Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
TJ-SP: Curso de Formação de Estenotipistas
Centro de Treinamento e Desenvolvimento de Estenotipia (CTDE)
COMUNICADO
A Presidência do Tribunal de Justiça comunica que estão abertas as inscrições para o 24º Curso de Formação de Estenotipistas.
O curso, com 30 vagas, terá seu início em 18 de março de 2013, no CTDE – Centro de Treinamento e Desenvolvimento de Estenotipia, com duração de seis meses, de segunda a sexta-feira, das 13:00 às 18:00 horas, exclusivamente para ocupantes do cargo de Escrevente Técnico Judiciário.
As inscrições deverão ser feitas através do fax nº (11) 3326.9262, devidamente autorizadas pelo MM. Juiz de Direito da Vara Judicial, de 04 de fevereiro a 1º de março de 2013, das 9:00 às 19:00 horas.
As dúvidas poderão ser dirimidas através do telefone nº (11) 3227.3922.
Disponibilização: Quinta-feira, 31 de Janeiro de 2013, Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Administrativo, São Paulo, Ano VI - Edição 1346, p. 9.
Pragmatismo Político: O radical classe média é uma figura pitoresca
O Radical Classe Média se imagina como o que resta de bom no Brasil. Não raro, flerta com o fascismo
Há uma figura pitoresca que costuma habitar a classe média tradicional brasileira. Ela pode ser encontrada na universidade, nos protestos políticos, nos shoppings centers, na high society, entre os mais escolarizados, tanto nos movimentos de esquerda, como nos de direita. Na verdade, é uma radicalização da visão específica de uma classe. Vou expor algumas de suas características.
Vale lembrar que o modo de vida apontado abaixo é um tipo idealizado do caráter do “Radical Classe Média”, podendo, portanto, uma pessoa comum reunir uma maior ou menor quantidade de tais inclinações, se associar intensamente ou dissociar do modelo.
O Radical Classe Média:
Geralmente, o radical classe média se apresenta como politizado, para, na verdade, repetir os velhos cacoetes do senso comum da política – é contra partidos;
Mais. Todo político é ladrão. Alias, para o Radical Classe Média, o problema do Brasil não é o da desigualdade, mas o da corrupção. Por isso, não perde a oportunidade de comparar a nossa suposta natural propensão para a malandragem com a sonhada condição positiva dos EUA, ou numa perspectiva intelectualizada, dos países escandinavos;
Nesse sentido, a eleição não passa de uma chantagem. Tanto faz quem vai ganhar – “é tudo igual mesmo”. O Radical Classe Média, quando não é capturado pelo moralismo e/ou suposta superioridade gerencial de um bonachão, prega o voto nulo;
Para o Radical Classe Média, as instituições devem aprender a se relacionar com ele, já que o dito cujo apresenta muitas especificidades;
Instituição a favor dele é democracia. Contra ele? Fascismo;
Seguranças-policiais-trabalhadores devem fazer cursos de capacitação só para aprenderem a se relacionar com ele;
Ele é anarquista para os deveres, mas não para os direitos;
Ele é contra impostos, mas quer que tudo funcione a seu favor;
Um bom Radical Classe Média critica o inchaço do Estado, mas sempre tem alguém da família, gozando de acesso privilegiado ao próprio Estado – um cargo, um contrato, etc;
O Radical Classe Média não tem diploma de graduação. Ele tem diploma de nobreza. E o “resto”? É resto, alienado. Ele se vê como o (único) “intelectual orgânico”…;
Ele é terminantemente contra o bolsa-família, a quem ele chama de bolsa-esmola, pois produz preguiçosos e premia quem nunca “quis” estudar;
Para o Radical Classe Média, quem não sabe escrever o português corretamente deveria ser impedido de votar, de expor sua opinião num blog ou jornal. Enfim, de argumentar;
Pensar é sinônimo de dominar a gramática. Do contrário, o dito cujo se encontra no nível dos animais irracionais;
Para ele, às vezes, o problema do Brasil é porque o pobre-analfabeto – ele chama de “não esclarecido” – não sabe votar. Uma cientista política advinda da USP teria um bom conceito radical de classe média para isso – ausência de “sofisticação política”;
Na versão intelectualizada, o Radical Classe Média é um crítico do jeitinho brasileiro, gosta de ler Nietzsche, Foucault, Deleuze, Guatarri. É um crítico do “micropoder”, dos “fascismos da norma”, conceitos mobilizados para negar qualquer coisa que lhe cobre alguma contrapartida social;
Há também aquelas versões do Radical Classe Média que tornam Karl Marx, ou o socialismo, numa questão de superioridade ético-moral;
O Radical Classe Média é um supercidadão. Os demais… subcidadãos;
Afinal, o Radical Classe Média estudou. Merece mais do que os simples mortais.
O Radical Classe Média se imagina como o que resta de bom no Brasil. Não raro, flerta com o fascismo.
Por Daniel Menezes, em CartaPotiguar
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
OS QUE DEVEM MORRER
Mauro Santayana
A ciência prolonga a vida dos homens; a economia liberal recomenda que
morram a tempo de salvar os orçamentos. O Ministro das Finanças do
Japão, Taso Aro, deu um conselho aos idosos: tratem logo de morrer, a
fim de resolver o problema da previdência social.
Este é um dos paradoxos da vida moderna. Estamos vivendo mais, e, é
claro, com menos saúde nos anos finais da existência. Mas, nem por isso,
temos que ser levados à morte. Para resolver esse e outros desajustes
da vida moderna, teríamos que partir para outra forma de sociedade, e
substituir a razão do “êxito” e da riqueza pela ética da solidariedade.
Ocorre que nem era necessário que esse senhor Taso Aro – que, em outra
ocasião, ofereceu o Japão como território seguro para os judeus ricos do
mundo inteiro – expusesse essa apologia da morte. A civilização de
nosso tempo, baseada no egoísmo, com a economia servidora dos lucros e
dos ricos, e, sobretudo, dos banqueiros, é, em si mesma, suicida.
É claro que, ao convidar os velhos japoneses a que morram, Aro não se
refere aos milionários e multimilionários de seu país. Esses dispensam,
no dispendioso custeio de sua longevidade, os recursos da Previdência
Social e dos serviços oficiais de saúde de seu país. Todos eles têm a
sua velhice assegurada pelos infindáveis rendimentos de seu patrimônio.
Os que devem morrer são os outros, os que passaram a vida inteira
trabalhando para o enriquecimento das grandes empresas japonesas e
multinacionais. Na mentalidade dos poderosos e dos políticos ao seu
serviço, os homens não passam de máquinas, que só devem ser mantidos
enquanto produzem, de acordo com os manuais de desempenho ótimo. Aso, em
outra ocasião, disse que os idosos são senis, e que devem, eles mesmos,
de cuidar de sua saúde.
Não podemos, no entanto, ver esse desatino apenas no comportamento do
ministro japonês, nem em alguns de seus colegas, que têm espantado o
mundo com declarações estapafúrdias. O nível intelectual e ético dos
dirigentes do mundo moderno vem decaindo velozmente nas últimas décadas.
Não há mistério nisso. Os verdadeiros donos do mundo sabem escolher
seus serviçais e coloca-los no comando dos estados nacionais.
São eles, que, mediante o Clube de Bielderbeg e outros centros
internacionais desse mesmo poder, decidem como estabelecer suas
feitorias em todos os continentes, promovendo a ascensão dos melhores
vassalos, aos quais premiam, não só com o governo, mas, também, com as
sobras de seu banquete, em que são servidos, além do caviar e do
champanhe, o petróleo e os minérios, as concessões ferroviárias e nos
modernos e mais rendosos negócios, como os das telecomunicações.
A civilização que conhecemos tem seus dias contados, se não escapar desses cem tiranos que se revezam no domínio do mundo
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Sintrajus: Sindicato é pra lutar!
Com o filosofia de que
“Sindicato é pra lutar”, há dois anos surgia o Sintrajus!
Neste 29 de janeiro,
vida longa ao nosso sindicato e parabéns a todos que contribuem para
o desenvolvimento desta vitoriosa conquista junto aos servidores do
judiciário paulista.
A seguir, algumas fotos de momentos que fazem parte da nossa história, com imagens de alguns colegas na figura dos quais agradecemos a todos companheiros de cada comarca integrante de nosso sindicato.
Parabéns Sintrajus!

Santos
São Vicente
Praia Grande
Guarujá


Bertioga
Cubatão
Caraguatatuba / Litoral
Norte

Itanhaém
Registro

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo é celebrado hoje
A data é uma homenagem ao assassinato de auditores fiscais do
trabalho no ano de 2004 quando apuravam denúncia de trabalho escravo na
zona rural de Unaí (MG)
28/01/2013
da CNBB
Hoje,
dia 28 de janeiro, o Brasil celebra o Dia Nacional de Combate
ao Trabalho Escravo. A data é uma homenagem ao assassinato dos auditores
fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista
Soares Lage e Nelson José da Silva, e o motorista Ailton Pereira de
Oliveira, no ano de 2004, quando apuravam denúncia de trabalho escravo
na zona rural de Unaí (MG).
A
data foi oficializada em 2009, no entanto, essa luta é mais antiga.
Desde o início dos anos 1970, a Igreja, com dom Pedro Casaldáliga, e
a Comissão Pastoral da Terra (CPT), organismo vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tem denunciado a utilização do
trabalho escravo na abertura das novas fronteiras agrícolas do país.
A CPT foi pioneira no combate ao trabalho escravo e levou a denúncia às Organização das Nações Unidas (ONU). “A Igreja precisava tomar um posicionamento diante da realidade já muito explícita de trabalho escravo no Brasil, o Governo negava que existia esse tipo de situação”, disse o assessor da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e da Paz, padre Ari Antônio dos Reis. Com isso, o Estado se comprometeu em criar uma estrutura de combate a esse crime em território brasileiro.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho escravo apresenta características bem delimitadas. Além das condições precárias, como falta de alojamento, água potável e sanitários, por exemplo, também existe cerceamento do direito de ir e vir pela coação de homens armados. Os trabalhadores são forçados a assumir dívidas crescentes e intermináveis, com alimentação e despesas com ferramentas usadas no serviço.
Por parte do Estado, existem ações que podem auxiliar no combate ao trabalho escravo, como por exemplo, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438. A "PEC do Trabalho Escravo" é considerada um dos projetos mais importantes de combate à escravidão, tanto pelo forte instrumento de repressão que pode criar, mas também pelo seu simbolismo, pois revigora a importância da função social da terra, já prevista na Constituição.
A PEC 438 foi apresentada em 1999, pelo ex-senador Ademir Andrade (PSB-PA), e propõe o confisco de propriedades em que forem encontrados casos de exploração de mão-de-obra equivalente à escravidão, e/ou lavouras de plantas psicotrópicas ilegais, como a maconha. A PEC 438/2001 define ainda que as propriedades confiscadas serão destinadas ao assentamento de famílias como parte do programa de reforma agrária.
A Igreja do Brasil está atenta à realidade do tráfico humano. Prova disso, é que a Campanha da Fraternidade de 2014 terá como tema “Fraternidade e Tráfico Humano” e lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). “A partir do trabalho e da reflexão dentro da CNBB, e do Conselho de Pastoral, foi aprovado para a Campanha da Fraternidade de 2014, tratar do trabalho escravo, por sua vez, ligado ao tráfico humano. Então nós vamos trabalhar na Campanha essas duas propostas: a denúncia do tráfico de pessoas e trabalho escravo, e todas as consequências que essas denúncias trazem para a Igreja”, explicou padre Ari.
De acordo com a secretária do Grupo de Trabalho (GT) de Enfrentamento ao Tráfico Humano, da CNBB, irmã Claudina Scapini, o trabalho escravo é uma entre as modalidades do tráfico humano. “O trabalho escravo, a exploração sexual, o tráfico de órgãos, e a adoção irregular, são, para nós, as grandes modalidades do tráfico de seres humanos”, afirmou.
Segundo os últimos dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, os casos de trabalho escravo em 2012, somaram 189, com a libertação de 2.723 trabalhadores, em todo o país. Ainda de acordo com as informações, o número de trabalhadores resgatados do trabalho escravo cresceu 9% em relação a 2011. Os maiores índices foram encontrados na região Norte, onde foi registrada metade do número total de trabalhadores envolvidos em situação de escravidão, e 39% dos que chegaram a ser resgatados.
No ano de 2011, o estado do Pará havia deixado de ser o campeão permanente do ranking entre os estados, pelo número de trabalhadores envolvidos em situação de escravidão. Já em 2012, voltou ao topo do ranking em todos os critérios: número de casos (50), número de trabalhadores envolvidos (1244) e número de libertados (519). O Tocantins vem logo em seguida com 22 casos, 360 envolvidos e 321 libertados (três vezes mais que em 2011).
No estado do Amazonas, onde a fiscalização passou a operar mais recentemente, foram identificados 10 casos, e resgatados quase três vezes mais trabalhadores do que no ano anterior: 171 pessoas. Alagoas, em apenas um caso, passou de 51 para 110 trabalhadores resgatados e oPiauí (com 9 casos), de 30 para 97.
Outro dado que chama a atenção é o aumento da participação da região Sul na prática desse crime. Em 2011, foram registrados na região 23 casos, envolvendo 158 trabalhadores, sendo que 154 foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
De uma forma geral, os números mostram que houve resgate de trabalhadores em 20 estados, o que demonstra que essa prática criminosa persiste de norte a sul do nosso país, mesmo diante das ações de órgãos do governo e de organizações sociais que lutam pelo seu fim. A CNBB é aliada ao combate desse tipo de prática, fazendo o chamamento ao diálogo de dioceses, paróquias, comunidades e entidades ligadas à missão pastoral.
Persistem alguns desafios para o Estado, a Igreja e a sociedade civil, voltados na perspectiva de enfrentamento e superação desta situação. Destacam-se a fiscalização eficiente, a mobilização social contra esta prática, a reforma agrária, superação da miséria. A impunidade, ainda constante, precisa ser combatida. Na chacina de Unaí, nove anos depois, nenhum dos nove réus indiciados foi julgado. Agora são oito réus, pois Francisco Elder Pinheiro, acusado de ter sido o contratante dos pistoleiros, morreu no último dia 7 de janeiro, aos 77 anos, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
ANTROPÓLOGA DISSECA CASO DE RACISMO NA BMW
Segundo Débora Diniz, o mal-entendido na concessionária da Barra reflete uma realidade brasileira: crianças negras são invisíveis ao universo do consumo; charge do artista Máximo compara concessionária a um navio negreiro
27 DE JANEIRO DE 2013 ÀS 11:22
247
- Foi
um mal-entendido ou uma criança negra é invisível ao universo do
consumo de luxo no Brasil? Confira, abaixo, a análise da antropóloga
Debora Diniz, sobre o caso de racismo numa concessionária da BMW na
Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro:
Qual mal-entendido?
O casal, branco, queria comprar uma BMW no Rio; o gerente da loja, expulsar um menino negro de 7 anos. Era o filho deles
Debora Diniz*
Em nenhum momento, ele olhou para o nosso filho." Priscilla
Celeste Munk é mãe de uma criança negra de sete anos. No catálogo
racial brasileiro, ela é uma mulher branca. Sua branquidade se
anuncia pela cor da pele, mas também pela classe social. Foi como
uma mulher branca, acompanhada de seu marido também branco, Ronald
Munk, que vivenciou o racismo contra seu filho adotivo em um dos
templos do consumo de luxo no país - uma concessionária de carros
BMW no Rio de Janeiro. A cena foi prosaica: a família foi à
concessionária e o filho se entreteve com uma televisão. O gerente
os atendeu como um casal desacompanhado. Quando a criança se
aproximou, a cor de sua pele resumiu a impertinência de sua presença
em um lugar onde somente brancos e ricos seriam bem-vindos. Sem se
dirigir ao casal, o gerente ordenou que a criança saísse da loja:
"Você não pode ficar aqui dentro. Aqui não é lugar para
você. Saia da loja. Eles pedem dinheiro e incomodam os clientes".
Imagino que o monólogo do gerente com a criança sem nome nem rosto,
mas rejeitada pela cor, tenha sido adequadamente reproduzido pela
mãe. A combinação entre um "você" que olha, mas ignora
a criança, e um abstrato "eles", que não olha, mas
registra a desigualdade, é poderosa para resumir a racialização de
classe da sociedade brasileira. Em poucas palavras, o gerente oscilou
entre dois universos, ambos movidos pela mesma inquietação moral:
como proteger os ricos dos pobres, os brancos dos negros. O gerente
não cogitou estar diante de uma família multirracial, mas de
clientes brancos e de um menino negro pedinte que perturbaria a
tranquilidade do consumo.
Até aqui, não haveria nada de novo para a realidade da desigualdade
social que organiza o espaço do consumo - engana-se quem pensa que
os shoppings centers são locais de livre trânsito: as regras sobre
como se vestir e se portar não permitem que todos igualmente ali
transitem. A impertinência do caso é, exatamente, estremecer essa
ordem silenciosa da desigualdade racial e de classe da sociedade
brasileira. Por isso, com a devida sensibilidade do capitalismo
global, a concessionária da BMW optou por descrever o caso como um
"mal-entendido".
"Preconceito racial não é mal-entendido", disse a família
em uma campanha aberta sobre o caso, porém com cautela sobre a
identidade do filho que se vê resumido à cor. Não tenho dúvidas
de que esse é um caso de discriminação racial - a cor da pele
importa para o reconhecimento do outro como um semelhante. É isso
que chamamos racismo: descrição do outro como um dessemelhante e
abjeto pela cor de seu corpo. A criança de 7 anos, antes mesmo de
entender o sentido político do racismo na cena vivida, foi alvo de
uma rejeição que resume sua existência. Assim será sua vida. O
consolo familiar é que o garoto redescreveu para si que "crianças
não eram bem-vindas à loja" e não se personalizou na rejeição
pelo corpo. A ingenuidade infantil em breve será vencida pela
observação cotidiana de práticas racistas. Com a perda da
ingenuidade, a criança sem nome e com somente cor encontrará outro
grupo para traduzir sua experiência de sentir-se abjeta - não será
mais porque é uma criança em um ambiente de adultos, mas um
adolescente, um homem ou um velho negro em um mundo cuja ordem do
consumo e da lei é, ainda, branca.
Por isso, desejo explorar o argumento do "mal-entendido"
para além de uma estratégia infeliz de marketing. De fato, há um
mal-entendido ético que costurou o roteiro desse desencontro racial.
Para ser reconhecido como um futuro adulto rico e potencial amigo da
concessionária para a compra de carros de luxo, o garoto de 7 anos
precisaria habitar um corpo inteligível para a casta dos ricos. Sua
cor o torna um sujeito inimaginável. Para ser reconhecido, é
preciso antes ser inteligível à ordem dominante.
Crianças negras são ainda invisíveis ao universo do consumo, o que
pode parecer óbvio dada a sobreposição da desigualdade de classe à
desigualdade racial no País: negros são mais pobres que brancos, um
fato que alimenta intermináveis controvérsias sobre as causas da
desigualdade, se seriam elas de renda ou raciais. A verdade é que as
crianças negras não são invisíveis apenas na concessionária da
BMW, mas em escolas, hospitais ou espaços de lazer, isto é, como
futuros cidadãos à espera da proteção de uma sociedade que se
define como livre do racismo.
Como em um experimento sociológico, o caso da família multirracial
mostrou que a renda não é capaz de silenciar a rejeição racial: a
criança se converteu em um ser abstrato, parte de uma massa de
pedintes que incomodam os clientes ricos. Ao contrário do que
imagina a loja da BMW, o mal-entendido não se resumiu ao diálogo
entre o gerente e a família, mas entre quem imaginamos que somos
como uma democracia racial e o que efetivamente fazemos com nossa
diversidade racial.
*
Debora Diniz é antropóloga, professora da Universidade de Brasília
e pesquisadora da ANIS - Instituto de Bioética, Direitos humanos e
Gênero
http://www.brasil247.com/pt/247/rio247/91832/Antrop%C3%B3loga-disseca-caso-de-racismo-na-BMW.htm
Na contramão das atitudes sustentáveis: a obsolescência programada
Obsolescência
programada é um conceito que preconiza diminuir a vida útil de um
produto para “forçar” o consumo de versões mais recentes ou modernas,
estimulando assim o consumismo, descartando, com isso, o conserto. Esse
termo é originário do processo de “descartalização” criado a partir da
década de 1930 por algumas economias capitalistas europeias no intuito
de movimentar a “máquina econômica” com mais produção, uma vez que o
estoque de produtos que se encontrava totalmente parado nas fábricas e,
principalmente, nos portos, devido à Grande Depressão Econômica de 1929,
fez travar o giro da economia.
O produto mais ilustrativo dessa prática (e dessa época) foi a
lâmpada. Nos anos 1920, uma simples lâmpada durava mais de 2500 horas.
Percebendo, nesse caso, que as vendas seriam bem menores dada a elevada
durabilidade do produto, os fabricantes rapidamente trataram de dar uma
vida útil bem baixa a esse produto. Pouco tempo depois, o ciclo de vida
desse produto caia para menos de 1000 horas.
De acordo com o documentário The Lightbulb Conspiracy (A
Conspiração da Lâmpada) dirigido por Cosima Dannoritzer, fabricantes de
lâmpadas se reuniram para definir padrões de produção que aumentariam o
consumo. Empresas de variados segmentos produtivos descartaram projetos
cujo foco era a durabilidade; designers criaram (e ainda criam; vide os
celulares e os notebooks, por exemplo) produtos que ficariam defasados
em curto espaço de tempo e chips foram colocados em impressoras para
contar o número de impressões, dimimuindo-as para pouco tempo. Aos
poucos, além das lâmpadas e impressoras outros produtos foram ganhando
essa mesma tendência; em especial, os eletroeletrônicos e suas múltiplas
versões e a indústria de confecção que “força” uma nova moda e
tendência (incluindo estilos e, principalmente, cores de roupas) a cada
estação do ano.
Na verdade, a prática da obsolescência programada (proposital curta
vida útil) se configura numa maquiavélica estratégia de mercado, tendo
em vista que em alguns casos o conserto, propositadamente, é mais caro, o
que inevitavelmente faz com que os consumidores não tenham
alternativas, a não ser partir para uma nova compra. Isso nada mais é do
que uma manipulação das indústrias em prol do ato de consumir. Em
outras palavras, é andar na contramão das atitudes sustentáveis,
enaltecendo assim um profundo desrespeito das indústrias para com os
consumidores, com o planeta e com a natureza.
Na prática, alguns segmentos produtivos que ainda adotam esse
procedimento incorrem na “necessidade” de forçar mais produção e,
portanto, mais poluição, tanto no ato da produção quanto no descarte. É a
economia que não quer parar de crescer, trazendo em seu rastro
dilapidação ambiental. Essa prática nada recomendável embute um
desajuste sobre a atividade econômica que resvala sobremaneira na
capacidade do planeta em suportar produções em escalas cada vez mais
alucinantes. Nesse pormenor, é importante lembrar que a humanidade já
está consumindo 30% a mais do que o planeta é capaz de repor e é preciso
que haja uma redução em até 40% nas emissões de gases de efeito estufa
para que a temperatura não suba mais do que 2º C. O forte apelo ao
consumo se concentra basicamente nas mãos de 20% da humanidade que
“engole” 80% de tudo o que é produzido no planeta, demandando recursos
naturais que a natureza não é capaz de prover. Lamentavelmente, a
obsolescência programada tem contribuído muito para isso.
domingo, 27 de janeiro de 2013
Quando a teoria torna a prática delirante
O
filósofo Slavoj Žižek já havia prevenido os acampados do Zuccotti Park:
“Não se apaixonem por vocês mesmos. Passamos um bom momento aqui, mas,
lembrem-se, os carnavais não custam caro. O que conta é o dia seguinte,
quando precisamos retomar nossa vida normal. E é quando nos perguntamos:
alguma coisa mudou?”
|
por Thomas Frank |
Uma cena vem à minha memória cada vez que tento recuperar o efeito
excitante que o movimento Ocupar Wall Street (OWS) produziu em mim
quando a manifestação ainda parecia ter um grande futuro. Estava no
metrô de Washington,lendo um artigo sobre os manifestantes reunidos no
Zuccotti Park de Manhattan. Fazia três anos que Wall Street havia se
recuperado; dois anos que meu círculo de colegas e amigos havia
abandonado a esperança de ver o presidente Barack Obama provar sua
audácia; dois meses que os amigos republicanos dos banqueiros haviam
conduzido o país à beira da moratória ao empreender um braço de ferro
orçamentário com a Casa Branca. Como todos, já não aguentava mais.
Ao meu lado, estava um cidadão impecavelmente vestido, talvez um quadro
superior que acabara de sair de algum salão comercial, a julgar pela
bolsa a tiracolo com slogans que se referiam ao dinheiro. As
frases indicavam como otimizar os investimentos financeiros, sugeriam
que o luxo é um benefício e que ser um ganhador é magnífico. O homem
parecia realmente incomodado. Eu saboreava a situação: em outros tempos,
eu é que teria vergonha de exibir a capa do meu jornal em um vagão
lotado; hoje, são pessoas como ele que tentam passar despercebidas.
Alguns dias depois, assistia a um vídeo na internet que mostrava um
grupo de militantes do OWS debatendo em uma livraria. Em um momento do
filme, um participante se perguntou sobre a obsessão de seus camaradas
em insistir que se expressam “por si mesmos”, em vez de assumir que
pertencem a um coletivo. Outro, então, replicou: “Cada um pode falar
apenas por si mesmo; ao mesmo tempo, o ‘si mesmo’ poderia muito bem se
diluir em seu próprio questionamento, como convida todo pensamento
pós-estruturalista que leva ao anarquismo [...]. Não posso falar apenas
por mim: é o ‘apenas’ que conta nesse caso, e certamente é aí que muitos
espaços se abrem”.
Ao escutar essa parafernália pseudointelectual, entendi que já não
havia esperança. O filósofo Slavoj Žižek já havia prevenido os acampados
do Zuccotti Park em outubro de 2011: “Não se apaixonem por vocês
mesmos. Passamos um bom momento aqui, mas, lembrem-se, os carnavais não
custam caro. O que conta é o dia seguinte, quando precisamos retomar
nossa vida normal. E é quando nos perguntamos: alguma coisa mudou?”.
A advertência de Žižek está na obra Occupy! Scenes from occupied America[Ocupe!
Cenas da América ocupada], o primeiro livro consagrado ao protesto
publicado em 2011. Desde então, uma avalanche de produções editoriais
invadiram as prateleiras das livrarias, de discursos pronunciados por
manifestantes a análises jornalísticas, passando por testemunhos de
militantes.1
Quase todas essas obras caem no contexto evocado por Žižek. Seus
autores estão profunda e desesperadamente apaixonados pelo OWS, e dão
por certo que os manifestantes anti-Wall Street abalaram os poderosos do
mundo financeiro e sufocaram de admiração os excluídos do planeta. Essa
visão beata em geral já aparece no próprio título do livro: This changes everything: Occupy Wall Street and the 99% Movement [Isto muda tudo: Ocupar Wall Street e o Movimento dos 99%],2
por exemplo. Os superlativos abundam, usados sem censura ou precaução.
“Os 99% despertaram, a paisagem política norte-americana jamais será a
mesma”, anuncia o autor de Voices from the 99 percent [Vozes dos 99%].3 Uma profecia quase morna se comparada ao entusiasmo peremptório de Chris Hedges. Em Jours de destruction, jours de révolte [Dias de destruição, dias de revolta], o antigo jornalista do New York Times
compara o OWS às revoluções de 1989 na Alemanha do Leste,
Tchecoslováquia e Romênia. Os manifestantes nova-iorquinos, escreve,
“eram desorganizados no início, não sabiam exatamente o que fazer, não
estavam sequer convencidos de que tinham cumprido algum papel de mérito.
Com ares inofensivos, porém, desencadearam um movimento de resistência
global que eclodiu em vários países e nas capitais europeias. O status quo precário imposto pelas elites durante décadas foi implodido. Outro relato ganhou forma, a revolução começou”.4
O que torna esses livros tão tediosos é o fato de, salvo algumas
exceções, recontarem as mesmas anedotas, citarem os mesmos comunicados e
discursos, oferecerem as mesmas interpretações históricas, se
concentrarem nas mesmas coisas. Como o tocador de djembê impediu que
todos dormissem, o que realmente aconteceu na ponte do Brooklyn, por que
e como fulano foi parar ali, quem teve a ideia de realizar assembleias
gerais, como cada um limpou o parque durante uma noite de pânico para
evitar que fossem expulsos no dia seguinte etc. Medido pelo número de
palavras por metro quadrado de grama ocupada, o Zuccotti Park constitui,
sem sombra de dúvida, o lugar mais analisado da história do jornalismo.
A grande epopeia, contudo, teve curta duração. Os acampados foram
evacuados dois meses após a instalação. À exceção de alguns grupos
residuais aqui e ali, animados por militantes mais experientes, o
movimento OWS se desagregou. A tempestade midiática que recaiu sobre as
lonas do Zuccotti Park foi levada pelo vento. Façamos uma pausa e
comparemos o balanço do OWS com o de seu vilão gêmeo, o Tea Party, e da
renovação da direita ultrarreacionária, do qual esse partido é ponta de
lança.5 Graças aos seus devotos, o Partido Republicano se
tornou majoritário na Câmara dos Representantes; nos legislativos
estaduais, tirou seiscentas cadeiras dos democratas. O Tea Party
conseguiu até impulsar um dos seus, Paul Ryan, à candidatura para a
vice-presidência dos Estados Unidos.
A questão à qual os enaltecedores do OWS consagram suas considerações
apaixonadas é a seguinte: qual é a fórmula mágica que permitiu ao
movimento ter tanto sucesso? Ora, essa é a questão diametralmente
inversa à que deveriam se perguntar: por que tamanho fracasso? Como os
esforços mais legítimos caíram no lamaçal da glosa acadêmica e das
posturas anti-hierárquicas vazias de sentido?
De qualquer forma o movimento começou forte. Desde os primeiros dias de
ocupação do Zuccotti Park, a causa do OWS tornou-se incrivelmente
popular. De fato, como sublinha Todd Gitlin, era a primeira vez desde a
década de 1930 que um tema progressista como a aversão a Wall Street
unia a sociedade norte-americana. As moções de simpatia pelo movimento
choviam aos milhares, os cheques de apoio também, além das pessoas que
faziam fila para doar livros e comida aos acampados. Celebridades foram
demonstrar solidariedade à causa e os meios de comunicação começaram a
cobrir a ocupação com uma atenção que jamais é dedicada aos movimentos
sociais etiquetados de esquerda.
Mas os analistas interpretaram de forma equivocada o apoio à causa do OWS como um apoio às suas modalidades de ação.
As barracas armadas no parque, a preparação de comida por legiões de
acampados, a busca sem fim do consenso, os enfrentamentos com a polícia
etc.: aí está, aos olhos dos exegetas, o que fazia a força e a
singularidade do OWS; aí está o que o público tem sede de ver.
O que estava sendo realmente tecido em Wall Street durante esse tempo todo suscitou um interesse muito menos vivo. Em Occupying Wall Street,
uma compilação de textos redigidos por escritores que participaram do
movimento, a questão dos empréstimos bancários usurários apareceu
somente uma vez, em uma citação na boca de um policial. E não espere
descobrir como os militantes do Zuccotti pretendiam enfrentar o poder
dos bancos. Não porque tal façanha pudesse ser considerada impossível, e
sim porque a forma como a campanha do OWS é apresentada nessas obras dá
a impressão de que o movimento não tinha nada a propor além da
construção de “comunidades” no espaço público e o exemplo dado ao gênero
humano pela nobre recusa de eleger porta-vozes.
Infelizmente, um programa político como esse não é suficiente.
Construir uma cultura de luta democrática é, sem dúvida, muito útil para
os ambientes militantes, mas é apenas um ponto de partida. O OWS jamais
foi além disso: não desencadeou uma greve, não bloqueou um centro de
recrutamento ou sequer ocupou o gabinete de um reitor de universidade.
Para seus militantes, a cultura horizontal representa o estágio supremo
da luta: “O processo é a mensagem”, entoavam em coro os manifestantes.
“A obra-prima última da
virtude democrática”
Seria possível objetar que a questão de apresentar ou não
reivindicações foi intensamente debatida pelos militantes quando
ocuparam efetivamente o espaço. Mas para quem folheia essas publicações
um ano depois, esse debate parece de outro mundo. Quase nenhuma arriscou
reconhecer que a recusa de formular proposições constituiu um grave
erro tático. Ao contrário: Occupying Wall Street, o relatório
quase oficial da aventura, relaciona toda intenção programática a um
fetiche concebido para manter o povo na alienação da hierarquia e do
servilismo. Hedges não está dizendo outra coisa quando explica que
“apenas as elites dominantes e seus canais midiáticos” incitavam o OWS a
fazer que suas demandas fossem reconhecidas. Apresentar reivindicações
suporia admitir a legitimidade de seu adversário, a saber, o Estado
norte-americano e seus amigos, os banqueiros. Em suma, um movimento de
protesto que não formula nenhuma exigência seria a obra-prima última da
virtude democrática.
Reside justamente aí a contradição fundamental dessa campanha. Ao que
tudo indica, protestar contra Wall Street em 2011 implicava protestar
também contra as manobras financeiras que levaram à grande recessão;
contra o poder político que tinha salvado os bancos; contra a prática
delirante dos primese bônus que tinham metamorfoseado as forças
produtivas para o 1% mais rico. Todas essas calamidades têm origem na
desregulação e na queda dos impostos – em outras palavras, na filosofia
de emancipação individual que, pelo menos na retórica, não é contrária
às práticas libertárias do OWS.
Inútil ter assistido a cursos de “pós-estruturalismo que leva ao
anarquismo” para entender como inverter a tendência: reconstituir um
Estado regulador competente. Lembremos o que diziam os manifestantes do
OWS nos célebres primeiros dias de setembro de 2011: retomemos a Lei
Glass-Steagall de 1933, que separa os bancos de poupança e os bancos de
investimento. Viva o “Estado obeso”! Viva a segurança!
Mas não é assim que se atiça a imaginação de seus contemporâneos. Como
animar um carnaval quando se reivindicam especialistas contábeis e de
administração fiscal? Deixando as coisas para mais tarde. Evitando
reclamar de medidas concretas. Reivindicar é admitir que os adultos
afetados e sem humor retomem a batuta e acabem com a recreação. Essa
escolha tática realmente funcionou no início, mas também fixou uma data
de perempção a todo o movimento. Ao proibir reivindicar qualquer coisa, o
OWS se fechou naquilo que Christopher Lasch chamava – em 1973 – de
“culto da participação”. Ou seja, um protesto cujo conteúdo se resume à
satisfação de ter protestado.
Em suas declarações de intenção, os acampados do Zuccotti Park celebravam em alto e bom som a vox populi.
Na prática, contudo, seu centro de gravidade pendia para apenas um
lado, o do pequeno mundo universitário. Os militantes citados nos livros
nem sempre revelam sua identidade socioprofissional, mas, quando o
fazem, se denominam estudantes recém-formados, ou professores.
É preciso celebrar a mobilização do mundo universitário; a sociedade
precisa escutar essa voz. Em tempos de crescimento vertiginoso das taxas
de escolaridade, de endividamentos estratosféricos para a obtenção de
um diploma universitário, de doutorandos explorados de forma
sem-vergonha, as pessoas afetadas têm completa razão em protestar.6
Eles deveriam lutar contra o sistema, exigir um controle rígido das
taxas de matrícula. Nas manifestações que abalaram o Québec no primeiro
semestre, quando uma parte importante da população apoiou a exigência
estudantil de uma educação acessível para todos, o movimento ganhou. Os
estudantes obtiveram quase tudo o que reivindicaram. O protesto social
fez as portas da universidade se abrirem.
Mas é quando se produz exatamente o inverso, ou seja, quando a
discussão acadêmica da alta cultura se torna um modelo de luta social,
que o problema aparece. Por que o OWS inspira em seus admiradores a
necessidade de se expressar em um jargão ininteligível? Por que tantos
militantes sentiram a necessidade de deixar seus trabalhos para
participar de debates de salão entre eruditos?7 Por que outros ainda decidiram reservar seus testemunhos a revistas de acesso restrito, como American Ethnologist ou Journal of Critical Globalisation Studies?
Por que um panfleto concebido para galvanizar as tropas do OWS está
cheio de declarações enigmáticas do tipo: “Nosso ponto de ataque se
situa nas formas de subjetividade dominantes produzidas no contexto das
crises sociais e políticas atuais. Dirigimo-nos a quatro figuras
subjetivas – o endividado, o midiatizado, o segurado e o representado –
que estão em via de empobrecimento e cujo poder de ação social está
mascarado ou mistificado. Consideramos que os movimentos de revolta e de
rebelião nos permitem não apenas recusar regimes repressivos sofridos
por essas figuras subjetivas, mas também inverter essas subjetividades
perante o poder”?8 E por que, alguns meses depois de ter
ocupado o Zuccotti Park, vários militantes julgaram indispensável criar
sua própria revista universitária com pretensão teorizante, a Occupy Theory,
destinada a compilar ensaios impenetráveis que demonstram a futilidade
de qualquer teorização? É assim que se constrói um movimento de massa?
Obstinando-se a usar uma linguagem que quase ninguém entende?
Já sabemos a resposta: antes que um protesto se torne movimento social
de grande amplitude, seus protagonistas devem refletir, analisar,
teorizar. O fato é que, desse ponto de vista, o OWS oferece material
para alimentar meio século de lutas – sem, contudo, ser capaz de tirar a
sua própria do impasse.
Rebuscado, verborrágico e professoral
O movimento Ocupar Wall Street realizou coisas excelentes. Encontrou um bom slogan,
identificou o inimigo certo e captou a imaginação do público. Deu forma
a uma cultura de protesto democrática, estabeleceu laços com sindicatos
de trabalhadores, um passo crucial no caminho das lutas sociais.
Retomou o vigor da noção de solidariedade, virtude cardinal da esquerda.
Mas os reflexos universitários rapidamente ganharam um lugar
preponderante e transformaram o OWS em um laboratório usado por seus
sábios para validar suas teorias nebulosas. Os acampamentos não
abrigavam somente militantes preocupados em transformar o mundo: também
serviram de arena para a promoção individual de alguns carreiristas.
E essa ainda é uma forma otimista de apresentar as coisas. A maneira
pessimista consistiria em abrir o último livro de Michael Kazin, American dreamer,
e concordar com ele que, desde a Guerra do Vietnã e do combate pelos
direitos civis na década de 1960, nenhum movimento progressista se
conectou com o grande público norte-americano – à exceção da campanha
contra o apartheidna década de 1980. É certo que na época do
Vietnã o país estava repleto de esquerdistas, principalmente nas
universidades. Porém, desde então, estudar a “resistência” se
transformou em um meio garantido de melhorar as perspectivas de
carreira; muitas vezes, o tema chegou a ser conteúdo de disciplinas
optativas. Contudo, por mais erudita que seja no plano intelectual, a
esquerda continua, de fracasso em fracasso, sem conseguir estabelecer
uma causa comum com o povo.
Essa incapacidade se explica, talvez, pela sobrerrepresentação de uma
profissão cujo modo de operar é deliberadamente rebuscado,
ultra-hierarquizado, verborrágico e professoral, pouco propício a um
processo de aglutinação. Ou talvez resulte da persistência da esquerda
em desprezar o homem da rua, em particular quando pode ser acusado de
ter votado mal ou cometido qualquer pecado político. Ou, ainda, pode ser
o desmoronamento do aparelho industrial que torna muitos movimentos
sociais obsoletos. Mas, de qualquer forma, não será nas publicações
sobre o OWS que encontraremos as respostas.
Os ativistas anti-Wall Street não gostam – está claro – de seus
homólogos do Tea Party. Em seu entendimento, aparentemente, eles não são
pessoas de verdade, como se outros princípios biológicos se aplicassem à
sua espécie. A filósofa Judith Butler, professora da Universidade de
Columbia, evoca com repugnância uma reunião do Tea Party durante a qual
os indivíduos celebraram a morte próxima de vários doentes desprovidos
de seguro-saúde. “Em que condições econômicas e políticas emergem formas
prazerosas de crueldade?”, pergunta a professora.
É uma boa questão. Dois parágrafos depois, contudo, Judith muda de tema
para celebrar a admirável decisão do OWS de não reivindicar nada, o que
gera um ponto de partida para uma teoria de alto voo: uma multidão que
protesta é espontânea e intrinsecamente liberacionista. “Quando os
corpos se reúnem para manifestar a indignação e afirmar a existência
plural no espaço público, também expressam reivindicações mais vastas”,
escreve. “Reivindicam ser conhecidos e valorizados; reivindicam o
direito de aparecer e de exercer liberdade; reivindicam uma vida
vivível.”9 É preciso, assim como o papel à música: os
descontentes que saem às ruas o fazem necessariamente para afirmar a
existência plural de seu corpo, por toda parte e sempre – a menos que
pertençam ao grupo mencionado dois parágrafos acima.
Os dois movimentos, contudo, apresentam algumas semelhanças.
Compartilham, por exemplo, a mesma aversão obsessiva pelos planos de
salvamento de 2008, qualificados pelos dois lados de “capitalismo de
conivências”. Ambos se expressam ocupando os espaços públicos;
destinaram um lugar importante aos partidários de Ron Paul, o líder da
corrente “libertária” do Partido Republicano. Até a máscara do Anônimo
(o vingador solitário do filme V de Vingança) circulou nos dois campos.
No plano tático, também há analogias. O OWS e o Tea Party permaneceram
com reivindicações fluidas, para abarcar o mais amplamente possível a
opinião pública. Os dois grupos insistiram com a mesma ênfase sobre as
persecuções das quais se consideravam vítimas. Do lado dos acampados,
insistiu-se sobre as brutalidades policiais. Em um relato de 45 páginas,10
Will Bunch narra em detalhes a repressão cega e a prisão em massa
ocorridas em uma manifestação sobre a ponte do Brooklyn. Do lado do Tea
Party, é o suplício infligido pelos “meios de comunicação de esquerda” e
suas acusações de racismo que alimentam o martirológio coletivo.11
Libertarismo preguiçoso e narcisista
A ausência de dirigentes é outro ponto comum entre os dois campos. No
manifesto do Tea Party redigido em 2010 por Richard (“Dick”) Armey,
ex-parlamentar republicano do Texas, figura um capítulo intitulado
“Somos um movimento de ideias, não de líderes”. O raciocínio
desenvolvido pelo Tea Party não destoaria dos teóricos do OWS: “Se eles
[seus adversários] soubessem quem movimenta o cenário, poderiam
atacá-lo. Poderiam massacrar a oposição desagradável do Tea Party”.
Ao mergulhar nas referências literárias do Tea Party, também é possível
encontrar traços da filosofia do OWS relativos à recusa de qualquer
reivindicação. Vejamos o que diz o filósofo Ayn Rand, cujas teorias
“objetivistas” serviram de base moral para a desregulação capitalista.12 Em A greve,
sua grande obra romanesca publicada em 1957, que vendeu 7 milhões de
exemplares nos Estados Unidos, as “reivindicações” são assimiladas pelo
mundo nocivo do poder político, que as formula em nome de seus
administrados preguiçosos e improdutivos. Os empresários, por outro
lado, negociam contratos: atuam na harmonia dos laços consensuais
estabelecidos pelo livre mercado. A ousadia aparece no momento em que o
personagem John Galt, que fez greve contra o flagelo do igualitarismo,
dirige seu discurso ao governo norte-americano: “Não temos nenhuma
reivindicação para apresentar, nenhuma disposição para negociar, nenhum
compromisso de atingir qualquer objetivo. Vocês não têm nada a oferecer,
não precisamos de vocês”.
Fazer greve sem reivindicar nada? Sim, porque reivindicar qualquer
coisa ao Estado seria reconhecer sua legitimidade. Para definir essa
atitude, Rand forjou uma expressão sofisticada: “a legitimação da
vítima”. Engajado na realização de seu potencial pessoal, o patrão – a
“vítima”, na pitoresca visão de mundo do autor – recusa a bendição de
uma sociedade que o tiraniza com impostos e regras. O bilionário
esclarecido não quer ter de fazer qualquer coisa pelos larápios e
parasitas que povoam uma sociedade nivelada por baixo.
O que fariam, então, esses precursores do “1%”? Construiriam uma
comunidade-modelo no coração do Velho Mundo. Mas os biliardários
sofredores imaginados por Rand não organizam assembleias gerais nos
jardins públicos; em vez disso, se retiram em um vale deserto do
Colorado, onde criam um capitalismo paradisíaco, não coercitivo, cujo
capital não deve nada ao Estado.
Uma última semelhança. A astúcia ideológica do Tea Party consistiu,
certamente, em desviar a fúria popular contra Wall Street e reorientá-la
contra o Estado.13 O OWS fez o mesmo, mas de modo mais
abstrato e teórico. É possível identificar essa atitude, por exemplo, ao
decifrar o argumento do antropólogo Jeffrey Juris: “As ocupações
colocaram em questão o poder soberano do Estado de regular e controlar a
distribuição dos corpos no espaço, [...] notadamente pela aparição de
espaços urbanos particulares como os parques públicos e praças, e pela
requalificação do lugar da assembleia pública e da expressão
democrática”.14 Esse tipo de retórica ilustra um ponto de
convergência entre o OWS e a esquerda universitária – a acusação do
Estado e de seu poder de “regular” e “controlar” tudo, mesmo que, no
caso de Wall Street, o problema resida, antes, no fato de que o Estado
não regule ou controle coisa alguma. Com algumas considerações menores, o
texto poderia ser lido como um panfleto libertário contra os espaços
verdes.
Já que nenhum dos livros citados aqui se preocupou em estar de acordo,
ou formar uma unidade, não há nenhuma teoria expressa que possa
explicá-los. Então, permitam-me propor a minha.
A razão pela qual o OWS e o Tea Party às vezes parecem tão próximos é
que ambos tomam emprestado esse libertarismo um pouco preguiçoso e
narcisista que impregna nossa visão de protesto social, desde
adolescentes do Disney Channel em busca deles mesmos até os
pseudoanarquistas que vandalizam um Starbuck’s. Todos imaginam que eles
se revoltam contra “o Estado”. Está no genoma de nossa época, ao que
tudo indica.
Quando veio o sucesso, o Tea Party engavetou seus discursos fanfarrões
sobre a organização horizontal. As mentiras serviram para atrair
clientes. Esse movimento não tinha pensadores pós-estruturalistas, mas
dispunha de dinheiro, redes e o apoio de um grande canal de televisão
(Fox News). Também não tardou em produzir dirigentes, reivindicações e
um alinhamento frutífero com o Partido Republicano. O Ocupar Wall Street
não foi por esse caminho: de fato, acreditava na horizontalidade.
Mas
depois de conhecer um sucesso estrondoso, desmoronou.
Thomas Frank
Ilustração: Daniel Kondo
1 Por exemplo, Todd Gitlin, Occupy nation: the roots, the spirit and the promise of Occupy Wall Street[Nação ocupada: as raízes, o espírito e a promessa do movimento Ocupar Wall Street], HarperCollins, 2012; Occupying Wall Street: the inside story of an action that changed America[Ocupando Wall Street: a história dos bastidores de uma ação que mudou a América], diversos autores, Haymarket, 2012.
2 Sarah van Gelder e a equipe da Yes Magazine, This changes everything: Occupy Wall Street and the 99% Movement [Isto muda tudo: Ocupar Wall Street e o Movimento dos 99%], Berrett-Koehler, 2012.
3 Lenny Flank, Voices from the 99 percent: an oral history of the Occupy Wall Street movement[Vozes dos 99%: uma história oral do movimento Ocupar Wall Street], Red and Black, 2011.
4 Chris Hedges e Jo Sacco, Jours de destruction, jours de révolte [Dias de destruição, dias de revolta], Futuropolis, 2011.
5 Ler Robert Zaretsky, “Au Texas, le Tea Party impose son style” [No Texas, o Tea Party impõe seu estilo], Le Monde Diplomatique, nov. 2010.
6 Ler Christopher Newfield, “La dette étudiante, une bombe à retardement” [A dívida estudantil, uma bomba-relógio], Le Monde Diplomatique, set. 2012.
7 Situação que observamos também em outros lugares. Ler Pierre
Rimbert, “La pensée critique dans l’enclos universitaire” [O pensamento
crítico na clausura universitária], Le Monde Diplomatique, jan. 2011.
8 Antonio Negri e Michael Hardt, “Take up the baton” [Pegue o bastão], Jacobin, maio 2012. Disponível em: .
9 Judith Butler, “From and against precarity” [De e contra a precariedade], dez. 2011. Disponível em: .
10 Will Bunch, October 1, 2011: the battle of the Brooklyn bridge[1º de outubro de 2011: a batalha da ponte do Brooklyn], Kindle Singles, 2012.
11 Por exemplo, Michael Graham, That’s no angry mob, that’s my mom: team Obama’s assault on Tea-Party
[Esta não é uma multidão em cólera, é minha mãe: o ataque do time de
Obama ao Tea Party], Talk-Radio Americans, Regnery Publishing, 2010.
12 Ler François Flahaut, “La philosophe du Tea Party” [A
filósofa do Tea Party]; “Où va l’Amérique” [Para onde vai a América], Manière de Voir, n.125, out./nov. 2012.
13 Ler “Et la droite américaine a détourné la colère
populaire” [E a direita norte-americana desviou a cólera popular], Le Monde Diplomatique, jan. 2012.
14 Jeffrey S. Juris, “Reflections on #Occupy everywhere: social
media, public space and emerging logic of aggregation” [Reflexões sobre
#Ocupar qualquer espaço: mídia social, espaço público e a lógica
emergente da agregação], American Ethnologist, v.39, n.2, maio 2012. |
sábado, 26 de janeiro de 2013
CNJ pode traçar o perfil de servidores do Judiciário
Adoção de cotas
O
Conselho Nacional de Justiça deve decidir até o mês de fevereiro sobre
um censo do Judiciário, que será um raio-x da situação socioecônomica
dos juízes e servidores da Justiça em todo o país. A ideia é que o
estudo seja utilizado para decidir sobre a adoção de cotas para o
ingresso na magistratura.
Segundo o conselheiro Jorge Hélio, um dos autores da proposta, a ideia é embasar a decisão do Conselho em um processo que pede a adoção de cotas raciais para o ingresso de juízes, servidores e estagiários.
"A proposta é da realização de um censo para se ter um diagnóstico geral do Poder Judiciário. [...] Um censo de natureza socioeconômica com 32 perguntas sobre o perfil salarial, quantos familiares, grau de escolaridade, etnia", disse Jorge Hélio.
Para o conselheiro, é preciso "expor as vísceras e daí propor o que tem que ser melhorado". "É importante porque é inédito. Nunca houve um censo no Poder Judiciário para saber quem são seus membros", completou.
Segundo o conselheiro, há expectativa de que o plenário aprove o pedido para a pesquisa na próxima sessão do CNJ, no dia 29 de janeiro, ou na sessão no dia 5 de fevereiro. Com isso, informou ele, o censo poderia ser feito em 120 dias e o resultado, já formatado e comparado com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a população brasileira ser apresentado até o fim de julho.
Conjur
Segundo o conselheiro Jorge Hélio, um dos autores da proposta, a ideia é embasar a decisão do Conselho em um processo que pede a adoção de cotas raciais para o ingresso de juízes, servidores e estagiários.
"A proposta é da realização de um censo para se ter um diagnóstico geral do Poder Judiciário. [...] Um censo de natureza socioeconômica com 32 perguntas sobre o perfil salarial, quantos familiares, grau de escolaridade, etnia", disse Jorge Hélio.
Para o conselheiro, é preciso "expor as vísceras e daí propor o que tem que ser melhorado". "É importante porque é inédito. Nunca houve um censo no Poder Judiciário para saber quem são seus membros", completou.
Segundo o conselheiro, há expectativa de que o plenário aprove o pedido para a pesquisa na próxima sessão do CNJ, no dia 29 de janeiro, ou na sessão no dia 5 de fevereiro. Com isso, informou ele, o censo poderia ser feito em 120 dias e o resultado, já formatado e comparado com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a população brasileira ser apresentado até o fim de julho.
Conjur
Idealizador do Fome Zero defende programa federal para o fim da obesidade
Frei Betto acaba de ser premiado pela Unesco pelos projetos desenvolvidos e diz que “no Brasil a fome é gorda”. Leia a entrevista
Fernanda Aranda
, iG São Paulo
O escritor Frei Betto já deixou as digitais na luta
contra a ditadura brasileira, no primeiro programa do governo Lula de
combate à miséria, o Fome Zero, e agora é uma das vozes mais atuantes na
briga para vencer um problema de saúde que afeta do sertão nordestino
aos centros urbanos do Sul e Sudeste: a obesidade.
Frei Betto defende programa nacional "Obesidade Zero"
A contribuição dele “à justiça social, aos direitos
humanos e à construção de uma cultura de paz universal” – na definição
da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(Unesco)– foi reconhecida este mês com o “Prêmio Internacional José
Martí”.
Em entrevista ao iG Saúde
, o premiado líder de movimentos sociais e autor de 53 livros responde
como o governo federal deveria atuar para combater o que ele chama de
“fome gorda” brasileira.
Frei Betto ainda define que a atual política de
internação forçada dos usuários de crack – em curso em São Paulo e no
Rio de Janeiro – tem falhas e precisa ser menos “ao estilo Pinochet” (em
referência ao ditador chileno Augusto Pinochet, morto em 2006). Leia a
seguir a entrevista concedida por e-mail.
iG: O documentário Muito Além do Peso, do qual o senhor foi consultor ( leia aqui
), coloca em destaque a obesidade das crianças brasileiras. Atestar que
um país sofre com o excesso de peso significa que a fome foi vencida?
Frei Betto:
De modo algum. Quando eu trabalhava no Fome Zero (2003-2004),
verifiquei que, no Brasil, a fome é gorda. Não encontrava, pelo
interior, crianças esquálidas, magérrimas, como as fotos que vemos da
África. E, sim, crianças barrigudas, cheias de vermes, com distúrbios
glandulares, devido à falta de nutrientes essenciais. Assim, há crianças
e adultos obesos e famintos, pois comem apenas um ou dois alimentos,
como mandioca, o que caracteriza desnutrição.
“
Nossas
crianças estão sendo envenenadas, e ainda há escolas que abrem suas
portas a redes de lanchonetes, o que é o mesmo que abri-las ao assassino
portando armas
iG: Na criação do Fome Zero, o combate à obesidade
estava contemplado. Nos últimos dez anos, dados oficiais mostram um
crescimento em progressão geométrica dos obesos no País. É preciso um
plano, elaborado pelo governo, para lidar com este aumento?
Frei Betto:
Os dados oficiais demonstram que, em nosso país, 30% das crianças
apresentam sobrepeso, e 15% são obesas. O plano que o governo precisa
estabelecer é proibir a propaganda de alimentos nocivos à saúde da
população, principalmente das crianças, como refrigerantes,
achocolatados, frituras, que contêm excesso de açúcar, gordura saturada e
sódio. Países como o Chile, a França e o Reino Unido já restringem a
propaganda de alimentos nocivos. No Brasil, o que a Vigilância Sanitária
libera o Ministério da Saúde assume, gastando recursos altíssimos com
doenças evitáveis.
iG: Muitos especialistas e instituições creditam à
indústria alimentícia a explosão da obesidade nacional e mundial.
Algumas imposições ao setor industrial sobre a elaboração dos alimentos
já começaram a sair do papel ( veja mais)
. Na sua avaliação, este é o caminho?
"É preferível correr o risco de errar com os pobres do que ter certeza de acertar sem eles", diz Frei Betto
Frei Betto:
O caminho necessário é controlar desde a fonte. Primeiro, proibindo a
fabricação de alimentos com alto teor de sódio, açúcar e gorduras
saturadas. Segundo, obrigando as escolas a fazerem educação nutricional.
Na escola aprendemos muito, mas nem todo dia utilizamos o que
aprendemos de matemática, de geografia, de química. No entanto, nos
alimentamos várias vezes ao dia, sem noção da qualidade do que ingerimos
e muito menos da reação do organismo ao alimento ingerido.
iG: A publicidade – infantil e adulta – tem participação e responsabilidade no aumento da obesidade?
Frei Betto:
Muita participação e responsabilidade, porque cria hábitos de consumo
desde os primeiros anos de vida. Está provado que, um alimento
publicitado na televisão e na internet, tem aumento de consumo de até
134%. O massacre publicitário induz as pessoas a comerem pelos olhos, e
não pela barriga.
iG: Na sua avaliação, o País precisa hoje de um programa ao estilo “Obesidade Zero?”
Frei Betto:
Urgentemente, pois aumentam, sobretudo em crianças, casos de diabetes
2, cânceres, alto colesterol, distúrbios glandulares, em função da má
alimentação. Nossas crianças estão sendo envenenadas, e ainda há escolas
que abrem suas portas a redes de lanchonetes, o que é o mesmo que
abri-las ao assassino portando armas. A diferença é que a alimentação
inadequada mata a longo prazo e com mais sofrimento. Uma criança
excessivamente obesa perde a autoestima, a identidade (é chamada de
“gorda”), e fica deprimida.
iG: Falando agora sobre drogas ilícitas: em São
Paulo está em elaboração, já com previsão de ser colocado em prática, um
plano de internação compulsória dos usuários de crack. Qual a sua
avaliação sobre a internação compulsória?
Frei Betto:
Primeiro, é preciso implementar políticas de prevenção, reprimindo
duramente o tráfico de drogas, em especial de crack. Segundo, a
internação não deve ser compulsória, o consumo de drogas não pode ser
criminalizado. Assim, há que fazer um trabalho junto aos usuários para
convencê-los a se tratar, como faz a Igreja Batista na Cristolândiaem
São Paulo. Na metodologia, mais Piaget (Jean Piaget, pensador do século
XX, idealizador da psicologia da criança e que defende a abordagem
multidisciplinar) e menos Pinochet (Augusto Pinochet, que governou o
chile em poder ditatorial por 17 anos, considerado violento e
autoritário).
“
A internação não deve ser compulsória, o consumo de drogas não pode ser criminalizado
iG: A maior parte dos tratamentos, clínicas e
projetos de redução de danos para dependentes químicos está nas mãos de
instituições religiosas. Esta atuação dos religiosos é positiva em quais
pontos principais?
Frei Betto:
É positiva se o usuário está aberto à proposta religiosa, o que não é o
caso de todos. Portanto, as instituições religiosas não devem
condicionar o tratamento à aceitação da fé. Salvar um ser humano, ainda
que ateu, é exigência número um do principal preceito cristão – o amor.
iG : O senhor acaba de ser premiado pela
Unesco devido ao “conjunto da obra”. Na sua trajetória, do que tem mais
orgulho? Qual projeto que ainda não conseguiu colocar em prática, mas
sonha fazê-lo?
Frei Betto:
Este prêmio da UNESCO é mérito de todos os movimentos sociais com os
quais trabalho há mais de 50 anos e que lutam por justiça, paz e
direitos humanos na América Latina. Se tenho direito a algum orgulho, é
com a minha coerência de vida. Tenho como princípio que é preferível
correr o risco de errar com os pobres do que ter certeza de acertar sem
eles. Quanto aos sonhos, apenas dois: viver o suficiente para escrever
todos os livros dos quais estou “grávido” e – como sei que não
participarei da colheita – prosseguir semeando o futuro de justiça e
paz.
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