Por Ruy Braga.
Um espectro
ronda o mundo do trabalho no Brasil – o espectro do fim da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). Políticos e organizações patronais uniram-se
em uma Santa Aliança para pressionar o Congresso pela aprovação do
Projeto de Lei no. 4330/2004 do deputado e empresário do setor de
alimentos, Sandro Mabel (PMDB-GO). Este projeto autoriza a terceirização
de qualquer função nas empresas. Na mesma direção, o Supremo Tribunal
Federal (STF) aprecia o recurso da fabricante de celulose Cenibra
condenada em todas as instâncias por terceirizar trabalhadores em suas
atividades-fim. O relator, ministro Luiz Fux, acolheu o recurso da
indústria e o processo aguarda parecer da Procuradoria-Geral da
República. Uma eventual vitória da Cenibra afetaria toda a regulação
jurídica das relações de trabalho no país.
A ofensiva
patronal sobre os direitos trabalhistas não tardou a repercutir no
debate eleitoral. No programa de governo da candidata Marina Silva, por
exemplo, pôde-se ler: “Existe hoje no Brasil um número elevado de
disputas jurídicas sobre a terceirização de serviços com o argumento de
que as atividades terceirizadas são atividades-fim das empresas. Isso
gera perda de eficiência do setor (comércio e serviços), reduzindo os
ganhos de produtividade e privilegiando segmentos profissionais mais
especializados e de maior renda.” Resta saber como a candidata pretende
“disciplinar a terceirização” e, ao mesmo tempo “assegurar o respeito às
regras de proteção do trabalho”?
Simpatizante da candidata pessebista, o empresário Benjamin Steinbruch decidiu fustigar a CLT em uma entrevista concedida à Folha de S. Paulo
no início da semana passada. Após entoar a indefectível cantilena sobre
o elevado custo do emprego no Brasil, o dono da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN) reivindicou “um país leve na lei trabalhista”, isto é,
com jornada mais flexível, idade legal diminuída e horário de almoço
encurtado: “[...] Não precisa de uma hora [de almoço]. Se você vai numa
empresa nos EUA, você vê [o trabalhador] comendo o sanduíche com a mão
esquerda e operando a máquina com a mão direita. Tem 15 minutos para o
almoço.”
Se
implementada, a proposta de Steinbruch de substituição do legislado pelo
negociado nas relações trabalhistas implicaria no fim da CLT. De
quebra, ameaçaria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o
vale-transporte e o vale-alimentação. Em um país com altas taxas de
rotatividade, onde o valor do salário do recém-contratado tende a ser
menor do que o do demitido, alguém acredita que a “redução pela metade
dos direitos (trabalhistas)” iria realmente parar no “bolso do
trabalhador”?
Ao tomar
conhecimento das opiniões do atual presidente da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), um desavisado concluiria que o
Brasil é o paraíso da proteção trabalhista, onde demitir é praticamente
impossível, os salários são altos, as relações contratuais são rígidas e
não há terceirização. Na realidade, o percentual médio do trabalho
informal no ano passado ainda era de 33% da População Economicamente
Ativa (PEA). Dados do DIEESE indicam que a taxa de rotatividade,
especialmente saliente entre os jovens, os que recebem até dois salários
mínimos e os ocupados no setor de serviços, cresceu, entre 2003 e 2012,
de 52% para 64%. Esta taxa atinge 53% dos trabalhadores em vários
setores da indústria de transformação.
A respeito
da terceirização, o quadro permanece desalentador. De acordo com a
Confederação Nacional da Indústria (CNI), nos últimos três anos, cerca
de 70% das indústrias brasileiras contrataram empresas terceirizadas.
Dos 50 milhões de trabalhadores com carteira assinada do país, 12
milhões são terceirizados, recebendo, em média, salários 30% inferiores
em relação aos contratados diretamente. Além disso, eles são mais
vulneráveis tanto aos acidentes de trabalho, quanto às condições
análogas à escravidão. Caso fosse levada adiante, a agenda advogada por
Steinbruch deterioraria ainda mais uma condição social já calamitosa.
Ao contrário
do que muitos imaginam, a CLT não foi uma dádiva de Vargas aos pobres.
Antes, ela resultou de duas décadas e meia de lutas sociais e da
institucionalização de direitos trabalhistas contra os abusos de uma
classe empresarial herdeira do éthos escravocrata. Além disso, a
CLT atraiu milhares de trabalhadores rurais para os grandes centros
urbanos em busca de oportunidades e de proteção social. Assim, a
legislação trabalhista ajudou a criar a classe operária necessária à
expansão do moderno parque industrial brasileiro cujo marco foi a
própria CSN – vendida, em 1993, ao empresário Benjamin Steinbruch.
Em suma, a
ameaça à CLT não expressa o embate das forças vanguardistas da
globalização econômica contra o que restou do atrasado poder corporativo
dos sindicatos. Na verdade, testemunhamos a desforra de organizações
empresariais passadistas pela ousadia do subalterno de apropriar-se da
linguagem dos direitos sociais. O que o Projeto de Lei no. 4330/2004, o
recurso da Cenibra ao STF, o programa de governo marinista e a agenda de
Steinbruch buscam ocultar é a incompetência histórica de uma classe
empresarial retrógrada que, a fim de ampliar suas margens de lucro, ao
invés de alcançar ganhos de produtividade investindo em inovação
tecnológica, contenta-se em investir contra os direitos dos
trabalhadores.
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