Marina Castañeda*
Nos últimos
anos, de fato, tanto os organismos internacionais como os governos se
conscientizaram dos enormes custos econômicos e sociais da desigualdade entre
os sexos. Curiosamente, as propostas do feminismo – que começou como uma
corrente de pensamento muito minoritária entre intelectuais e ativistas do
mundo industrializado – estão sendo cada vez mais integradas à análise
econômica e social do establishment
do capitalismo globalizado.
Um bom exemplo
disso é um projeto de pesquisa publicado em 2001 pelo Banco Mundial, um dos
bastiões do pensamento econômico neoliberal. Seu relatório, intitulado Gendered
Development [Desenvolvimento e Desigualdade entre os Gêneros], analisa em
detalhes os custos da desigualdade entre homens e mulheres, sob o aspecto da
pobreza, do desenvolvimento, da produtividade, da saúde e da educação. As
conclusões principais são contundentes. Os países que promovem os direitos das
mulheres e facilitam o acesso delas à educação e à riqueza estão menos sujeitos
à pobreza e à corrupção, têm uma produtividade mais elevada e um crescimento
econômico maior. Quando se reduzem as diferenças entre homens e mulheres em
áreas como a educação, o emprego e os direitos de propriedade, as taxas de desnutrição
infantil e a mortalidade diminuem. Além disso, a transparência e a honestidade
aumentam, tanto nos governos como no setor privado. Os sistemas de saúde e
educação, os órgãos de governo e as instituições de crédito funcionam melhor
quando incluem uma forte participação feminina. Portanto, a desigualdade entre
homens e mulheres não afeta apenas estas últimas, mas a sociedade inteira,
idéia que sempre foi postulada pelo movimento feminista e que agora recebe o
respaldo dos economistas do desenvolvimento.
Vejamos alguns
exemplos, extraídos do relatório do Banco Mundial. Estima-se que o simples fato
de facilitar o acesso das mulheres da zona rural à educação, à propriedade da
terra e ao uso de fertilizantes aumentaria em 20% a produtividade agrícola na África.
Em Bangladesh, os microcréditos concedidos às mulheres traduzem-se num aumento
da renda familiar maior do que quando eles são concedidos aos homens. Diversos
estudos comparativos o demonstram: se o Oriente Médio, o Norte da África, o Sul
da Ásia e a África Subsaariana houvessem reduzido a diferença entre a educação
de meninas e meninos, como o Leste da Ásia o fez no período de 1960-1990, o PNB
per capita nessas regiões teria
crescido entre 0,5 e 0,9% a mais por ano.
Se meninos e
meninas tivessem o mesmo acesso à educação em toda a África, a mortalidade
infantil do continente teria sido 25% menor no ano de 1990, escolhido como
exemplo. Uma pesquisa sobre 63 países demonstrou que a educação das mulheres
foi o fator que mais contribuiu para reduzir a desnutrição entre 1970 e 1995,
explicando por si só 43% de tal diminuição. Verificou-se também que, quando as
taxas de alfabetização feminina sobem, os índices de infecção por HIV diminuem.
Mas a educação das mulheres não é o único fator importante; os níveis salariais
também contam. No Brasil, em Bangladesh e na Costa do Marfim, o salário das
mulheres repercute na nutrição dos filhos quatro vezes mais que o mesmo salário
nas mãos de seus pais. Na República da Geórgia, as empresas possuídas ou
dirigidas por mulheres têm menos ocorrências de corrupção que as empresas cuja
posse ou administração está nas mãos dos homens. Por todas essas razões, o
Banco Mundial está destinando mais e mais fundos e apoios para a educação, a
saúde, o crédito e os direitos das mulheres.
As Nações
Unidas também estudaram a fundo os custos da desigualdade entre homens e
mulheres. O relatório intitulado Estado da população mundial 2000 recolhe dados
sobre o imenso custo econômico da violência contra as mulheres: estima-se, por
exemplo, que os patrões nos Estados Unidos perdem 4 bilhões de dólares por ano
devido ao absentismo, ao aumento dos gastos médicos, à alta taxa de renovação
do quadro de funcionários e à menor produtividade associada com tal violência.
Por outro lado, o fato de que as mulheres não possam controlar livremente sua
fertilidade dificulta a chamada “transição demográfica”, na qual as taxas de
fecundidade e de mortalidade baixam significativamente. Tal fenômeno permite
que o número de crianças dependentes diminua rapidamente em relação à população
em idade ativa, o que promove a produtividade, o investimento e o
desenvolvimento econômico.
TORNAR VISÍVEL O INVISÍVEL
Esses estudos,
assim como outros realizados por diversos organismos internacionais, demonstram
que os custos do machismo não são somente psicológicos. Além disso, tornam
visível algo que permaneceu oculto durante quase toda a história da humanidade:
que o domínio do homem sobre a mulher afeta a todos, não somente às mulheres.
Ajudam-nos igualmente a entender a relação exata entre machismo e dominação. O
machismo, visto como um conjunto de valores e crenças, provém da desigualdade
entre os sexos, mas ao mesmo tempo a alimenta, ao explicar por que os homens
devem ter o comando e por que são “superiores” em quase todas as áreas
importantes da atividade humana. Em suma, o machismo é a justificação da
dominação masculina. Por isso, podemos afirmar sem dúvida alguma que o machismo
e a desigualdade sempre caminham de mãos dadas. Lá onde virmos o primeiro,
poderemos estar certos da subsistência da segunda, e vice-versa. Em outras
palavras, o machismo nunca é inofensivo, nunca é apenas um costume desagradável
e, no fim das contas, inócuo.
Muitas
pessoas, incluindo muitas mulheres, consideram que o machismo não é mais do que
isso, uma forma de ser mais ou menos irritante, sem maiores conseqüências.
Quando observamos homens jovens que estão aprendendo e praticando as várias
formas de machismo, tendemos a minorar a importância do fato. Pensamos que os
jovens são assim mesmo, e que logo deixarão de sê-lo. Curiosamente, os anos
passam, e eles continuam os mesmos. Da mesma maneira, costumamos perdoar os
ímpetos autoritários dos pais para com os filhos, porque acreditamos que um
pouco de disciplina não lhes fará mal; no entanto, nós, psicólogos, lidamos
diretamente com indivíduos prejudicados por um pai distante e repressivo. Não
damos importância ao fato de que um homem exceda-se gritando e insultando a
esposa ou os empregados: “Com certeza está muito estressado”, dizemos, “mas não
é má pessoa.” Tendemos a passar por cima de tais manifestações do machismo,
porque não as identificamos como tais e porque as justificamos de maneiras
muito variadas. Nesse sentido igualmente, o machismo tornou-se invisível.
É difícil
distinguir o caráter social do machismo quando estamos tão acostumados a vê-lo
como uma característica pessoal. Deveríamos suspeitar de sua verdadeira
natureza, ao observar que é tão onipresente e invariável. São homens demais a
apresentar esse “caráter forte” próprio do machismo, termo tão comum que
deveria nos alertar, porque sempre descreve o mesmo tipo de indivíduo exigente,
controlador, impaciente e mal-humorado. Reconhecemos o personagem de imediato,
porque todos nós em algum momento já sofremos com suas condutas autoritárias. O
fato de o machismo ter sido considerado um atributo pessoal, como geralmente
ocorre, contribuiu para torná-lo invisível.
É
imprescindível que deixemos de ver o machismo como um traço pessoal, pois isso
nos condena a buscar soluções individuais para ele, e estas nada resolvem. Por
exemplo, muitas mulheres consideram que são culpadas pela depressão e pela
frustração que sentem na vida e que suas próprias deficiências são a causa do
mau humor constante de seus companheiros. Sentem-se sobrecarregadas pelas
responsabilidades domésticas, não conseguem realizar projetos pessoais e
profissionais e concluem que isso decorre da falta de inteligência, motivação
ou disciplina. Pensam que as coisas mudariam se fossem mais organizadas ou
menos sensíveis... Recorrem à terapia, fazem cursos de meditação e de
aprimoramento pessoal e fazem inclusive cirurgia plástica para se sentir
melhor..., mas o problema não está nelas, e sim na relação desigual em que
estão envolvidas.
Os homens
também sofrem terrivelmente devido ao machismo. Nem sempre se dão conta disso,
mas a obrigação permanente de mostrar virilidade implica um esforço enorme em
todas as áreas da vida. É muito provável que os altos índices masculinos de
estresse e alcoolismo, de distúrbios psicossomáticos e disfunções sexuais, de
acidentes automobilísticos e atos de violência estejam relacionados ao machismo
e à sua necessidade de controle permanente e de monopólio das decisões. Além
disso, nos dias de hoje os homens devem satisfazer às exigências de um novo machismo,
que está intimamente ligado ao consumismo. Não apenas têm de exibir virilidade
constante, mas também projetar uma imagem de êxito e dinamismo transbordante.
A antiga
divisão do mundo numa esfera pública própria dos homens e numa esfera privada
ou doméstica própria das mulheres perdeu seu sentido. Todos são capazes de
desempenhar os papéis e desenvolver as potencialidades que antes se
consideravam restritas a um ou a outro sexo. As formas tradicionais de
classificar as pessoas, conforme a raça, a riqueza ou o gênero, para que
cumpram funções sócias específicas, não são mais compatíveis com uma sociedade
cada vez mais complexa e tecnologicamente avançada. As sociedades do século XXI
requerem uma flexibilidade muito maior, a fim de selecionar os indivíduos mais
qualificados nas respectivas áreas, independentemente do gênero e de outras
classificações. Excluir metade da população da vida econômica e política não é
apenas injusto e ineficiente: é absurdo,
sob todos os aspectos.
A humanidade
viveu até agora uma história dividida, seguiu caminhos paralelos, como se
homens e mulheres constituíssem espécies diferentes. É hora de aprender uns com
os outros. Trata-se de unir os caminhos, para que as mulheres tenham acesso ao
imenso acervo de conhecimentos acumulados pelos homens, e estes sejam capazes
de aproveitar a sabedoria milenar das mulheres. A equidade não é apenas uma
questão de justiça elementar; dela depende a solução dos problemas que assolam
a humanidade desde tempos imemoriais. A longo prazo, não se trata apenas de
mudar a relação entre homens e mulheres, mas de ampliar o alcance da condição
humana.
* Formada em Letras, História e Psicologia nas
Universidades de Harvard e Stanford, na École Normale Supérieure de Paris e na
U.S. International University. Desde 1988 dedica-se ao exercício da
psicoterapia na cidade do México e em Cuernavaca.
Um comentário:
A Idade Média ainda não foi integralmente ultrapassada !!!
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