Carlos Octávio Ocké-Reis
Para
viabilizar um projeto de capitalismo de Estado, que promova crescimento
com desconcentração de renda, riqueza e poder, é necessário se debruçar
sobre questões relacionadas à soberania (fronteira, energia e
alimentos), ao desenvolvimento, à inovação tecnológica, ao modelo de
proteção social e à sustentabilidade ambiental.
Do
ponto de vista macroeconômico, para fundamentar esse tipo de projeto, a
industrialização, o pleno emprego e a universalização das políticas
sociais são elementos centrais, pressupondo, a um só tempo, a
desfinanceirização do padrão de financiamento público (dívida interna) e
a ampliação dos investimentos públicos e privados (formação bruta de
capital fixo).
Tendo
como pano de fundo o bem-estar das classes trabalhadoras e dos
assalariados é indispensável garantir o alargamento do mercado interno
com estabilidade da moeda, bem como definir as janelas de oportunidade
que fortaleçam a economia brasileira no contexto da globalização.
Na
atual conjuntura histórica, em plena crise do capitalismo internacional
e da contraofensiva neoliberal, uma opção seria discutir o ‘modelo
sueco’ de pleno emprego (Ocké-Reis, 2011), que já foi considerado um
paradigma para os críticos da experiência soviética (estalinista) e
estadunidense (liberal). Não importa se hoje a Suécia não faz parte do
G20, se o partido social-democrata saiu do poder, ou ainda, se sua
política econômica não é mais uma referência teórica e prática: essa
experiência foi tão marcante entre 1950 e 1975, que tal investigação
ajudaria a examinar os desafios do Brasil no início do século XXI.
Esse
modelo articulava pleno emprego com estabilidade da moeda e crescimento
com equidade social, combinando política fiscal (ora cíclica, ora
anticíclica) com regulação dos lucros extraordinários e com política de
renda ‘compensatória’. Valeu-se, favoravelmente, das regras do regime
monetário internacional seladas no acordo de Bretton Wood em 1944, que
possibilitou o controle do fluxo de capital entre os países, permitindo
que a política monetária sueca (controle da inflação) fosse ao encontro
das metas de pleno emprego.
Outra
opção seria olhar para o debate e a experiência da esquerda
latino-americana reformista e revolucionária (Fiori, 1996), enquadrando
as políticas sociais dentro de um projeto de desenvolvimento que
redefina não só as relações de cidadania, mas que mude também as
relações entre o Estado e o mercado.
De
um lado, na década de 30, Lázaro Cárdenas – que retomou o plano Ayala
de 1911 proposto por Emiliano Zapata – fez a reforma agrária, estatizou
as empresas estrangeiras de petróleo, criou os primeiros bancos estatais
de desenvolvimento industrial e de comércio exterior, investiu em
infraestrutura, promoveu a industrialização e defendeu uma política
externa anti-imperialista. Essa plataforma serviu de base em seguida
para vários governos nacional-desenvolvimentistas, os quais, se não
foram comunistas, socialistas ou socialdemocratas, foram expressão de
boa parte da esquerdista reformista latino-americana até 1980.
De
outro lado, em 1970, a Unidade Popular chilena, sob a hegemonia dos
socialistas e comunistas, propôs uma transição democrática ao
socialismo, radicalizando a experiência de Cárdenas em linha com a
proposta de capitalismo de Estado dos comunistas franceses – que, por
sua vez, tinham como fonte de inspiração a Nova Política Econômica
(NEP), liderada por Lênin e implantada pelo partido bolchevique na
Rússia, a partir de 1921 (Bertelli, 1987). Allende promoveu a reforma
agrária e a nacionalização das empresas estrangeiras de cobre, mas,
sobretudo, defendeu a criação de um ‘núcleo industrial estratégico’, de
propriedade estatal, supondo o desenvolvimento da economia socialista.
Com sua derrubada pelo golpe militar, o debate acerca do capitalismo de
Estado, como forma de transição democrática ao socialismo, acabou
ficando inconcluso na América Latina.
Adaptado
à realidade brasileira contemporânea, seja o modelo keynesiano (sueco),
seja o modelo de capitalismo de Estado (chileno), dados os níveis de
pobreza, desigualdade e violência social, ao lado da ‘âncora salarial’
aplicada pelos governos petistas (emprego formal, renda e crédito), o
papel das políticas sociais como força motriz do desenvolvimento
nacional não pode ser menosprezado, uma vez que sua universalização
poderia ajudar a:
(i) construir uma ética pública e solidária na sociedade;
(ii) desprivatizar o Estado, democratizando o acesso ao fundo público;
(iii) diminuir, objetivamente, os níveis de pobreza, desigualdade e violência social;
(iv) produzir renda, produto, emprego e inovação tecnológica (cadeia produtiva keynesiana);
(v)
aumentar a produtividade da força de trabalho e reduzir o índice de
inflação do setor terciário (e por sua vez ampliar os gastos sociais).
Para
certo autor, a construção desse tipo de esfera pública, sinônimo de
democracia e de uma “economia de mercado socialmente regulada” (termo
cunhado pela social-democracia alemã de antes da ascensão do nazismo),
poderia constituir uma esfera do antivalor, segundo ele, as portas do
socialismo (Oliveira, 1988).
BERTELLI, A. R. (Org.). A Nova Política Econômica (NEP): capitalismo de Estado, transição e socialismo. São Paulo: Global, 1987.
FIORI, J. L. Um olhar para a esquerda. Margem Esquerda – ensaios marxistas, n. 7, p.87-112, 2006.
OCKÉ-REIS,
C. O. A macroeconomia sueca do pleno emprego foi derrotada? Rio de
Janeiro: projeto de pesquisa submetido ao curso de pós-graduação em
Economia Política Internacional (estágio pós-doutoral), do Instituto de
Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. (Mimeo.)
OLIVEIRA,
F. de. O surgimento do antivalor: capital, força de trabalho e fundo
público. Novos Estudos CEBRAP, v. 22, p. 8-28, outubro de 1988. (Dossiê
Welfare State.)
*
- Economista, doutor em saúde coletiva pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) com pós-doutorado pela Yale School of Management
(New Haven, EUA). Técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e consultor externo do Isags
(Unasul).
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