta aterrissou tardiamente
sem jamais integrá-lo.
Após a sucessão de quedas ministeriais do primeiro ano de governo,
Dilma abandonou totalmente os mensaleiros petistas e o próprio PT,
facilitando, através da operação Porto Seguro, da Polícia Federal, o
ataque direto a Lula da Silva, já fragilizado pela luta contra o câncer.
Para domesticar qualquer ensaio de resistência do aparato petista, a presidenta acenou
com o eventual, mas pouco provável, retorno ao PDT, enviando como
vanguarda o ex-marido, que encontra naquele partido a oposição de Carlos
Lupi, ex-ministro do Trabalho, presidente nacional do PDT, aliado de
sempre do lulismo, por ela defenestrado.
Na arapuca política em que caiu o núcleo histórico do PT, a grande
surpresa foi Joaquim Barbosa. Histriônico e pouco equilibrado,
hiper-midiatizado como o “novo caçador de corruptos”, o juiz serviu-se
do julgamento para tentar exorcizar a pecha de menino de recados do
petismo e cotista excelente de Lula da Silva no STF, insuportável para
sua conhecida vaidade.
Teleguiado pela grande mídia, Joaquim Barbosa comandou torção da lei
com condenações por convicção que descartam a necessidade de provas
materiais. Dirigiu, igualmente, a tentativa de transformar o STF em
superpoder, capaz de depor deputados e senadores e, quem sabe,
proximamente, governadores e presidentes! Transformou-se em trunfo
político eventual da direita e em literal e mina vagante no STF, por
longos anos. Joaquim Barbosa foi apenas mais um registro da improvisação
e aproximação administrativa do PT no governo federal.
Correio da Cidadania: Podemos esperar um ‘saco de maldades’
governamentais em 2013, para ‘sanear’ o orçamento a ser aliviado em
2014, ano da Copa e das eleições presidenciais?
Mario Maestri: O ano de 2013 deve ser de fortes
investimentos públicos e renúncia fiscal, para contrabalançar a provável
fraca atividade econômica, que pode se aprofundar no caso de recuo da
economia chinesa. Vai certamente prosseguir o arrocho salarial da área
pública e se fortalecer a tendência a uma ainda maior intransigência
patronal na área privada. Tudo isso em ciclo expansivo da atividade
grevista. As escassas concessões da administração Dilma Rousseff já
causam tensões entre as direções pelegas sindicais, saudosas do governo
passado. Tudo aponta para que 2013 seja um ano tenso, ainda que
dificilmente positivo para o mundo do trabalho.
Correio da Cidadania: O senhor vê alguma diferença entre Lula
e Dilma em suas respectivas conduções política, econômica e social da
nação?
Mario Maestri: O grande capital entregou o governo
do país a Lula da Silva, sobretudo devido ao prestígio e ligações
orgânicas e simbólicas que ele ainda mantém com o mundo do trabalho, por
ter comandado, no passado, as greves históricas dos fins dos anos 1970 e
a construção de partido e confederação classistas e anticapitalistas
nos anos 1980. Mesmo sendo hoje espectro do passado, verdadeiro gigolô
de sua biografia, Lula da Silva não pode romper totalmente os fios de
Ariadne que o ligam com o movimento social.
Dilma Rousseff foi guindada ao poder por Lula da Silva, precisamente
por não possuir vínculo com as classes trabalhadoras e populares. Em
verdade, tem poucas possibilidades de estabelecer tais vínculos e não se
interessa essencialmente por eles. Com as rédeas do governo na mão, o
que lhe permite manter sob seu controle os grandes partidos fisiológicos
da base do governo (PT, PC do B, PDT, PSB, PMDB), Dilma transformou-se
em candidata ideal do capital para 2014.
Dilma Rousseff significa para o capital o lulismo sem Lula e sem o
PT, em clara torção elitista. Entretanto, no caso de manter-se o jejum
de 2012 na economia, tudo será possível em 2014.
Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania.
Nenhum comentário:
Postar um comentário