Em
reportagem publicada no jornal Valor
Econômico,
da última quarta-feira (4), o jornalista estadunidense Edward Luce,
do Financial
Times,
escreveu excelente reportagem A
agonia da classe média americana sobre
a crise dos estratos médios norte-americanos.
Alexis
de Tocqueville, grande cronista francês dos primórdios da nação
americana, já foi erroneamente citado como tendo dito: "Os EUA
são o melhor país do mundo para os pobres". Isso deixou de ser
verdade. Hoje, nos EUA, é menor a chance de passar de um estrato de
renda mais baixa para outro mais elevado do que em qualquer outra
economia desenvolvida. Para inverter as clássicas histórias de
Horatio Alger, nos EUA de hoje, se você nasceu esfarrapado, tem
maior probabilidade permanecer nesse estado do que em praticamente
qualquer país da velha Europa.
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O
estrangulamento lento
da classe média americana começou
muito
antes da
Grande Recessão
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Combinadas
a essas duas tendências profundamente enraizadas, há uma terceira -
forte crescimento da desigualdade. O resultado é a crise em fogo
lento do capitalismo americano. Uma coisa é sofrer as agruras de uma
estagnação da renda. Outra é perceber que você tem uma
probabilidade decrescente de escapar dessa estagnação -
especialmente quando poucos afortunados que vivem nos proverbiais
"condomínios fechados" parecem mais mimados cada vez que
você os vislumbra. "Quem matou o sonho americano?", dizem
os cartazes em passeatas de esquerda. "Resgatemos a América",
gritam os manifestantes de direita do movimento Tea Party.
As
estatísticas capturam somente uma fatia do problema. Mas é Larry
Katz, renomado economista de Harvard, quem oferece a analogia mais
atraente. "Imagine a economia americana como um grande prédio
de apartamentos", diz o professor. "Um século atrás - até
mesmo 30 anos atrás -, era um objeto de inveja. Mas, na última
geração, sua feição mudou. Os apartamentos de cobertura estão
cada vez maiores. Os apartamentos nos andares intermediários estão
cada vez mais espremidos e o térreo foi inundado. Para completar, o
elevador não está funcionando. Esse elevador quebrado é o que mais
deprime as pessoas".
Não
surpreende que uma maioria crescente de americanos tem dito, em
pesquisas de opinião, acreditar que seus filhos terão um padrão de
vida pior do que o deles próprios. Durante as três décadas do
pós-guerra, que muitos hoje relembram como a era de ouro da classe
média americana, a maré alta erguia a maioria dos barcos, nas
palavras de John F. Kennedy. A renda cresceu em termos reais quase 2%
ao ano, quase dobrando a cada geração.
E,
embora os anos dourados tenham sido puxados pelo crescimento do
ensino superior de massa, não era preciso ter diploma de ensino
médio para dar conta das despesas. Como seu marido, Connie Freeman
foi criada num lar de "classe trabalhadora" no chamado
Cinturão do Ferro, no norte de Minnesota, perto da fronteira
canadense. Seu pai, que deixou a escola aos 14 anos, após a Grande
Depressão dos anos 1930, trabalhou nas minas de ferro a sua vida
inteira. No fim de sua vida profissional, ele ganhava US$ 15 por hora
- mais de US$ 40 em valores atuais.
Trinta
anos depois, Connie, que é muito mais qualificada do que seu pai,
após ter completado o ensino médio e concluído um ano adicional de
estudos, ganha apenas US$ 17 por hora.
O
pai de Connie, com sua escolaridade mínima, ganhava o suficiente
para permitir que sua esposa continuasse a ser dona de casa em tempo
integral e ainda bancou a educação de dois filhos até a faculdade.
Connie e Mark, por seu turno, têm dificuldades para pagar o fluxo de
contas num lar de dupla renda familiar. O Estado de Minnesota custeia
um curso de teatro para Andy, o filho de 20 anos do casal que sofre
de autismo agudo.
A
rigor, Connie vive num lar de quatro rendas. "Quando Andy tinha
dois anos, disseram-me para comprar um aparelho de karaokê, porque
as crianças autistas às vezes reagem bem a isso", disse Mark,
apontando para o que só pode ser descrito como um antigo aparelho
pós-moderno. "Foi assim que iniciei meus negócios com karaokê.
Eu ganho cerca de US$ 100 toda quarta-feira, promovendo karaokês
pagos em casa. E, aos sábados sou gerente na loja de bebidas do
bairro. Precisamos de todos os quatro empregos para manter a cabeça
fora d'água".
Do
ponto de vista da maioria dos economistas, a história até o momento
é inquestionável. A maioria concorda sobre o diagnóstico, mas
diverge sobre as causas. Muitos na esquerda atribuem a culpa à
Grande Estagnação da globalização. A ascensão de China, Índia,
Brasil e outros países solapou os salários no Ocidente e eliminou
postos de trabalho de americanos sem qualificação, semiqualificados
e até mesmo qualificados. A indústria agora representa somente 12%
dos postos de trabalho nos EUA.
Pense
no trabalhador típico da indústria automobilística em Detroit, 30
anos atrás, que tinha um estilo de vida de classe média seguro, bom
plano de saúde e perspectiva de gorda aposentadoria. Hoje, ele vive
na China.
Outro
grupo de economistas define como causa principal o surgimento
explosivo de novas tecnologias, que facilitaram a automação
computadorizada de rotinas repetitivas e de trabalhos mais simples.
Pense na auxiliar de escritório, que anotava ditados e fazia o café.
Ela agora é um BlackBerry que passa metade de sua vida no Starbucks.
Ou o pessoal de retaguarda de escritórios que, como aqueles
sapateiros em conto de fadas, agora "costura a contabilidade"
das empresas americanas em Bangalore, na Índia, enquanto as pessoas
dormem nos EUA.
Há
também aqueles, como Paul Krugman, colunista do "The New York
Times" e ganhador do Prêmio Nobel de Economia, que atribuem a
culpa ao mundo político, especialmente à reação conservadora
iniciada quando Ronald Reagan chegou ao poder, em 1980, o que
acelerou o declínio dos sindicatos e reverteu os traços mais
progressistas do sistema fiscal americano.
Menos
de um décimo dos trabalhadores do setor privado americano pertence a
um sindicato. As pessoas na Europa e no Canadá estão sujeitas às
mesmas forças globalizantes e tecnológicas, mas fazem parte em
maior número de sindicatos, e seu atendimento médico é coberto por
verbas públicas. Mais de metade das falências de famílias nos EUA
são causadas por doença ou acidente graves.
Essas
são as teorias concorrentes (porém não contraditórias) sobre a
causa da deterioração. A "experiência vivida", como
diriam os sociólogos, é outra coisa.
De
forma muito semelhante aos Freeman, os Miller poderiam estar vivendo
em qualquer lugar dos EUA. Somente o calor abafado denuncia que estão
na Virgínia, no sul do país. Falls Church, na Virgínia, é na
verdade um subúrbio da capital do país, Washington. A implacável
expansão do governo fomentou um setor privado "verde", do
outro lado do rio Potomac, dedicado principalmente a atividades
relacionadas com segurança, defesa, serviços governamentais e
lobbying. O lugar de honra na casa de Shareen Miller abriga uma
fotografia granulada de sua conversa com Barack Obama numa cerimônia
na Casa Branca, no ano passado, para a assinatura de uma nova lei que
impõe igualdade de remuneração para as mulheres.
Como
organizadora, na Virgínia, de 8 mil assistentes de cuidados pessoais
- profissionais que cuidam de idosos e de deficientes nas próprias
casas dessas pessoas - Shareen, de 42 anos, foi convidada, com outras
dezenas, a participar da cerimônia. Mas isso foi tudo o que ela
ganhou de sua fugaz proximidade com o presidente. Desde então, sua
remuneração e suas horas de trabalho não pararam de cair. No ano
passado, ela ganhava US$ 1,5 mil por mês. Agora, recebe US$ 900.
Assim como outros governadores de Estado, Bob McDonnell, governador
da Virgínia, vem cortando impiedosamente o gasto público desde que
a recessão começou.
Embora
com área de aproximadamente o dobro do lar dos Freeman, na casa de
Shareen a sensação é de aperto ainda maior. Junto com dois filhos,
uma nora, uma neta e seu marido, Shareen tem um verdadeiro zoológico
de animais de estimação. Sua paciente Marissa, 26, com paralisia
cerebral, muitas vezes pernoita na casa deles.
Shareen
exibe a vigorosa boa vontade que encontramos em muitos americanos.
Apesar de seu pouco tempo livre, ela pratica uma atividade
voluntária, aos sábados, dedicada a animais de estimação
perdidos. Para ir a qualquer lugar, os Freeman precisam de um carro.
A uns 250 metros de sua casa, fica o trevo local, onde estão as
emblemáticas Taco Bells, 7-Eleven e lojas de um dólar que pontilham
os EUA. É a geografia física que diferencia os lugares; a geografia
humana, simplesmente se repete.
Dona
de um sorriso permanente, Shareen traça sua complexa árvore
genealógica: um pai aposentado, que trabalhou numa penitenciária do
Estado de Oregon, e vários meio-irmãos e meio-irmãs, nenhum dos
quais parece estar chegando com dinheiro ao fim do mês. "Adivinhe
de qual estou mais próxima", pergunta ela com um sorriso
travesso. "De nenhum."
De
novo, tecnicamente falando, Shareen vive em relativo conforto. Como
seu marido trabalha para uma companhia de segurança contra incêndios
e ganha US$ 70 mil por ano, os Miller estão, sem dúvida,
sobrevivendo. Mas eles temem o que poderá acontecer se um deles
tiver um problema de saúde. Alguns anos atrás, Shareen teve um
tumor removido de seu diafragma, que gerou US$ 17 mil em dívidas.
E
o marido sofre de uma hérnia de disco. Surpreendentemente, tendo em
vista que sua renda bruta conjunta é o dobro da mediana nos EUA,
Shareen teve de adiar uma operação dentária por seis meses, a fim
de saldar o empréstimo para a compra de seu carro. E não tem tempo
para estudar e se requalificar. "Uma coisa comum nas pessoas que
cuidam de gente com deficiências é que elas nunca têm tempo",
diz ela.
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A
maioria tem dito a
pesquisadores
acreditar que seus
filhos
terão um padrão
de vida pior
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Tanto
quanto discordam sobre o que causou a grande estagnação, os
economistas também divergem sobre as soluções. A maioria concorda
que níveis educacionais mais altos melhoram o rendimento potencial
das pessoas, mesmo que isso não resolva o problema subjacente.
Outros salientam que nem todo mundo pode ser um corretor de ações,
empresário de software ou professor de Harvard.
Muitos
dos empregos do futuro serão funções "interpessoais" que
não podem ser facilmente substituídos por computadores (ou
imigrantes): zeladores, cabelereiros e manicures, para os quais uma
faculdade é algo frequentemente supérfluo. Além disso, grande
parte dos americanos atingidos pela estagnação nos últimos dez
anos tem curso universitário. Mesmo eles não estão a salvo. Porém,
mais educação, no mínimo, melhorará as chances das pessoas. Como
pagar isso são outros quinhentos.
Apesar
de a renda nos EUA estar estagnada, o custo das escolas não cessa de
crescer. Desde 1990, quase dobrou a proporção de americanos que
estão pagando mais de US$ 20 mil em empréstimos educacionais uma
década após terem se formado. Lawrence Summers, principal assessor
econômico de Obama, que há muito tempo preocupa-se com o
crescimento do que ele denomina "nervosa classe média"
americana, salienta que, entre as principais economias, os EUA têm o
maior percentual de diplomados no mercado de trabalho. Mas, na faixa
etária de 25 a 34 anos, os EUA não estão nem nos "dez mais".
Mais
e mais americanos jovens são dissuadidos pela perspectiva de assumir
uma dívida de longo prazo. "Não é só o medo do endividamento
- são os quatro anos de lucros cessantes", diz Ruth Miller.
O
impacto sobre as pessoas, como os Miller e os Freeman, tem sido
agudo. Primeiro, houve estagnação. Depois veio a recessão.
Qual
é, então, o futuro do sonho americano? Michael Spence, economista
ganhador do Prêmio Nobel, a quem o Banco Mundial encarregou de
realizar um estudo sobre o futuro do crescimento mundial, admite um
mau presságio. Como um número crescente de economistas, Spence
disse ver a grande estagnação como uma profunda crise de
identidade.
Durante
anos, o problema foi amenizado e parcialmente oculto pela
disponibilidade de crédito barato. Americanos de classe média foram
ativamente incentivados a se endividar continuamente, oferecendo suas
casas em garantia, ou a canibalizar seus fundos de aposentadoria,
confiando em que os preços dos imóveis e as bolsas de valores
desafiariam permanentemente a gravidade (uma atitude estimulada,
entre outros, pela metade ganhadores do Nobel de Economia em todo o
mundo). Essa reserva de valor, agora, não existe mais. O dinheiro
fácil transformou-se em pesado endividamento. "Baby boomers"
- os nascidos na explosão da natalidade após a Segunda Guerra
Mundial - adiaram sua aposentadoria. Filhos com curso superior estão
voltando para a casa dos pais.
O
barômetro é econômico. Mas a raiva é humana e cada vez mais
política. "Tenho esse desgastante sentimento sobre o futuro dos
EUA", diz Spence. "Quando as pessoas perdem o senso de
otimismo, as coisas tendem a ficar mais voláteis. O futuro que mais
temo para os EUA é latino-americano: uma sociedade muito desigual,
propensa a fortes oscilações entre populismo e ortodoxia. Veja o
Tea Party [movimento conservador]. As pessoas acham que surgiu do
nada. Embora eu não concorde com suas soluções, a maioria dos
membros do Tea Party são americanos de classe média que vêm
sofrendo em silêncio há anos".
Spence
admite estar pensando em voz alta e "extrapolando em muito os
dados". E ele admite que os EUA provavelmente ainda conservam
sua força mais vibrante em sua capacidade de liderança mundial em
inovação tecnológica. A maioria dos economistas não é tão
pessimista como Spence.
Mas
é entre os americanos comuns que seu pessimismo repercute mais
intensamente. "Ser pessimista sobre o futuro é algo tão novo
para os americanos", diz Spence. "Mas a maioria das pessoas
compreende sua própria situação melhor do que qualquer
economista".
Na
reportagem, o jornalista faz longa abordagem dessa crise que já dura
cerca de 20 anos e que ganhou contornos mais agudos com a "grande
estagnação", de 2008.
"Há
também aqueles, como Paul Krugman, colunista do 'The New York Times'
e ganhador do Prêmio Nobel de Economia, que atribuem a culpa ao
mundo político, especialmente à reação conservadora iniciada
quando Ronald Reagan chegou ao poder, em 1980, o que acelerou o
declínio dos sindicatos e reverteu os traços mais progressistas do
sistema fiscal americano", chama atenção Luce.
Baixíssimo
índice de sindicalização
O
que chama a atenção na reportagem, embora a abordagem seja "en
passant", é o fato de o jornalista atribuir o agudo achatamento
salarial da classe média norte-americana aos baixos índices de
sindicalização dos trabalhadores do setor privado norte-americano.
"Menos
de um décimo dos trabalhadores do setor privado americano pertence a
um sindicato. As pessoas na Europa e no Canadá estão sujeitas às
mesmas forças globalizantes e tecnológicas, mas fazem parte em
maior número de sindicatos, e seu atendimento médico é coberto por
verbas públicas. Mais de metade das falências de famílias nos EUA
são causadas por doença ou acidente graves", argumenta.
Com
perfil individualista, o trabalhador oriundo da classe média - seja
norte-americana ou de qualquer outra nacionalidade - estará sujeito
às intempéries das crises cíclicas do capitalismo, pois não há
solução individual para enfrentamento dessas crise.
Exemplo
brasileiro
Quando
a crise do sistema financeiro estadunidense atingiu a economia real
brasileira, em setembro de 2008, o movimento sindical, por meio das
centrais propôs uma série de medidas anticíclicas como forma de
combater a estagnação da economia.
As
medidas deram certo e o Brasil foi o último a ser dragado pela crise
e o primeiro a sair dela. De qualquer sorte fica a lição, não é
possível combater as crises do capitalismo globalizado sem a
organização dos trabalhadores em suas entidades de classe.
Leia
abaixo a íntegra da reportagem:
A
agonia da classe média americana
Especial
EUA:
economistas divergem sobre as causas do declínio do padrão de vida
Por
Edward Luce, n
o Financial Times, de Washington
Tradução
de Sergio Blum
Tecnicamente
falando, Mark Freeman deveria considerar-se entre as pessoas mais
sortudas do planeta. Aos 52 anos, ele vive com sua família em casa
própria, numa rua arborizada e no coração do país mais rico do
mundo. Quando está com fome, ele come. Quando esquenta, ele liga o
ar-condicionado. Quando quer buscar alguma coisa, ele navega na
internet.
No
entanto, de alguma forma, as coisas não vão mais tão bem. No ano
passado, o banco tentou retomar a casa dos Freeman, apesar de eles
estarem com seu pagamento atrasado apenas três meses. Seu filho,
Andy, foi recentemente excluído da cobertura do seguro saúde de sua
mãe e só penosamente readmitido mediante um grande pagamento. E,
assim como as casas tapadas com tábuas - que sinalizam a epidemia de
retomadas judiciais de imóveis nos EUA -, o tráfico de drogas e os
tiroteios, que antes eram distantes de seu bairro, estão chegando
cada vez mais perto, quarteirão por quarteirão.
O
que é mais perturbador, no caso dos Freeman, é como eles são
típicos. Nem Mark nem Connie - sua incansável mulher, tão gordinha
quanto ele é magro - têm doenças crônicas. Ambos trabalham no
Hospital Metodista local - ele trabalha no almoxarifado, e ela é
técnica em suprimentos de anestesia. A US$ 70 mil por ano, a renda
bruta do casal é mais de um terço superior à mediana do núcleo
familiar americano.
No
passado, isso era o "sonho americano". Nos dias atuais,
poderia ser chamado de "devaneio incerto americano". Na
prática, Mark gasta muito dinheiro todo mês com o aluguel de uma
máquina para tratar sua apneia, que lhe dá insônia. "Se
perdemos nossos empregos, depois de umas três semanas teremos zerado
nossa poupança", diz ele, sentado em seu quintal, de olho na
rua e uma garrafa de cerveja na mão. "Nós trabalhamos dia e
noite para tentar poupar para nossas aposentadorias. Mas nunca
estamos a mais de um ou dois cheques de distância do olho da rua".
Quando
se fala de classe média americana, a maioria dos estrangeiros
imagina algo mais atemporal e confortável, como nas séries de TV,
na qual os adolescentes vão à escola dirigindo carros esportivos e
as meninas são sempre animadoras de torcidas. Isso pode representar
como vivem uns 10% do topo da classe média. O resto vive como os
Freeman. Ou pior.
Uma
visita completa à casa de 65 m2, pertencente a Mark, no noroeste de
Mineápolis, leva apenas uns 30 segundos. A casa foi comprada
mediante um financiamento de US$ 50 mil em 1989. Agora, ela vale US$
73 mil. "Houve um momento em que ela valia US$ 105 mil dólares
- e pensamos que tínhamos entrado no paraíso", diz Mark. "Os
bancos continuaram telefonando - às vezes quatro ou cinco vezes numa
mesma noite -, oferecendo linhas de crédito e empréstimos.
Insistiam como traficantes de drogas".
O
lento estrangulamento econômico dos Freeman, e de milhões de outros
americanos de classe média, começou muito antes da Grande Recessão,
que apenas agravou a "recessão pessoal" que os americanos
comuns vinham sofrendo havia anos. Denominada pelos economistas como
"estagnação do salário mediano", a renda anual dos 90%
de famílias menos bem de vida nos EUA permaneceu essencialmente
inalterada desde 1973 - tendo crescido apenas 10% em termos reais nos
últimos 37 anos. Isso significa que a maioria das famílias
americanas está no sufoco há mais de uma geração.
No
mesmo período, a renda do 1% de famílias mais ricas triplicou. Em
1973, executivos-chefes de grandes companhias recebiam, em média,
remuneração igual a 26 vezes a renda mediana. Hoje, é mais de 300
vezes superior.
A
tendência só tem se intensificado. A maioria dos economistas vê a
grande estagnação como um problema estrutural - ou seja, imune ao
ciclo econômico. Na última expansão, que começou em janeiro de
2002 e terminou em dezembro de 2007, a renda familiar mediana
americana ficou US$ 2 mil menor - a primeira vez em que a maioria dos
americanos esteve pior no fim de um ciclo do que no início. O mais
grave é que a longa era de renda estagnada tem sido acompanhada por
algo profundamente antiamericano - um declínio na mobilidade da
renda.
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