Sapatos contra o racismo. O natal em que fuibarrado na portaria da Rádio NacionalPor Marcos Romão
Neste dia de natal, acordei pontualmente às 6 horas da manhã.
Planejara dormir até mais tarde, para aproveitar o feriado, depois de
ceiar com a família no Brasil, pela primeira vez em minha casa depois de
22 anos.
Muito suco, pernil feito pela minha filha Moema, com pouco sal como o papai precisa, e sobretudo muito carinho.
Estamos no dia 25, são 6 horas da manhã e a pressão sanguínea e o
coração, me alertam, e me acordam intranquilo. Como não sou peru de
natal, saio mesmo depois da véspera, para caminhar, e meditar sobre o
que me incomoda e penso:
O que a gente não faz para estar no Programa Tema Livre na Rádio
Nacional, com o amigo Luiz Augusto Gollo e convidados para um papo
estimulante no dia 24, na véspera do natal?
A gente bota o despertador prá tocar às 6 da manhã, bota a cozinha
nos conformes com todos os ingredientes, para que minha filha Moema
Petri Romão inicie o preparo da Ceia;
Olha no computador os temas que deseja falar na retrospectiva de 2012;
Acorda a outra filha Papoula Sofie que deseja filmar o programa e
partimos sem tomar café, para a sede provisória da Rádio Nacional,
abrigada agora lá no quartel da TV Brasil, na Gomes Freire;
Anda em 2 ônibus e uma barca para o Rio de Janeiro, em um dia
daqueles quentíssimos, em que peixe sai de casa com abanador e
guarda-sol;
Na pressa e excitação, como se fosse um marinheiro de primeira
viagem, esqueço-me de tomar o remédio para pressão alta. Não tem
problema, acompanhado por minha filha nascida na Alemanha e no Brasil,
me sinto como pintinho no lixo em minha terra natal.
Suo contente em minha camisa colorida como um Obama havaiano.
Como de praxe em todo programa ao vivo que participo, 15 minutos
antes do programa ir ao ar, adentro com minha filha o recinto da TV
Brasil, na Gomes Freire e atual abrigo provisório da Rádio Nacional, e
desejamos um feliz natal para todos que lá estão trabalhando. Sinto
prazer em ver funcionários públicos exemplares, que em pleno dia meio de
feriado, assinam o ponto para engrandecer o sistema de comunicação
popular brasileiro.
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Aí, começa a história.
Não havia ninguém na mesa de recepção, só uns prováveis funcionários
sentados em um banco de espera a uns 3 metros de distância, um segurança
postado ao lado da catraca de entrada e duas mocinhas atrás de mim,
sentadas e levando um bom papo.
Ainda meio aparvoado pela viagem e excitação pelo programa que vinha,
olhava para os lados aguardando, que alguém viesse de algum banheiro
para me atender.
Meus olhares indagadores para o segurança junto à catraca de entrada,
replicavam nas paredes surdas, e os prováveis funcionários à minha
direita, estavam tão entretidos numa algazarra natalina e comentando
sobre as festas do dia anterior, que não me atrevia incomodá-los.
Minha pressão sanguínea já dava sinais de alarme, e eu respirava
pausado e meditativo, como me rcomendara minha companheira e professora
deYoga, Ortrun Gutke, para me manter calmo e me concentrar para falar
sobre direitos humanos, em um programa que seria ouvido por milhões de
pessoas.
Já se passavam 5 ou mais minutos, quando chegou um rapaz
provavelmente mais simpático e menos suado e cabeludo que eu, e uma das
mocinhas que estavam sentadas atráde mim, levantou-se e assentou-se em
seu posto de serviço.
Foi rápido, não mais que 5 segundos o atendimento ao outro visitante,
respirei fundo e entreguei minha identidade, junto com minha carteira
alemã de jornalista, olhei para minha filha e percebi que ela não cruzou
com a mocinha.
Eu tinha pressa, precisava chegar no estúdio, não podia me ocupar em reclamar pelo péssimo atendimento.
A mocinha me perguntou para onde eu ia e pegou o telefone. Apesar de
eu dar o nome de tres pessoas, inclusive do diretor da rádio nacional do
Rio, o Marcos Gomes, ela me disse que não encontrava ninguém.
Mais 5 minutos se passara. Pedi então para subir, pois ia Luis Carlos
Gollo já deveria estar no estúdio com os convidados e o programa estava
prestes a começar.
Meus 5 telefonemas para os celulares da produção só batiam em telefones desligados, como acontece em todo programa ao vivo.
Foi aí então que ela me informou que eu não poderia entrar, porque
estava de sandálias havaianas, que nos meus tempos chamavam-se sandálias
-de-dedo.
Pedi que telefonasse para o chefe da segurança, que abrisse uma
exceção, pois era uma emergência e não havia sido informado desta
exigência. Ela me respondeu que já o fizera;
Tive que respirar bem fundo. Então todos estes
telefonemas em que enquanto ela falava, ela perguntava, o que eu era, o
que eu queria fazer lá e só naõ peguntou qual era a cor de minhas
cuecas, eram telefonemas que ela estava dando para o segurança e não
para a produção e a direção da rádio, como eu pedira e imaginara que ela
esta fazendo?
Já eram 10 horas, o programa iniciara, quando caiu minha ficha,
estava de volta à casa natal e era um turista havaiano, para o qual não
valia nem apresentar um crachá alemão em um prédio do seviço público
brasileiro.
Eram ordens do chefe de segurança da casa, a moça dizia e comandou
que eu falasse com “a segurança”, em um escritório fora do prédio, mais
próximo da Chefatura de Polícia no antigo prédio do DOPS na rua da
Relação. Já me esquecera até do calor e suava frio.
Caminhei até lá me sentindo nú, querendo esconder meus pés pretos,
das pessoas que olhavam para mim, pensei até em andar plantando
bananeiras, mas imaginei que as solas dos meus pés já deveriam estar
também pretas da fuligem das ruas, não ia dar certo.
Em lá chegando e informando ao enfadado segurança, a minha situação
de emergência e que o programa já estava no ar, ele me disse que eu
deveria pedir à recepção que telefonasse para a produção pedindo
autorização para que se abrisse uma exceção.
Adentrei novamente o recinto pouco receptivo e solicitei à repecionista, que finalmente se comunicasse com a produção.
Com produção ao telefone, por não saber ler e pronunciar direito o
meu nome “romão”, que deve ser tão difícil quanto falar “alemão”, a
recepcionista me passou o telefone direto do estúdio, e a gentil
produtora do programa , a jornalista Luciana, pediu-me que aguardasse um
momento.
Exatos tres segundos depois, a recepcionista, já com cara de anjo de
porta de presídio, sem me olhar e mirando de soslaio o agente da
portaria, ordenou, “você pode entrar”.
Recitei o mantra dos Deuses quando querem cavalgar sua ira e passei a me concentrar no programa ansiosa e tão
duramente conquistado. Minha filha, também de sandálias, me seguiu, sem que lhe pedissem documentos, quase branca alemã que é, não sem antes comentar, “mas que “Tootsie” papai, deu vontade de rodar a bahiana”.
O programa foi uma maravilha e mesmo chegando atrasado pela
discriminocracia institucional, aprendi bastante com os convidados, ao
conversamos durante o tempo que me restava sobre direitos humanos.
Não falei no programa sobre o incidente. “Não queria roubar a cena”,
afinal antes de ser um discriminado, sou jornalista e sociólogo
ativista dos direitos humanos, tenho que engolir sapos enquanto o show
continua.
Ao comentar ao final do programa sobre o incidente desagradável, Gollo
respondeu na bucha, ” mas se me avisassem eu poderia emprestar meus
sapatos ”.
Aprendi hoje também uma coisa que já tinha ouvido, o cidadão
discriminado ou violentado costuma morrer quando cai a ficha. É no estar
dormindo que a raiva e os sapos engolidos durante o dia ou são
digeridos ou entopem as veias de nosso pensamentos.
Descobri mais uma vez que racismo mata. E como mata. O número de
corações de amigos de minha faixa etária que explodiram nos últimos
anos, já esgotam as estatísticas dos mortos em meus arquivos. Quanta”
Inteligência Morta” se acumulam nas paredes dos museus de nossas
inconsciências…
Qual o momento para falar e qual o momento para guardar o sentimento de ira gerado por uma violência sofrida?
Apliquei 1/4 de meu dia de natal refletindo e escrevendo sobre tudo isto. Me sinto desopilado e amo minha gente em volta.
Guardo entretanto minha ira santa. Já me perdoei por ter ficado calado. Cabe ao racista se perdoar.
Cada pessoa é responsável pelos seus atos.
Hoje cumpri minha parte.
De mim nenhum racista receberá perdão.
Isso só será possível quando descer pela minha guela, o mantra da auto-anulação.
Aprendi mais uma coisa que me lembraram meus amigos árabes; Da
próxima vez, quando eu for visitar um prédio público, vou com um “par”
de tres sapatos. Para utilizar o sobressalente no caso d´eu encontrar um
racista de plantão pela frente.
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Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
“Aprendi novamente neste natal que racismo mata… e como mata”
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