Por Antonio Martins
Certos momentos parecem grávidos de questionamento e tempestade. No dia 21 de Outubro, cerca de 20 mil pessoas – a maioria muito jovem –
tomaram a Praça Roosevelt, em São Paulo, numa manifestação simbólica de
crítica aos limites de nossa democracia raquítica.
Extremamente pacífico
(e amoroso…), o ato não foi, por isso, menos rebelde.
Ao ocuparem a
praça, vencendo inclusive ameaças da prefeitura, e ao inundá-la com
práticas anti-sistêmicas (compartilhamento, gratuidade, colaboração,
reciclagem, não-violência ativa etc), os manifestantes enviaram algumas
mensagens. Não se conformam com uma sociedade consumista e alienada, que
devasta a natureza e estimula, entre os seres humanos, egoísmo,
ostentação, desigualdade. Estão dispostos a confrontar estas lógicas; a
identificar outras tribos que resistem; a conspirar com elas.
Porém, conspirar para quê?
Num mundo em que tanto parece tão fútil e insano, por onde começar mudanças mais profundas? Outras Palavras alegra-se por participar de um grupo de entidades – composto pela revista Página 22, Matilha Cultural, Escola de Ativismo e Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) – que lança uma nova iniciativa, para dialogar sobre esta questão essencial.
Chama-se Primaveras [veja página no Facebook], uma
referência óbvia às primeiras grandes revoluções desta década. Valoriza
as mudanças pessoais de atitude, esta nova forma de ação política que
remete à autonomia.
Mas procura somar a elas outros desafios:
identificar brechas e pontos frágeis do sistema; aprender a explorá-las;
multiplicar os espaços nos quais podem florescer lógicas
contra-hegemônicas.
Primeiro, os sistemas de poder que prevalecem (Ladislau Dowbor costuma chamá-los de formas de “governança”) perpetuam, em
inércia infinita, algumas das lógicas sociais que mais ameaçam as
sociedades e a natureza.
Todos sabemos dos riscos representados pelo
aquecimento global, mas a quase totalidade dos governos hesita em
enfrentá-los, porque se curva a lobbies com enorme poder nos
parlamentos – as indústrias automobilísticas ou as petroleiras privadas,
por exemplo. Mais de 1,5 mil novos carros entram em circulação
(circulam?) a cada dia, em cidades como São Paulo, mas a mídia ataca
ferozmente as propostas para restringir seu uso. Ou, pior, trata como
“inviáveis” as tentativas de construir redes de metrô extensas no
Brasil. Sem mudar a “governança”, alerta Ladislau, não será possível
enfrentar nem o aquecimento global, nem a ditadura do automóvel.
A segunda razão tem sinal positivo. Em todo o mundo, cresce a
sensação de desconforto com o sequestro da política, promovido pelos
supostos “representantes do povo”. Uma parcela cada vez mais ampla da
opinião pública percebe como é absurdo e pequeno, na era da internet,
reduzir a democracia a um voto, uma vez a cada dois anos. As
instituições tradicionais parecem incapazes de se renovar. Parasitadas
pelo poder econômico e pelo interesse de auto-preservação da “classe
política”, elas sentem-se, diante das reivindicações por transparência –
e, sobretudo, por participação horizontal – como vampiros em face da
luz.
Não haverá, nesta crítica generalizada da sociedade a seus
“representantes”, sementes de reviravolta? Que falta para criar vastos
movimentos em favor de uma nova democracia, em que a representação
conviva (e ceda espaço) à participação direta dos cidadãos nos terrenos
que dizem respeito a seu futuro coletivo?
Falta, por exemplo, traduzir o desconforto com o sistema e o desejo de autonomia e horizontalidade em propostas
concretas, viáveis, seguras num certo sentido. Nenhuma grande mudança
ocorre enquanto permanece aspiração de um grupo minoritário de
descontentes. É preciso, como na ocupação da Praça Roosevelt,
neutralizar o discurso do medo, brandido pelo poder; demonstrar que as
novas lógicas oferecem uma vida mais humana, estimulante e prazerosa a
todos – não apenas aos que conspiram… Formular propostas capazes de tal
mágica é árduo e complexo mas (talvez exatamente por isso…) desafiante e
indispensável.
O segundo grande tema de Primaveras foi a busca do Conhecimento Livre. Pergunta-se:
como assegurar, na época da economia imaterial, que as riquezas comuns
da humanidade – o conhecimento é a mais típica – sejam, de fato,
patrimônio de todos? De que forma criar novas leis de direitos autorais,
que assegurem a circulação mais livre e vasta das obras culturais e
científicas, estabelecendo novos estímulos aos criadores e inventores?
Primaveras pretende contribuir para a inovação também na
forma. Propôs-se aos debatedores que, em vez de fazer longas falas, e
depois abrir ao público um breve momento para perguntas, tentem suscitar
a participação coletiva. Não é fácil, nem se resolve com simplismos,
como desprezar o conhecimento reunido por quem dedicou-se a tanto.
Seremos capazes? Melhor que você mesmo participe da resposta.
São raros os instantes históricos em que o futuro está tão indefinido
e aberto.
Uma enorme risco?
Uma oportunidade rara?
Depende também de
você.
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